Quando nem o treinador tem uma explicação para o que aconteceu, a coisa é grave. Benfica de 2022/2023 continua a anos-luz…
Famalicão adensou os problemas de Rui Costa e reduziu a margem de manobra de Roger Schmidt. No Minho, na estreia na Liga de 2024/2025, a primeira tentação é dizer-se que a lei de Murphy castigou o Benfica, já que tudo o que podia ter corrido mal, correu mesmo. Mas deixemos o engenheiro aeroespacial Edward A. Murphy em paz, porque o seu postulado não se aplica aos encarnados. Na verdade, estamos perante uma situação em que o que assenta como uma luva é uma frase atribuída a Albert Einstein (sem que haja garantias de que seja ele o autor): «Insanidade é continuar a fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes.»
Há pouco mais de três meses o Benfica confirmou o adeus ao título ao perder com o Famalicão no Minho. Voltou a ser derrotado pelo mesmo resultado, cometeu os mesmos erros, sentiu as mesmas dificuldades
Dão-se alvíssaras a quem descortinar diferenças entre o Benfica que perdeu por 2-0, a 5 de maio deste ano, na 32.ª jornada da Liga de 2023/2024 em Famalicão e aquele que foi derrotado pela mesma marca, no mesmo campo, perante o mesmo treinador (Armando Evangelista) no dia 11 de agosto, na primeira ronda de 2024/2025.
Fotografia desfocada
Guarda-redes (Trubin) desprotegido e avançado (Pavlidis) mal municiado; duplo pivot (Barreiro e Florentino) deficiente na ocupação de espaços para impedir as transições rápidas ofensivas do Famalicão; médios alas (Aursnes e João Mário) a jogarem sistematicamente por dentro, afunilando jogo e retirando espaço a Prestianni, que devia ser o principal apoio de Pavlidis. A tudo isto acresceu um Bah fora de forma, um Beste à procura da equipa e, last but not least, uma dupla de centrais que não deverá manter a titularidade, onde Morato jogou sempre sobre brasas.
Tudo junto, resultou em gentileza a mais para com o Famalicão, que não se fez rogado, viveu uma primeira parte, em termos defensivos, na santa paz do Senhor, e só teve de se aplicar no último quarto de hora, quando o Benfica se destapou completamente, em desespero, à procura do 1-1, e acabou por sofrer o 2-0.
Este foi a fotografia desfocada de Famalicão, onde a entrada de Ángel Di María agitou as águas e deu um novo alento aos encarnados. Sem surpresa, aliás. El Fideo continua a ser um extraordinário jogador, virtuoso no um-contra-um, dono e senhor de poderosa e colocada meia-distância e mestre na arte do cruzamento. O problema que Di María coloca à equipa tem a ver com a fase defensiva, onde já não consegue integrar-se num sistema que faça da pressão alta um modo de vida.
Equipa pior que em 2023/2024
Relativamente à época passada, a equipa que o Benfica apresentou em Famalicão era superior? Apesar do excelente Pavlidis, a resposta só pode ser não. Na ausência de criativos, não ter Neres, que está já embrulhado com um laçarote na secção de expedição, foi um tiro no porta-aviões; prescindir de Arthur Cabral no banco, num jogo em que a partir do golo de Sorriso o Benfica ficou a precisar, como de pão para a boca, de maior presença na área famalicense, foi um absurdo; e sem ir mais fundo quando à manutenção de António Silva no banco, um meio-campo sem João Neves é, indiscutivelmente, um meio-campo mais fraco, com menos dinâmica, precisão e capacidade de luta.
Não é preciso perceber muito de futebol para ver que ou joga Florentino, ou joga Leandro Barreiro. Ter os dois em simultâneo é tão mau como não ter qualquer deles em campo…
Faltam 33 jogos para acabar a Liga, e há uma Taça de Portugal, uma Taça da Liga e uma Liga dos Campeões por estrear, logo o Benfica tem todo o tempo e espaço do mundo para entrar nos eixos. Porém, uma coisa é certa: se a equipa teimar em afunilar o jogo, procurando entrar em tabelas pela zona central da defesa contrárias, se deixar que as saídas de bola dos adversários sejam zonas de lazer, e ao mesmo tempo se tremer como varas verdes cada vez que é pressionada (e tudo isto é o que tem acontecido), o prognóstico passará rapidamente de reservado a crítico.
Saídas e entradas
Percebido que Neres e Cabral não contam para Schmidt, e que Kokçu pode estar na mesma senda (quantos milhões foram investidos nestes três jogadores, todos eles de qualidade?), o que vai fazer Rui Costa até ao fim do mercado? Ficará dependente do regresso de Otamendi (sem férias, após uma época de 70 jogos!) para restabelecer a liderança dentro do campo?
Irá colocar uma vela à Senhora de Fátima para que Renato não se lesione e seja o verdadeiro Renato Sanches? Vai contratar mais um ala e um outro ponta-de-lança? Terá uma conversa séria com Roger Schmidt onde lhe faça ver que qualquer semelhança entre o Benfica de 2022/2023 e o da época passada e aquele que esteve no domingo em Famalicão é pura coincidência?
E a propósito do técnico alemão, que continua a merecer a confiança do presidente, é bom que fique claro que Schmidt é o elo mais fraco de Rui Costa, o flanco por onde o descontentamento dos adeptos mais facilmente atingirá o antigo maestro. Evidentemente que Rui Costa, quando decidiu manter Schmidt, estava consciente desta realidade, e sabia como tinha sido difícil, na Luz, a vida de todos os treinadores que iniciaram a época fora das boas graças do Terceiro Anel.
Daí que pareça obrigatório, em primeiro lugar, um tête-à-tête com o técnico germânico, que confessou, em Famalicão, não ter explicação para o que tinha sucedido; e, simultaneamente, garantir não só um reforço de plantel que dê largura à equipa e maior presença na área, mas também que o Benfica regresse aos princípios de jogo de 2022/23. E, recordo, foi em nome desse futebol, de matriz ofensiva, alegre e agressivo no momento da recuperação da bola, que Rui Costa confessou que foi contratar Roger Schmidt.