ENTREVISTA A BOLA «Ser comparado a Rui Costa? 'Uau'. Cai-nos a baba»

Na antecâmara da apresentação do livro 'Não é só futebol(,) estúpido', sobre a experiência no futebol de formação, Hugo Leal fez uma viagem pela carreira, sem esquecer os tempos em que representou o Benfica

Hugo Leal, antigo internacional português, prepara-se para lançar na próxima terça-feira um livro intitulado Não é só futebol(,) estúpido, em coautoria com Filipe Mendonça, e em conversa com A BOLA levantou o véu sobre a obra — que conta com a experiência de uma década como diretor das camadas jovens do Estoril — e não só.

Das comparações com Rui Costa quando apareceu no Benfica ao legado de Paulo Futre quando representou o Atlético Madrid, passando pela admiração por Pinto da Costa quando esteve ao serviço do FC Porto e pela referência Jorge Jesus, que o treinou no Belenenses, vários foram os temas abordados pelo antigo médio, hoje com 44 anos.

– Foi jogador, treinador, dirigente, agora autor. Porquê o livro?

– O livro nasceu de um desafio, através do Felipe Mendonça, que é quem escreve, de contar se a forma como eu vivia o futebol tinha influenciado as decisões que estavam a ser tomadas na formação do Estoril Praia. Acabo por contar uma quantidade de histórias. O desafio era falar sobre o que é o futebol na formação em Portugal, e o que tínhamos vivido neste meio nos últimos 10 anos enquanto dirigentes do Estoril Praia.

Livro 'Não é só futebol(,) estúpido' será apresentado no dia 24 (Foto: Miguel Nunes)

– E porquê o título Não é só futebol(,) estúpido?

– Queríamos um título que fosse provocador, que fizesse pensar. E porque entendemos que há muita coisa que pode ser interpretada como estúpida no futebol na formação. Quando nós colocamos os nossos egos à frente do crescimento de uma criança, quando o resultado é mais importante do que os valores transmitidos, quando um dirigente quer ganhar a todo custo e só olha à formação do 0,5% que eventualmente chegará a profissional, isso parece-nos o futebol estúpido. Andámos um pouco contra a corrente, mas fizemos alterações que foram dando resultado.

– Olhando para trás, é orgulho aquilo que sente?

– Muito, muito. Enquanto jogador, tive dúvidas, em alguns momentos, se valeria a pena. Enquanto dirigente, essas dúvidas eram respondidas muito rapidamente porque valia sempre a pena. Uma criança que esboçava um sorriso, um treinador que melhorava a forma de estar perante a criança e o atleta. Só tenho coisas boas a dizer.

– [Vale e Azevedo chamou-lhe mimado] Foi quando percebi que o futebol não era um mar de rosas. Tive de aprender com as regras do jogo e cresci a apanhar pancada também. Infelizmente, não consegui sair da Benfica de uma forma mais simpática

– Disse que teve dúvidas enquanto jogador. Em algum momento preciso da carreira?

– Pensei várias vezes em deixar de jogar. Numa altura em que estava no FC Porto, a insatisfação pessoal no que encontrava no desporto e na minha atividade profissional fazia-me duvidar e ponderei. Conto um episódio de porquê nunca ter feito público este momento. E deve-se a outro companheiro de profissão que me disse 'Se disseres que não vais jogar mais e quiseres voltar, as pessoas não vão entender'.

– Quem lhe deu esse conselho?

– O Marinho, foi quem substituí no dia da minha estreia. Eu estava no FC Porto e estive com Jorge Costa, com quem ia de boleia para os treinos. Expressei esta vontade de deixar de jogar e ele comenta que os filhos tinham imenso orgulho nele por ser jogador. Chego a casa e a minha mulher diz-me: ‘Se calhar as exigências no FC Porto são maiores, não queres experimentar um clube mais pequeno, a ver se animas novamente?’ Cheguei a perguntar à família se tínhamos condições financeiras para poder largar o futebol. Nesse momento, duvidei. Tive episódios onde os esforços pareciam não valer a pena, tive muitas lesões também. As pessoas viam-me como uma promessa que não alcançou aquilo que podia ter alcançado na carreira. Fui uma pessoa sempre muito feliz.

– Como reagiu quando ouviu, por exemplo, Vale e Azevedo chamar-lhe, entre outras coisas, mimado?

– Foi o primeiro momento difícil e onde percebi que o futebol não era um mar de rosas. Até então tinha sido tudo perfeito. E esse é o primeiro momento onde enfrento a imprensa menos positiva, jogo de bastidores e, completamente inexperiente nesta área, tive de aprender com as regras do jogo e cresci a apanhar pancada também. Acabou por ser aquilo que tinha de ser. Infelizmente, não consegui sair da Benfica de uma forma mais simpática ou mais aprazível.

Hugo Leal e Rui Costa no treino da Seleção (Foto: A BOLA)

– Disse que era visto como uma promessa. Quando apareceu apontavam-no como o próximo Rui Costa. O que sentiu com essa comparação?

