A sorte!

OPINIÃO23.07.202107:05

Em maio, já aconselhava Jesus a ir à bruxa, longe de imaginar o que estava para vir...

E M maio, quando escrevi que o consagrado, mas infeliz, JJ devia ir à bruxa, a propósito do que também lhe sucedeu, a ele e ao Benfica, na final da Taça de Portugal, estava longe de imaginar, eu e JJ, certamente, que o Benfica viria a viver infortúnios e pesadelos como os que veio surpreendentemente a viver.
Se é verdade que os insucessos no campo, as lesões de jogadores, eventuais erros nas contratações ou jogadores alegadamente desejados que se provam inacessíveis, mais a gestão de conflitos no plantel ou a demora na colocação de jogadores excedentários são tudo contingências do futebol, ter JJ ficado sem o amigo Luís Filipe Vieira na presidência do Benfica não tem nada a ver com o jogo e está muito longe de ser apenas um murro no estômago; foi, como facilmente se compreende, um verdadeiro tornado emocional!
Depois do que lhe aconteceu no Sporting e do que nunca imaginou viver neste regresso à Luz, com uma última época para esquecer, mas também para lembrar, não sei se não deveremos, finalmente, considerar Jesus um treinador sem sorte.
Já sei que virão os mais críticos recordar que JJ se põe, também, a jeito quando, sobretudo, diz o que talvez não devesse dizer ou, pelo menos, não devesse dizer como diz, e já sei que lembrarão as piores línguas o velho ditado segundo o qual «pela boca morre (sempre) o peixe»!
Já sei também que dirão que cheira a desculpa, mas confessem lá se um «treinador com sorte» - sim, os treinadores também precisam de uma ponta de sorte!!! - perde para o V. Guimarães uma final da Taça (como a de 2013) nos últimos minutos da festa do Jamor, ou perde um campeonato para o FC Porto (como o de 2013) nos últimos segundos da partida no Dragão, ou perde uma Liga Europa (como a de 2013) praticamente no último lance do jogo da final com o Chelsea, ou perde outro campeonato (pelo Sporting, em 2016) porque o Bryan Ruiz atirou a bola por cima da trave quando estava a dois ou três metros da baliza, ou se vê com o Benfica eliminado da Liga dos Campeões pelo PAOK de um treinador português (Abel Ferreira) quando, pela primeira e única vez, graças à pandemia, a eliminatória teve apenas um jogo (e tocou-lhe a fava de jogar fora), ou fica sem dez jogadores de uma só vez por causa do Covid-19 (como lhe aconteceu em janeiro), ou perde outra final da Taça, agora para o SC Braga, já este ano, vendo um guarda-redes expulso e outro cometer um erro monumental… Será este, sinceramente, um «treinador com sorte»?
Não se trata de defender Jesus, trata-se de reconhecer a realidade: não estará JJ a preparar esta dificílima e muito exigente época de 2021/2022 absolutamente no fio da navalha? Bom, se não está, não andará longe…
Vejamos: ainda não conseguiu trabalhar com todos os principais jogadores e só lhe falta semana e meia para começar a competir; reforços chegam a conta-gotas, só agora terá Otamendi mas Everton cumprirá quarentena; acaba de receber o recém-aterrado Meité, parece não ter o que queria (Al Musrati ou Arão...) e não sabe se vai continuar a ter alguns dos que tem (Seferovic e Weigl poderão sair?).
Além disso, acreditando eu que não deve querer mais do que 25 jogadores, Jesus ainda tem no plantel umas boas seis ou sete caras a mais, que esperam guia de empréstimo ou saída definitiva, já para não falar da muita falta que vão certamente continuar a fazer-lhe, ainda por tempo indeterminado, o prometedor avançado Darwin ou o experiente André Almeida. Se isto não é trabalhar no fio da navalha, então não sei, com franqueza, o que é!...

Q UIS ainda o destino que os astros se alinhassem para Jesus voltar a confrontar-se, de novo, com um treinador português na importantíssima 3.ª pré-eliminatória de acesso à Liga dos Campeões. E logo Rui Vitória, para se remexer no baú de inconvenientes e desagradáveis memórias, e logo um Spartak da longínqua Moscovo (creio que não havia mais longe…) e logo na primeira época em que deixam de contar para efeitos de desempate os golos marcados fora!... Podiam ter saído Celtic ou Midtjylland, Genk ou Shakhtar, Rapid Viena ou Sparta Praga… mas não, foi logo sair o Spartak de Rui Vitória, para o cenário poder ficar ainda mais azedo.
Deve JJ ser mesmo um «treinador com sorte», não é verdade?...
Com todo o respeito por Rui Vitória (e pelo que venceu no Benfica, sem esquecer a deselegância com que, na altura, foi realmente  tratado por Jorge Jesus) a verdade é que para o futebol português (e, muito em particular, para os portugueses benfiquistas) bom, bom, naturalmente, será ver o Benfica conseguir juntar-se a Sporting e FC Porto na fase de grupos da Liga dos Campeões, e não o Spartak, mesmo treinado por um português a quem o futebol português deve, evidentemente, desejar os melhores sucessos.
Mas devem as águias acreditar seriamente que não será nada fácil atingir o objetivo. E devem ainda lembrar-se que após este obstáculo, se for superado, ainda há outro. Não menos difícil, seguramente!

