A ironia!

OPINIÃO20.08.202107:00

Quem sabe se o jogo de Eindhoven não poderá, até, tornar-se mais fácil para a águia?

AOS olhos de quem não é treinador e apenas gosta de um bom jogo, creio que nunca o Benfica chegou a jogar francamente bem frente ao PSV. Parece-me, por outro lado, que há muito que o Benfica não tinha um resultado tão claramente melhor do que a exibição. Na última época, que todos classificaram de péssima, chegou, aliás, o Benfica a jogar muito melhor e a sair derrotado. Lembro-me que jogou muito melhor na Grécia, também num play-off da Champions, e perdeu; jogou muito melhor com o Braga, na Luz, para o campeonato, por exemplo, e também perdeu, jogou muito melhor no Dragão, com o FC Porto, e também não ganhou, enfim, se calhar estava, realmente, na hora de o Benfica de Jesus ter a sorte de um jogo, jogando bem menos do que o resultado indica.
Talvez aos olhos de Jorge Jesus o Benfica tenha conseguido, técnico-taticamente, uma exibição suficientemente forte para merecer a vitória. Mas aos olhos do observador comum, aos olhos de quem, simplesmente, gosta de ver o jogo como um espetáculo e quer, portanto, que o espetáculo lhe proporcione um grande jogo, o que o Benfica conseguiu, na última quarta-feira, frente ao PSV, foi uma muito boa organização defensiva na 1.ª parte e nessa 1.ª parte, apesar dos dois golos, já alguma dificuldade na construção ofensiva; e uma 2.ª parte alguns furos abaixo a defender, sobretudo por falta de gasolina a meio-campo, e uns furos muito abaixo a construir, por não conseguir, simplesmente, ter a bola. E quem não tem a bola não pode, evidentemente, atacar.
Mais forte, provavelmente, do que se esperaria, o PSV foi capaz de roubar a bola ao Benfica como há muito não se via na Luz. Chegou mesmo a ser confrangedor ver os jogadores encarnados a não serem capazes de tomar boas decisões, nem sequer de pensar, de cada vez que recuperavam a bola, tal foi, muito em especial na segunda parte, a pressão da equipa neerlandesa e a sua capacidade de recuperar a bola, de a manter e de a fazer circular. Mérito indiscutível de um PSV que, no entanto, ataca bem melhor do que defende e pode, ironia das ironias, vir a cair outra vez aos pés deste Benfica no jogo da segunda mão, assim o Benfica seja capaz de travar o talento de jogadores como o campeão do mundo em 2014, o alemão Mario Goetze, mais o neerlandês com ascendência africana (no Togo), Cody Gakpo (22 anos e muita qualidade), autor do golo do PSV na Luz, ou o jovem extremo direito, o inglês Noni Madueke, que o PSV foi comprar ao Tottenham com apenas 16 aninhos de idade. Assim seja o Benfica capaz ainda de estabilizar suficientemente o seu jogo para conseguir ter a bola e explorar (tem jogadores para isso) o que pode fazer bem, que é a transição rápida para o ataque.
Se defender como defendeu na 1.ª parte do jogo da Luz e se conseguir dar a resposta ofensiva que apenas deu, agora, a espaços, por pequenos instantes ao longo de toda a primeira mão, então o Benfica poderá realmente criar boas condições para confirmar em Eindhoven a vantagem já obtida e assim chegar à tão (ansiosamente) desejada fase de grupos da Liga dos Campeões. Pode até dar-se a ironia de o jogo de Eindhoven se revelar bem mais fácil para os encarnados, no sentido de se tornar mais ao jeito do momento da equipa e bem mais confortável para a maioria dos jogadores de Jesus.

SERÁ, em todo o caso, absolutamente essencial que a equipa do Benfica se mostre capaz de manter a tal cabeça fria, afastando a pressão e o peso da responsabilidade do que está naturalmente em jogo. Não é fácil, compreende-se, porque os jogadores não são realmente máquinas (embora alguns pensem que são!!!) e não conseguem, muitas vezes, evitar a ansiedade, por mais experiência que tenham.
Saberão os jogadores do Benfica exatamente o que vale para o presente e para o futuro imediato do clube a chegada aos grupos da Champions. Novo insucesso não significa apenas mais um tropeção desportivo. Significa muito mais do que isso!
Cabe , em primeiro lugar, ao treinador Jesus a tarefa (difícil, sem dúvida) de fazer com que a equipa se liberte, na próxima terça-feira, de todas as amarras que têm resultado da atribulada última época e das consequências de toda a explosiva crise diretiva em que o clube caiu com o afastamento forçado do anterior presidente e a chegada à liderança de um Rui Costa que mesmo dando tudo corre ainda o risco de vir a receber muito pouco. É, como sempre, o futebol a dominar o cenário das eleições que até final do ano decidirão o rumo e o poder na Luz!

