«Não sou o rei da Nazaré. O rei é a Nossa Senhora da Nazaré e Deus»
Lucas Chianca e Maya Gabeira em dupla vitória canarinha no mundial de Ondas Gigantes. Chumbo vence pela 4.ª vez, em quatro provas. Português António Laureano, lesionado, puxou brasileira para o segundo título
Uma, duas, três e quatro chamadas. Debaixo da ameaça de um possível adiamento por 24 horas, ao quarto aviso horário foi dada a luz verde final (12.15h) para a realização da primeira etapa do Campeonato de Ondas Gigantes da Liga Mundial de Surf (World Surf League), TUDOR Nazaré Big Wave Challenge 2023/2024, competição que decorreu durante cerca de cinco épicas horas na Praia do Norte.
Dois anos após a última passagem do evento pelo mundialmente famoso Canhão da Nazaré - devido à ausência de ondulação não se realizou na temporada 2022/2023-, o brasileiro Lucas Chianca, campeão totalista na Nazaré, alcançou o quarto triunfo, em quatro edições de tow-in (tem outro, na remada), individual e por equipas.
O primeiro alcançado ao lado do compatriota Pedro Scooby, depois de o ter feito em dupla por duas vezes na companhia de Kai Lenny e outra ao lado do português Nicolau Von Rupp.
Nas mulheres, apenas duas surfistas em prova, a brasileira Maya Gabeira, repetiu o título de melhor performance feminina e igualou Justine Dupont, big rider francesa, vencedora das duas primeiras edições, mãe na véspera do evento.
Triunfo com a ajuda de António Laureano que voltou a sofrer na pele a sorte madrasta da Nazaré. Depois de na última edição, parceiro de Justine (partiu o pé em prova e desistiu), ter adiado a estreia para este ano, Tony Laureano lesionou-se e volta a adiar a primeira participação no Circuito Mundial de Ondas Grandes.
«Sinto-me abençoado»
De sobreaviso, desde madrugada, no porto de abrigo da Nazaré, os 18 surfistas, quatro deles portugueses: Von Rupp, João Macedo, António Silva e António Laureano, divididos em nove equipas, uma delas 100% lusa, Silva e Macedo, este último sofreu uma queda e visitou o hospital local, graças à Tempestade Isha entraram na etapa portuguesa do mundial de ondas gigantes, evento tow-in surfing de um só dia, surf com recurso a motas de água.
O temporal que gerou o caos na Grã-Bretanha, provocou uma ondulação entre os 12 a 15 metros e arrastou 45 mil espetadores vindos dos quatro cantos do planeta e uma ruidosa claque brasileira ao anfiteatro das encostas da Praia do Norte e do Forte de São Miguel Arcanjo.
«Não sou o Rei da Nazaré. O Rei da Nazaré é a Nossa Senhora da Nazaré e Deus. Sinto-me confortável neste lugar, é uma segunda casa, um berço para mim. Saio de Saquarema [Brasil], de um berço da N.ª Sr.ª da Nazaré para outro da N.ª Sr.ª da Nazaré. Até me arrepio quando falo disso. Sinto-me abençoado e protegido. A Nazaré é a minha carreira e virou parte da minha vida», salientou Lucas Chianca.
Depois de ter ganho com o havaiano Lenny e o português Von Rupp, somou uma vitória 100% brasileira. «Sempre quis levar esse título para o Brasil”, referiu assumindo ainda o desejo de algo maior. «O recorde do Guinness é um sonho. A maior onda do mundo, na Nazaré, com o Farol atrás. Falo nela e arrepio-me. Sei que a hora dela virá. Será a hora em que estou pronto para ela», finalizou Chumbo.
Arrepiado (de frio) esteve Pedro Scooby nas vésperas da prova. «Inacreditável, há dois dias estava super doente na cama, em casa [Rio de Janeiro], mas reza de mãe [é portuguesa] não falha. Cheguei meio-doente, fiz um treino, testei as pranchas novas e foi um prazer fazer dupla com o Chumbo, tínhamos esse desejo», adiantou Scooby.
«Foi especial fazer o campeonato e vencermos juntos. Agradeço a Deus, ao Chumbo e à minha mãe», afirmou sorrindo ao celebrar «a vitória mais importante» da carreira.
«Ganhámos no final, estava estourado, tinha caído, o Chumbo agarrou-me e disse: ‘Escuta, precisas de 5,70 pontos’. Fiz!”, disse o surfista com sangue lusitano, mãe e avô. «Um português bem bruto de Vieira do Minho, que morreu há dois anos, aos 98, e viu-me lá do Céu».
«O Brasil ama a Nazaré e vê-se pelo povo», frisou por seu lado Maya Gabeira, bicampeã da Nazaré e recordista do Guinness da maior onda surfada por uma mulher (22,40 metros), em 2020, na Nazaré. «Moro aqui e aqui já me aconteceu de tudo. Lesionei-me, recorde da maior onda e as duas vitórias», recordou, parca em palavras.