P ODE  Rui Vitória queixar-se também de alguma falta de sorte: reencontra a antiga equipa logo quando está a dar os primeiros passos no Spartak. Mas, com toda a franqueza, julgo que para o Benfica a única boa notícia, desta vez, é mesmo ter a possibilidade de emendar na Luz, a 10 de agosto, o que eventualmente não lhe correr tão bem em Moscovo, já no próximo dia 4.
Na preparação, está mais adiantado o Spartak; na competição também, porque começa o campeonato já este fim de semana, bem antes de receber os encarnados, o que é sempre, como se sabe, preciosa ajuda para conseguir melhor ritmo e melhores afinações.
Devem ainda os benfiquistas desconfiar e desafio-os a olharem bem: além de três internacionais russos no último Europeu (o central Dzhikiya e o médio Zobnin, sempre titulares, e o ponta de lança Sobolev, de 1,91 m), ninguém esqueça o experiente e talentoso Victor Moses (não por acaso, há dois anos, levado por Antonio Conte para o Inter), mais o promissor sueco Jordan Larsson (filho do inesquecível Henrik Larsson) e ainda o holandês Quincy Promes, contratado ao Ajax, internacional pelos Países Baixos neste último Europeu.
Tudo gente capaz de pôr a cabeça em água à equipa do Benfica.
Nada disto deve, porém, comparar-se ao que Jesus deve estar a sentir por ter ficado sem o amigo Filipe Vieira na presidência do Benfica. Não lhe faltava mesmo mais nada!...
Já não tinha JJ coisas suficientes que o ralassem, ainda perde um apoio vital e se vê forçado a desempenhar papel absolutamente essencial na recuperação do melhor clima possível para levar a equipa a conseguir afastar-se (e bem sabemos como será difícil) da atmosfera de instabilidade, problemas e dúvidas que se abateram num clube que ainda há dois anos, quando venceu o título com Bruno Lage, parecia absolutamente inabalável.
Independentemente dos erros que possa, ele, Jesus, ter cometido (e cometeu) desde que regressou à Luz, e dos erros que possam ter cometido (e cometeram) alguns dos restantes responsáveis do clube, e ainda muitos dos jogadores, o que poderá fazer Jesus para inverter o mau olhado? Talvez mesmo ir à bruxa!

E STARÁ no treinador o verdadeiro problema do Benfica? Não creio. Creio, sim, que está, em grande parte, nas mãos dele conseguir impedir que o jarro da Luz, já tão fraturado, acabe partido em cacos.
Jesus é grande treinador de futebol e não deixou de ser um grande treinador pela má época que o Benfica fez. Mas será um «treinador com sorte»? Tenho sérias dúvidas.
Sabe Jesus que no futebol nem sempre ser grande treinador é suficiente para levar as equipas a superar dificuldades, e muito menos se às dificuldades próprias do futebol ainda se somam as dificuldades de uma crise diretiva sem precedentes e de um cenário emocional tão abalado.
Os grandes treinadores também dependem das circunstâncias e as circunstâncias do Benfica têm vindo a ser, a diferentes níveis, tão profundamente desfavoráveis que nem mesmo um grande treinador como Jesus pode ser suficiente para inverter a péssima onda que assolou a Luz.
Em Portugal, muito especialmente em Portugal, o fracasso continua a ser medido pelo dinheiro investido e pela falta de títulos. É a vida. Nesse sentido, o Benfica e Jorge Jesus sabem que a margem de erro encolheu drasticamente. Pior: sabem que deverá ser zero a tolerância para um eventual novo despiste!
Servem, aliás, algumas destas considerações para se poder prever, também, de algum modo, o futuro próximo de Rui Costa como presidente do Benfica. Por muito que se discuta, por muitos que sejam os ângulos de análise, por muitos que sejam os diferentes pontos de vista, creio que a coisa pode até resumir-se de forma simples.
Se o Benfica entrar na fase de grupos da Champions e começar bem a Liga, Rui Costa será o próximo presidente eleito do Benfica. Aposto. Escolha a equipa que escolher, substitua quem substituir, tome as decisões internas que tomar. Caso contrário, para ter alguma esperança de vencer, precisará de mudar tudo. Rigorosamente tudo. Também aposto. E mesmo assim, nada será garantido!

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