À procura de Rui Costa
Já critiquei o excesso de comunicados e o tom de alguma comunicação do Benfica, mas os dias correm e o silêncio torna-se cada vez mais ensurdecedor
NO momento em que escrevo este texto o proverbial rodapé num canal de tv diz-me que Luís Filipe Vieira planeia o seu regresso ao Benfica. Não consegui ver mais nada, mas já todos conhecemos esta história. Seguir-se-á uma semana ou mais de análise exaustiva a mais um pretenso facto da vida do Sport Lisboa e Benfica, esse grande motor da economia de conteúdos nacional. Essa especulação levará a uma panóplia de alertas em direto e contundentes interpretações: que a situação de Rui Costa enquanto presidente é frágil e este rumor coloca isso à vista, que o Benfica talvez precise de uma nova liderança que Rui Costa não é capaz de corporizar, que o Benfica precisa de uma velha liderança que só Vieira é capaz de protagonizar, que isto são rumores plantados por gente que quer o mal do Benfica, ou que os adeptos do Benfica talvez preferissem o regresso a um tempo em que tudo era mais simples, mesmo que não fosse nada simples e perdêssemos mais vezes do que ganhávamos. Acrescente-se à crise do Benfica o anunciado regresso de Luís Filipe Vieira em Janeiro e temos os ingredientes de uma boa caldeirada. E é assim que prosseguiremos nesta travessia do deserto disfarçada de programa de entretenimento.
N ÃO me interpretem mal. Até eu, benfiquista angustiado com este período da vida do clube, consigo divertir-me por vezes com a sucessão de leituras e tresleituras na noite de comentário desportivo, mas a verdade é que nada disto é especialmente bom para o Benfica. Porém, se é verdade que tudo isto é inevitável quando se é uma das pouquíssimas instituições do país pela qual milhões anseiam diariamente, não é menos certo que as origens do problema se encontram dentro do Benfica.
R UI Costa foi eleito presidente com a esmagadora maioria dos votos e, ainda que aquela noite não o exigisse de forma absoluta, aproveitou a oportunidade para anunciar mais do que uma evolução na continuidade. Tentou desde logo ocupar um território e torná-lo seu. Fez bem. Prometeu transparência, anunciou uma auditoria para esclarecer um momento negro na vida do clube, prometeu tudo fazer para que o Benfica fosse falado apenas por bons motivos, garantiu ter um projeto desportivo devidamente delineado, e assegurou que tudo isto estava já em marcha. Infelizmente para ele e para o Benfica, volvidos alguns meses, esses resultados ainda não estão à vista. Longe disso, aliás.
O mais irónico perante tudo isto? Esse talvez seja o maior problema do Benfica nos últimos meses. Arrisco dizer que o maior problema é mesmo comunicacional, e posso tentar explicar. Rui Costa é presidente há poucos meses e chegou a essa posição de forma legítima, categórica mesmo. No entanto, não tem controlado devidamente a narrativa e não tem sabido criar e proteger o espaço de que precisa para consolidar o seu resultado eleitoral e dar longevidade a esse sentido de voto. Vejamos. Neste momento, o Benfica vê-se à mercê de narrativas muitas vezes ou quase sempre impostas no pior interesse do clube - pelo valor de entretenimento, para festim dos clubes rivais, pela ambição dos adversários internos. No entanto, Rui Costa parece apostado em deixar que o silêncio fale por ele na esperança de que a tática seja compreendida. Receio que este plano de jogo acaba por normalizar a ideia de uma liderança tímida e fraca. Nisto, Rui Costa vê-se incumbido de cumprir a sua própria profecia, a de um predestinado a presidente, por oposição à tese dominante entre os seus críticos - a de que nunca esteve realmente preparado para presidir aos destinos do clube. Tem uma coisa a seu favor: mesmo muitos destes críticos, arrisco dizê-lo, gostariam que a profecia se cumprisse, porque no final isso significaria muito provavelmente termos um Benfica mais digno e mais ganhador.
T ALVEZ os solavancos ou insucessos destes primeiros meses de liderança tenham convencido Rui Costa de que o melhor mesmo é não criar mais ruído, baixar a cabeça e trabalhar. Acontece que nenhuma narrativa comunicacional funciona assim, a não ser que nos contem essa história. E a última semana não ajuda em nada. As duas manifestações mais visíveis foram dois abraços controversos: o primeiro, a Jorge Jesus, muito mal explicado; o segundo, a Pinto da Costa, inexplicável. Talvez seja tudo uma sequência azarada de instantâneos, mas é disso que vive a sua imagem quando mais nada parece ainda funcionar devidamente. Enquanto Rui Costa trabalha para, quem sabe, voltar a deixar que o trabalho fale por si, há gente que vaticina o seu fim, há gente que o defende sem as munições argumentativas de que precisa, e há até candidatos não anunciados que se preparam para o próximo ato eleitoral, seja lá quando for. Eu já critiquei o excesso de comunicados e o tom de alguma comunicação do Benfica, mas os dias correm e o silêncio torna-se cada vez mais ensurdecedor. Será estratégia do presidente ou de quem o aconselha? Será que a realidade paralisou a liderança do clube. Não é tanto uma questão de hoje se exigirem explicações. Os benfiquistas merecem explicações. Merecem saber o que pensa o presidente acerca destes primeiros meses, tal é a abundância de acontecimentos. E merecem perceber o que esperar, e quando o esperar. É tão somente isto. Rui Costa só terá a ganhar em dar esses esclarecimentos, isto se quiser ficar melhor na fotografia e voltar a ser dono do seu destino.