Tozé Marreco: «Ambicionava chegar aqui, mas não estou acomodado e quero mais»
Treinador do Gil Vicente está orgulhoso do seu percurso, mas continuar a sonhar. (Foto: A BOLA)

ENTREVISTA A BOLA Tozé Marreco: «Ambicionava chegar aqui, mas não estou acomodado e quero mais»

NACIONAL08.06.202408:30

Aos 36 anos, o técnico viu o Gil Vicente abrir-lhe as portas da elite depois de trabalhos altamente meritórios no Oliveira do Hospital e no Tondela. Os sonhos e as ambições de um lutador nato, que também foi um ponta de lança goleador, não ficam por aqui. Está, garante, na sua «cadeira de sonho» e o futuro afigura-se risonho. Nesta entrevista a A BOLA, Tozé Marreco fala de tudo. Da carreira de jogador, da nova realidade enquanto treinador, do jogo, dos jogadores… E até do célebre ‘Marrekovic’.

Terminada a carreira de jogador, no final da época 2018/2019, Tozé Marreco não deixou o futebol. Nem era possível o futebol sair de Tozé Marreco. Tamanha é a paixão que o atual treinador do Gil Vicente tem pelo jogo. Foi trilhando o seu percurso nos bancos, começando pela base e chegando, há pouco tempo, ao topo da pirâmide. Entenda-se, ao principal escalão do futebol português. O sonho (ou este sonho...) está consumado, outros mais virão daqui para a frente. Nesta entrevista exclusiva a A BOLA, o antigo ponta de lança fala de tudo. Sem filtros. E como é bom os intervenientes abordarem os vários assuntos do futebol. Dentro e fora dos relvados. Os leitores agradecem. Fosse sempre assim...

Foi apresentado há sensivelmente dois meses como treinador do Gil Vicente. Qual é o sentimento estar, pela primeira vez na sua carreira, ao leme de uma equipa da Liga?

- A envolvência é totalmente diferente. O impacto que temos, em tudo o que fazemos, nas ações… Mas, de resto, a forma de trabalhar e a exigência já vinham desde os tempos do Oliveira [do Hospital]. Agora, com mais ferramentas, com mais informação, com mais estrutura humana, conseguimos ir ainda mais ao pormenor naquilo que é o jogo e a sua preparação. Chegar aqui foi uma parte do que eu ambicionava conquistar, mas ainda há muito por fazer. Não estou acomodado, quero mais e vou à procura de mais. Acima de tudo, a consistência que foi este último mês e dar seguimento ao trabalho.

É mais fácil para um antigo jogador lidar com o mediatismo de chegar a treinador?

- Eu não fui um jogador de alto nível. A minha carreira não se pode comparar com a de outros antigos jogadores. Como eu costumo dizer, foi uma carreira mediana. E também por isso soube, desde o primeiro dia, que a minha carreira de treinador iria ser incomparavelmente melhor do que foi a de jogador. Não necessariamente um bom ex-jogador dá um bom treinador. O que acho que uma carreira de jogador dá a um atual treinador é a capacidade de antecipar problemas. É das poucas frases que eu tenho dito ao longo destes anos é que eu vivi tudo o que eles passaram. Tenha sido de bom ou de mau. E isso dá-me alguma capacidade para perceber o que vai do outro lado, na cabeça dos jogadores.

Quando a temporada começar oficialmente, já terá 37 anos. Sente que o 'know-how' que adquiriu lhe permite ter o sucesso que deseja?

- As épocas estão a dizer que sim. Ao longo de todos os anos tenho passado por muitas dificuldades naquilo que tem sido o planeamento das épocas. Sempre com muita confiança de quem lidera e das estruturas dos clubes, mas não tenho tido nada de mão beijada nem oferecido. O meu know-how tem sido passar por dificuldades em todos os contextos. E talvez não haja assim tantos exemplos de treinadores que venham a passar pelos campeonatos todos e a concretizar objetivos constantemente. Esse tem sido o meu know-how. Gerir nove mil euros para salários no primeiro ano no Oliveira do Hospital dá-nos que fazer. Assim como os 11 mil euros no segundo ano. Passar por um primeiro ano inacreditável em Tondela, onde não podíamos inscrever jogadores e em que quase todos os jogadores queriam sair. Um segundo ano em Tondela com muitas dificuldades, com um orçamento bem mais reduzido do que outros clubes e a construirmos um plantel com 20 jogadores novos… Isto deu-me muita coisa, mas também sei que não é garantia de sucesso. Tenho muito para aprender e muitos erros para cometer. Mas quando errar, quero chegar ao fim e perceber porque é que errei e poder virar a página.

Falou de vários clubes que treinou, mas tudo começou nos escalões de formação da Académica. Esse período também foi importante para o seu enriquecimento de conhecimento?

Acho que todos os treinadores deviam passar pela formação. Isso dá-nos uma visão diferente e é um excelente tubo de ensaio para o que queremos fazer. É a base de tudo. Ver os jogadores a evoluir, semana após semana, mês após mês, é gratificante. E na formação sentimos muito isso. Eu treinava com os sub-15, com os su-17 e com os sub-19, era responsável também pelo treino individual, e isso permitiu-me ter uma bagagem que me deu muita coisa. E depois também a liderança. Liderar meninos, primeiro, e homens, depois, prepará-los para o que vem para a frente, é bastante gratificante.

O seu trajeto enquanto jogador contemplou mundos diferentes, passando por vários clubes. Como é que foi gerir emocionalmente, ainda tão jovem, todas estas realidades?

Utilizou a expressão certa: o mundo. A minha carreira deu-me o mundo. Deu-me outras realidades e isso foi muito importante. Passei por vários clubes, demasiados, até, mas isso permitiu-me conhecer várias realidades desportivas, mas também culturais. Diferentes cidades, diferentes países, e isso dá, de facto, uma bagagem e uma forma de pensar muito interessantes. Olhe, por exemplo, deu-me também a possibilidade de falar fluentemente francês e inglês, algo absolutamente decisivo no contexto atual de um plantel. E foi a minha experiência de jogador que me permitiu isso.