– É normal que, sempre que vai surgindo um jogador, as pessoas, os treinadores, a Imprensa, procurem associar aquele sistema de jogo a alguém que possa ter sido bom. Eu ter sido comparado ao Rui Costa, naquela altura, para mim era ‘uau’. Eu era fã do Rui Costa à séria, achava que era o melhor jogador da sua posição em Portugal e quando nós ouvimos isto na Imprensa cai-nos a baba. Mas a família sempre me centrou, é importante. Disse-me 'Hoje julgam-te parecido com o Rui Costa, mas a vida dá muitas voltas'. Vai-nos mantendo com os pés no chão. Mas claro, um orgulho grande em ser comparado com uma figura como o Rui Costa, mas a desejar criar uma imagem própria, que as pessoas a admirassem como o Hugo Leal.

Quando o Vitinha foi para o Paris Saint-Germain, perguntaram-me o que é que eu opinava do Vitinha. Eu não sabia quem era o Vitinha, nunca tinha visto o Vitinha

– Rui Costa também passou a dirigente. Como se está a sair como presidente do Benfica?

– Infelizmente, há quase oito, dez anos, não acompanho futebol profissional, estou completamente ausente. Numa das últimas vezes, foi quando o Vitinha ia para o Paris Saint-Germain, perguntaram-me o que é que eu opinava do Vitinha. Eu não sabia quem era o Vitinha, nunca tinha visto o Vitinha. É uma vergonha dizer isto, mas até mesmo a Seleção, estou muito ausente do futebol profissional. E quando me perguntam sobre o Rui Costa, estou um bocadinho disperso. É uma pessoa de quem gosto muito, presumo que possa estar a fazer bem, reconheço-lhe capacidade para isso, aquele lado da admiração, no entanto, não acompanho e, portanto, quando me perguntam se ele se está a safar, fico ali um bocadinho perdido, porque nem sei os resultados desportivos que está a ter o Benfica.

– Subimos mais de 300 quilómetros. O que recorda do FC Porto?

– Sempre identifiquei no FC Porto uma capacidade organizacional enorme. Na altura, quando estava no Benfica falava-se que a informação saía dos balneários, que tudo se sabia. Quando cheguei ao FC Porto não era assim, era mais reservado, bem organizado. E, sempre o disse, tinha certa admiração pela figura do seu presidente [Pinto da Costa], que sempre me tratou muito bem. Eu vinha formado do Benfica, não era coisa fácil, mas entre adeptos, staff e direção todos me trataram muito bem e isso é uma das coisas que retenho para a vida, deram-me todas as condições e mais que precisava para ter conseguido ter sucesso no FC Porto.

Hugo Leal jogou no FC Porto em 2004/05 (Foto: A BOLA)

– Alguma conversa com Pinto da Costa em que sentiu essa confiança?

– Depois de um jogo da Intercontinental, não joguei e aquele momento marcou-me. Não estava a ser útil como esperava ser, não me sentia realizado como idealizava e tive uma conversa com o presidente e disse-lhe que gostava de sair do FC Porto. Lembro-me de ele ter dito que não fazia sentido eu sair, que eu era uma aposta dele, que confiava muito que eu teria capacidade para jogar. As decisões do treinador mostravam que continuava a não ser a tal opção e foi inevitável a minha saída. Mas recordo esta frontalidade dele e o apoio que senti.

– Foi jogador do Atlético Madrid. Sentiu a pressão do legado de Futre?

– O Futre é adorado em Madrid. Dificilmente alguém chega a Madrid e não é comparado com o Paulo Futre,  é um barómetro. Os meus 19 anos, apesar de alguma maturidade, ainda me trazem a inocência da coisa. Queria desfrutar. Podiam comparar-me com quem quisessem, exigir o que quisessem. Gostava muito de jogar. Mesmo nessa fase menos boa do Atlético Madrid, nunca tive vergonha de pedir a bola. Por isso não senti essa pressão toda, ainda que ela existisse.

Hugo Leal ao serviço do Atlético Madrid (Foto: A BOLA)

– Foi também treinador de equipas masculinas e femininas. Muito diferente? 

– Muito diferente. No primeiro jogo que fiz como treinador da equipa feminina no Estoril Praia, no Castrense, entro no balneário sem autorização. Foi a primeira e última vez, naturalmente. O futebol feminino tem crescido muito.

– Foi treinado por Jorge Jesus. É uma referência?

– Jorge Jesus, que também escreve no livro, foi o treinador com quem mais aprendi. Refiro também muitas das coisas que não faria, não é só coisas positivas, no entanto, foi o treinador que mais me marcou. É dos treinadores que tenho como referência.

Jorge Jesus treinou Hugo Leal no Belenenses em 2007/08 (Foto: António Azevedo)

– Jogador, treinador, dirigente, autor. Em que papel é que se saiu melhor? 

– Ótima pergunta. Aos olhos das pessoas, diria que como futebolista não. Porque há muita gente que diz que passei ao lado de uma grande carreira. No entanto, fui muito feliz como jogador, como treinador, como dirigente. Talvez no papel de dirigente tenha feito maior diferença.

Hugo Leal foi diretor da formação do Estoril na última década (Foto: Miguel Nunes)