Artur Soares Dias: não foi sorte, foi mérito
'O poder da palavra' da palavra é um espaço de opinião semanal do antigo árbitro
I. O mais categorizado árbitro português da atualidade decidiu colocar ponto final na carreira.
O Artur, filho de Soares Dias (também ele ex-árbitro de primeira categoria) fez um percurso brilhante na arbitragem e não há uma única pessoa que o possa negar. A constatação comprova-se com números e esses nunca mentem: vinte épocas na primeira categoria (catorze das quais na FIFA), vinte e quatro jogos dirigidos na Liga dos Campeões, permanência no restrito Grupo de Elite da UEFA, 297 jogos arbitrados no escalão maior (com muitos dérbis e clássicos pelo meio), duas finais da Taça de Portugal, duas Supertaças Cândido de Oliveira, uma Final da Taça da Liga e, mais recentemente, uma Final da Liga Conferência. Além disso, o portuense marcou presença no Europeu de sub-17 (em 2011), no Mundial de sub-20 (em 2015), no Mundial de sub-17 (em 2017), no Euro-2020, nos Jogos Olímpicos de Tóquio (em 2020) e no Euro-2024.
Não foi sorte, foi mérito. Artur Soares Dias entrou diretamente para a galeria dos notáveis, onde já constavam nomes como Joaquim Campos, António Garrido, Carlos Valente, Rosa Santos, Vítor Pereira, Lucílio Baptista, Olegário Benquerença e Pedro Proença.
O timing da publicação da sua retirada não foi feliz. O próprio terá noção disso. Mas isso é tão inegável quanto a insignificância da notícia que pareceu vendida para subtrair mérito desportivo a quem fez muito para o merecer.
Seria importante que aprendessemos a valorizar mais os feitos que alguns dos nossos alcançam. Somos um país pequeno, sem a força de muitos outros. Se temos orgulho em atletas bem sucedidos, porque não ter igual sentimento em relação ao outro agente desportivo do jogo? Que diabolização constante é essa, que traça um risco por cima quando o mérito vem de um árbitro ou de um juiz desportivo? Com todo o respeito, é demasiado provincianismo. E enquanto nos perdermos com fait divers tontinhos que geram meia dúzia de mêmes e dois ou três dias de converseta, o mérito de quem dedicou quase três décadas a crescer na função, esfuma-se. É esse mindset que afasta-nos dos grandes palcos e impede-nos de reconhecer muita da capacidade e qualidade que temos intramuros. Para quando a mudança de chip?
II. Já aqui o disse vezes sem conta: tenho enorme respeito por todos os treinadores de futebol e sei quão difícil (e tantas vezes injusta) é a gestão da sua carreira num universo tão complexo como é o do futebol. Quase sempre o seu talento, competência, dedicação e sacrifício estão à distância de três ou quatro derrotas seguidas. Não é apenas ingrato, é maquiavélico. Mas a vénia que lhes presto não me retira o direito a criticar os comportamentos de alguns. Comportamentos que em boa verdade apenas os diminuem. Refiro-me à tendência velhinha e muito gasta de apontar o dedo aos árbitros quando os resultados não aparecem. Não há nada de novo aí: quando ganham, não se fala disso; quando começam a ficar em posição desconfortável, lá vem a incapacidade de assumir responsabilidades, desviando a culpa para o suspeito do costume. O que me parece é que, mesmo que os árbitros até errem pontualmente, a atitude e elegância do discurso devem ser outras. Um treinador de topo, com classe, tem que estar acima, bem acima, do penálti duvidoso ou da quase falta que foi ou não assinalada. Não vão por aí, por favor. Pensem nos jogos que ganharam sem merecer ou nos golos que marcaram e que não deviam valer. E já agora, um último apelo, sobretudo aos que tão bem nos representam lá fora: comportem-se com dignidade nos bancos técnicos. Já não há pachorra para tanta histeria, tanto grito e insulto, tanto salto e vitimização para justificar derrotas. Caramba! Não permitam que o reconhecimento técnico que vos é justamente tributado seja banalizado pela criação da imagem de eternos chorões, de dedo em riste e língua afiada. Para quê ser poucochinho, se já são tão grandes