AINDA sobre o jogo de quarta-feira na Luz, duas notas, ambas preocupantes, mas que podem ajudar a explicar parte das grandes dificuldades sentidas na segunda parte pela equipa do Benfica: a questão emocional, da ansiedade já referida, da autoconfiança (ou falta dela), da pressão a que nem todos os jogadores parecem resistir com eficácia, e a questão física, talvez resultante da questão psicológica, admito, que levou parte da equipa a parecer ter dado o estoiro sensivelmente a meio da segunda parte (ou até talvez antes) do jogo desta 1.ª mão do play-off com o PSV.
Cantava António Variações, num outro sentido, é certo, que quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga; pois no caso de um jogo de futebol, e no caso concreto deste jogo do Benfica com o PSV, o que ficou foi a ideia de o corpo de alguns jogadores encarnados ter acabado por pagar pela falta de uma outra estabilidade emocional. Pagaram as pernas pela excessiva ansiedade.
Enquanto o PSV pareceu sempre uma equipa serena, consciente, focada, emocionalmente estável, mesmo quando esteve por baixo na partida, o Benfica, pelo contrário, mostrou em muitos momentos jogar em esforço, como se costuma dizer quando se vê o jogador parecer estar no seu limite, jogar em esforço e sobre brasas, inquieto, cheio de nervoso miudinho e sem o autocontrolo indispensável à compreensão do jogo e de como o inverter sempre que ele lhe foi (e como ele foi na segunda parte…) tão surpreendentemente desfavorável.

IMAGINO, por exemplo, os pobres dos três centrais do Benfica a não poderem sequer respirar entre lances difíceis tal era, a dada altura, o ritmo asfixiante a que o PSV recuperava a bola e partia para novo ataque. E voltou a parecer-me incompreensível, confesso, como exemplo do descontrolo encarnado, a quantidade de vezes que a equipa portuguesa entregou a bola ao adversário em sucessivos lançamentos da linha lateral. Impressionante!
Ou seja: lançamento à mão favorável ao Benfica acabava invariavelmente com a bola nos pés do PSV; já os lançamentos do PSV eram quase todos aproveitados pela equipa neerlandesa para sair em construção, fosse em que parte do campo fosse. Creio que isso pode dizer muito do estado em que cada equipa se encontra no jogo.
Pode ser apenas mera intuição, mas quando uma equipa perde tantas vezes a bola na sequência de lançamentos laterais a favor, isso significará que não está suficientemente confortável no jogo, e uma equipa que não está suficientemente confortável no jogo dificilmente o pode dominar. Foi o que acabou por suceder ao Benfica.

MESMO considerando, ainda assim, este PSV uma equipa realmente forte, e é, mesmo reconhecendo que foi o PSV melhor do que o Benfica em muitos dos momentos do jogo de quarta-feira, mesmo admitindo que em casa a equipa do alemão Roger Schmidt quererá ser ainda mais avassaladora na forma de atacar e de procurar encostar o Benfica às cordas, repito que talvez a maior das ironias venha a mostrar um jogo em Eindhoven mais favorável a este Benfica, no sentido de permitir que a equipa de Jesus, estando em vantagem, possa gerir o jogo de acordo com o seu maior instinto para matar o adversário quando ele menos o esperar. O PSV não é, claramente, tão bom a defender como a atacar, e isso pode ser-lhe fatal. Os benfiquistas assim o esperam.
Acredito, por fim, que fez Jorge Jesus, no final do jogo da Luz, um discurso para fora que talvez não corresponda exatamente ao discurso que fará para dentro. Quis Jorge Jesus passar para fora a ideia de um Benfica forte, que não passou assim por tantas dificuldades como jornalistas e comentadores parecem querer fazer crer, e ainda de um Benfica que pode perfeitamente vencer nos Países Baixos. Em certa medida, percebe-se, no sentido em que Jesus não quererá contribuir para maior desconfiança da própria equipa.
Mas já é mais difícil de compreender que não tenha reconhecido a grande exibição de Vlachodimos. Foi para desvalorizar o ascendente do PSV no segundo tempo? Se foi, então para Vlachodimos o discurso também será outro. E justo.
Sou, devo assumi-lo, dos que consideram ter o Benfica dois bons guarda-redes sem que qualquer deles seja… o grande guarda-redes que o Benfica, parece-me, precisava de ter. Mas que Vlachodimos teve um punhado de grandes intervenções na quarta-feira, lá isso teve e, nessa medida, foi decisivo na vitória da águia em mais uma noite europeia na Luz... sem a águia Vitória!

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