As chuteiras de Rui Costa
Rui Costa, presidente do Benfica. Foto: Miguel Nunes

As chuteiras de Rui Costa

OPINIÃO08.08.202410:30

Anda por aí muita gente de sapatos de bailarina ou de chinelos para todas as ocasiões a clamar que a saída de João Neves só por €120 milhões ou nada

Ainda não encontrei melhor descrição da saída de João Neves do Benfica para o PSG, nas minhas reflexões ou opiniões, jornais ou televisões, redes sociais ou cafés, do que a publicada, por estas páginas ou na edição online, há uns dias, pelo meu camarada Nélson Feiteirona, que num golpe tão simples quanto genial, que todos procuramos quando nos sentamos em frente a uma folha branca antes de começar a escrever, resumiu tudo na ideia de que é um pouco de Benfica que se vai.

Aquele adolescente que os benfiquistas depressa abraçaram e adotaram como filho, por motivos que nem vale a pena estar a recordar, deixa um vazio que cedo ou tarde será esquecido ou desvalorizado, mas que não será preenchido, mesmo que outros venham ocupar o lugar dele, mesmo que Renato Sanches relance a carreira. Será sempre um Benfica diferente, até poderá ser melhor, mas João Neves representa aquilo que os adeptos gostam que seja o Benfica, para lá de ser um talento como poucos na Europa com a idade dele, 19 aninhos.

Nisso, acredito, quase poderemos todos concordar. Já quanto à decisão de Rui Costa negociar a transferência por €60 milhões será bem diferente. Se considerarmos o ruído e lastro daqueles que não cessam de disparar sobre o presidente do Benfica, então parece claro quem é o vilão desta história.

Não são, nessa barricada, todos iguais. O que é claro é ninguém quer calçar as chuteiras de Rui Costa, por diversos motivos — ter agenda própria ou ser engraçadinho com e para os amigos, achar-se superior ignorando a realidade ou ser apenas do contra. E também há, talvez menos, quem seja contra essa decisão e apresente uma fundamentação sólida e respeitável, desde que e sempre explicando como se lida com as consequências, financeiras e desportivas, dessa opção.

Anda, pois, por aí muita gente, fina e delicada, com sapatos de bailarina e em pontas, em palcos de imaculada dignidade, a dizer que €120 milhões ou nada. E anda, também, por aí muita gente, com a sensibilidade de quem usa o chinelo para qualquer ocasião, a dizer que €120 milhões ou nada. Talvez não se tenham apercebido que são mais próximos do que imaginam e coincidem na iluminação e na indiferença a tudo e todos.

Para que tudo fique bem claro — a venda de João Neves por €60 milhões é o negócio possível e, dentro do negócio possível, é um bom negócio. Ignorar a circunstância de que João Neves não poderia recusar um contrato mais de dez vezes superior ao que tinha no Benfica e que um clube português não tem condições de recusar €60 milhões é tão populista quanto irresponsável.

Isso, porém, não nos impede de refletir sobre como se chegou até aqui, de como, ao fim de tantos anos, Benfica e os outros clubes portugueses ainda estão dependentes de um modelo de negócio que implica sempre a perda dos maiores talentos. Com a dificuldade de encontrar mais receitas — a centralização da venda dos direitos de transmissão televisiva, já se percebeu, dificilmente proporcionará mais proveitos financeiros aos grandes — a solução óbvia seria o corte a valer nas gorduras das despesas e na escolha mais criteriosa de jogadores. É fácil dizer e soa bem, não é? Mas quais as consequências desses cortes? E quem pode garantir que acerta sempre quando escolhe um jogador? Já é mais difícil responder.

Assim como quem não quer a coisa vou ali calçar umas chuteiras e já volto.