Vice-presidente do FC Porto, advogado e gestor traz a A BOLA a memória de um «homem do norte, por nascimento, do Porto, por adoção, um amante e defensor da liberdade»
Na passagem do 40º aniversário sobre a morte do meu pai evoco saudosamente a sua memória. Ao epigrafar este artigo tomei de empréstimo o título do documentário com que o Futebol Clube do Porto decidiu homenagear a figura do homem e do desportista que deixou uma marca indelével e imperecível na história do clube e do futebol nacional.
Para mim e para toda a minha família é uma honra e um privilégio sabermos que ainda hoje é recordado com carinho e apreço por pessoas de todos os quadrantes. Pelos portistas, mas também por tantos outros que se habituarem a ver nele um exemplo paradigmático de estar na vida e viver o desporto, corporizando os mais altos valores que este encerra. Recordo-o na intimidade do lar em que partilhamos os afetos, as alegrias e tristezas em que a vida é fértil, num clima de concórdia e harmonia, consagrando pelo amor uma união familiar em que todos fomos um e que foi e será sempre obra nossa.
O percurso profissional e desportivo, desde a sua iniciação até à sua consagração como jogador e treinador de eleição, falam por si. Da sua existência como homem público ressumam os traços de uma vida social intensa, a sua convivialidade fácil, o humor subtil e o chiste certeiro que eram tão seus, e esse espírito de “vida conversável”, citando o nosso Agostinho da Silva, que lhe valeu a estima de uma legião de amigos que foi fazendo pela vida fora, com quem fraternalmente se congraçou nessa comunhão de espírito e grandeza de alma em que a amizade encontra o seu mais puro e sólido fermento.
De entre as facetas, mas impressivas do seu modo de ser evoco o homem plural e mutifacetado, ativo e participativo, de espírito aberto e curioso, de horizontes largos e convicções firmes, competente e decidido, de inteligência fina e sagacidade penetrante, irreverente na atitude e polémico no dizer, porém, sempre dialogante e respeitador sem laivo de vaidade ou aleivosia. Um homem que preferiu sempre a confrontação leal aos falsos consensos, a divergência sadia ao unanimismo conformista, o verbo corajoso e arrebatado ao silêncio reverenciador e comprometido. Um homem sem medo e que, em tempos difíceis, onde tantos se ajoujaram por pusilanimidade ou temor, pugnou corajosamente por aquilo em que acreditava.
Um homem que se bateu como poucos pelos legítimos interesses da sua classe, agregando vontades, reunindo apoios e lançando as bases da sua moderna organização sindical. Um homem justo, equilibrado e sensato, de uma generosidade discreta e natural, senhor de si sem alarde, humilde e compassivo, nunca indiferente ao clamor dos que sofrem. Um líder exímio e um homem de causas, das causas que importam e arrebatam. Um português de gema, um homem assim de pátrias, da sua, mas também do mundo, um homem do norte, por nascimento, do Porto, por adoção, um amante e defensor da liberdade.
Um homem do Futebol Clube do Porto por paixão, que se insinua nos alvores da infância, viceja mais tarde na juventude, afirmando-se em plenitude na idade adulta. Futebol Clube do Porto que foi para si uma segunda pele, por que se bateu como poucos, a que ofereceu o melhor de si e dedicou os melhores anos da sua vida, a que se entregou em cada dia como se fosse o último. Para mim e para a minha família, recordámo-lo, sentidamente, na brandura do gesto, na cordura da palavra, na afabilidade do trato, no sentido da honra e da dignidade, na verticalidade e no respeito pela palavra dada, no amor pela verdade, pelo exemplo que educa e guia, viáticos de uma vida plena. Em suma, pela inteireza do seu caráter, por ter sido afinal, citando Pessoa, todo em cada coisa.
Muito mais do que um homem de futebol, foi um visionário que ousou desafiar o ‘status quo’ e um exemplo de determinação, inovação e paixão. FC Porto foi o grande amor da sua carreira