«Custa dizer que não vou ver o meu pai, mas como posso ir se é tão perigoso?»
Viktoriya Borshchenko, jogadora de andebol do Benfica (Miguel Nunes/ASF)

«Custa dizer que não vou ver o meu pai, mas como posso ir se é tão perigoso?»

ANDEBOL23.12.202309:15

Viktoriya Borshchenko, jogadora da equipa de andebol do Benfica, tem a família na Ucrânia, seu país natal. Voltou lá pela terceira vez desde o início da guerra, mas não vai conseguir ver a família, que está na cidade de Kherson, onde a tensão continua a ser muito grande

Viktoriya Borshchenko falou com A BOLA na véspera de viajar para a Ucrânia, país que visita pela terceira vez desde o início da guerra provocada pela invasão da Rússia. 

Natural de Kherson, a jogadora do Benfica confidencia que não vê a mãe há dois anos e meio e que não tem coragem de a ir visitar perto da cidade que foi a primeira a ser tomada pelas tropas russas e para a qual a progenitora seguiu para tentar proteger a avó, que tem 86 anos

Como está a sua família na Ucrânia?

[suspira] Não é fácil falar disso. Eu sou de Kherson, que foi a primeira cidade a ser tomada pela Rússia, logo no terceiro dia da guerra. A minha mãe foi lá porque a minha avó já é velhinha. Há meio ano, Kherson voltou a pertencer à Ucrânia, mas a minha mãe ficou do lado russo. Neste momento estou há mais de uma semana sem falar com ela. Nem uma mensagem. Nunca falamos ao telefone porque isso é impossível. Por vezes, talvez às 4 da manhã, ela consegue receber uma foto que eu lhe envie, mas nunca consegue enviar imagens. 

Há quanto tempo não vê a sua mãe?

Não a vejo há dois anos e meio e não sei quando a poderei voltar a ver. Ela poderia sair da cidade, mas a minha avó já tem 86 anos e nem consigo imaginar o que seria para as pessoas mais velhas, que viveram ali a vida toda, agarrar num saco e deixar a casa e tudo o resto para trás. É uma situação muito difícil. 

Viktoriya Borshchenko, jogadora de andebol do Benfica (Miguel Nunes/ASF)

Já voltou à Ucrânia desde o início da guerra. Como encontrou no seu país?

Só estive duas vezes em Lviv, uma cidade perto da Polónia, e lá a vida é mais ou menos normal. Estão sempre a tocar as sirenes, as pessoas têm de se abrigar nos bunkers, mas nunca caem lá bombas. Já aconteceu caírem perto, numa delas eu estava lá, mas estava a dormir e não acordei [gargalhada]. De manhã tinha muitas mensagens a perguntar se estava bem e eu perguntava: «mas o que se passou?». Em Lviv é mais seguro, mas no resto do país… O meu pai está agora em Kherson, a minha irmã disse-me que se calhar eu podia ir visitá-lo lá. Desculpa… É difícil dizer isto, mas é tão perigoso ir lá. Nem imagino como é que as pessoas conseguem viver ali. É muito difícil ir lá. Mas visitar a minha mãe é absolutamente impossível. 

Quando imaginamos um regresso ao nosso país, pensamos no regresso ao nosso porto de abrigo. Para si não é assim…

Quando a guerra começou, muita gente me disse para não ir. Perguntavam por que queria eu ir lá. Mas era importante para mim ir e sentir aquilo que o povo ucraniano estava a passar. Aqui estou segura, posso ir à praia, sair para tomar um café e acredito que seja difícil de entender, mas eu queria mesmo sentir como era a realidade no meu país. Como é lidar com as sirenes, ver como as crianças descem a correr para se abrigarem… é muito difícil lidar com essas coisas. Esta será a terceira vez que vou lá, é mais fácil. A primeira vez foi muito difícil, a segunda foi quando adormeci quando caiu a bomba [mais risos]. Mas agora começa a ser menos perigoso.