Tiago Silva «O Benfica não impôs nada, eu é que pedi para sair»
Tiago Silva, jogador do Vitória de Guimarães, é o convidado de A BOLA Fora desta semana. O médio formado no Benfica, passou por Belenenses, Feirense, Nottingham Forest e Olympiakos antes de chegar ao Berço
- Onde é que tu gastaste o teu primeiro ordenado?
- Não posso dizer. Estou a brincar. Comprei uma moto. Porque nós não podemos conduzir motos, e na altura eu já estava...
- Ah, isso estava se calhar no regulamento interno, não é?
- Eu estava no Belenenses, e o meu primeiro salário, que eu ganhava pouco, comprei uma moto de 900 euros. A minha mãe era completamente contra. “Tiago nem pensar, não vais comprar uma moto”. E eu adorava motos. Disse, não, vou comprar uma moto. E depois comprei a moto, e ela todos os dias me ligava: “Filho, vem buscar a mãe ao trabalho. Lá ia eu de moto. E inclusive ia treinar de moto, deixava a moto escondida nas piscinas depois ia a pé. E às vezes saía e cruzava-me com eles. Eu na moto e eles de carro, eu com o capacete, para eles não me verem. Mas foi numa moto.
- Ainda no tempo do Benfica, olhavas para o plantel principal, tinhas alguma referência, algum ídolo?
- Tinha, tinha. Eu sempre vi o Rui Costa como o ídolo português. E depois, eu já gostava muito do Aimar, quando estava no Valência. Quando ele chegou ao Benfica, ainda fiquei mais fã. Não só por aquilo que ele dava em campo, mas porque as pessoas me diziam que fora dele ele era uma pessoa muito humilde. Eu já gostava das características dele dentro de campo. Fiquei a gostar ainda mais quando soube que ele fazia fora.
- Quando sais do Benfica, é pela falta de oportunidades? Eu pergunto também se a escolha pelo Belenenses é pela facilidade de continuar a viver em Lisboa, ou seja, pelo conforto familiar?
- Foi um bocadinho. Também saí do Benfica ainda era jovem, saí com 17 anos. Na altura, o treinador até era o míster Bruno Lage. E ele deixou-me super à vontade. Não foi uma imposição do Benfica que eu saísse. Foi um pedido meu. Eu jogava pouco e sentia que, para além de não conseguir tirar o melhor de mim na escola, porque era muito tempo que eu despendia para ir treinar, eu não conseguia dedicar-me às duas coisas a 100%. Então, eu disse, eu não estou a jogar com regularidade e eu preciso jogar. Precisava ter a oportunidade de sair. Na altura, o Benfica tinha boas relações com o Belenenses e sugeriram até a possibilidade de empréstimo. Mas, quando fui à experiência, o treinador era o míster Romeu, que está na seleção sub-21 agora. Ele gostou muito, mas disse “para ficares connosco, não pode ser empréstimo”. E eu optei por ficar no Belenenses um bocadinho por isso também, porque estava em Lisboa e perto da família. Também não houve mais nada, nem um interesse para além do Belenenses.
- Segue-se o Feirense, esses anos deram-te calo para progredir na carreira?
- Sem dúvida. Foi a primeira experiência que tive longe da minha família. Aliás, eu estava completamente sozinho, a Mónica estava a acabar a faculdade, os meus pais trabalhavam em Lisboa, a minha mãe também, por isso fui completamente sozinho. A Mónica fazia o esforço de ir aos fins de semana de comboio para cima para passarmos o fim de semana juntos, mas eu jogava, portanto, não passávamos grande tempo juntos e servia para aprender a cozinhar, a desenrascar-me mesmo, com tudo, a tratar da casa, roupa, não é que eu fosse grande coisa, mas dava o meu melhor.
- Ou seja, foi a tua primeira experiência também a viver sozinho.
- Foi, foi. E foi muito bom para eu crescer.
- Dali seguiste para Nottingham. Perguntava-te se foi logo um sim ou se falaste com alguém, se te informaste antes de dar uma resposta.
- A minha viagem para Nottingham foi assim uma coisa que foi meio inesperada e eu tive de decidir ali de um dia para o outro. Tinha boas condições no Feirense e o clube não podia suportar se descesse de divisão. No meu último ano, acabámos por descer, infelizmente, e o meu contrato ficava cancelado automaticamente. Ou seja, era um jogador livre. Nos primeiros meses fiquei a treinar sozinho, completamente sozinho. Saía de casa e eu estava a viver numa casa alugada porque os meus pais estão separados. E o meu pai ficou com a nossa casa, onde vivíamos, lá em Chelas. E eu aluguei uma casa na Expo para mim, com a minha mãe e com a minha irmã. Saía todos os dias, descia até lá baixo e ia correr. Na altura, já tinha dito ao meu empresário que gostava de jogar em Inglaterra. E ele disse-me, “surgiu a oportunidade porque o João Carvalho estava lá, lesionou-se”. O treinador também era da mesma agência que eu e disse-me, “eu gostava que tu viesses para cá, mas tem de ser agora” porque ele lesionou-se e ele precisava de ajuda para a posição. Eu não conhecia muito, sabia que era um [clube] histórico, mas não sabia grande coisa. Disse à Mónica, vamos, mesmo que não sejam grandes condições a nível salarial, a cidade não seja grande coisa, não quero saber, eu quero ir para a Inglaterra. Preciso de uma oportunidade para entrar nesse mercado.
- Já tinhas noção da grandeza do Championship, que apesar de ser uma segunda liga, é um campeonato supercompetitivo, estádios cheios, um ambiente muito, muito bom?
- De maneira nenhuma. Na altura eu pensei… hmm, segunda liga inglesa. Eu aqui jogava na primeira liga, era referência no clube onde jogava. Fui à seleção nas camadas jovens e tal. Quando cheguei lá, que é isto. As condições são incríveis. Arrisco-me a dizer que o Championship está ao nível de uma liga portuguesa. Não tem tanta qualidade. Os jogadores não, mas as condições de trabalho são incríveis. Os salários, os prémios, ali é outro mundo.
- Lembras-te assim de alguma situação que te proporcionaram e que tu pensaste o que é isto?
- Só o facto de ter o estádio cheio de todos os jogos com 30 e tal mil pessoas numa segunda liga, eu pensava... Em Portugal, estava habituado a jogar no Feirense e o Feirense era o clube, na altura quando eu estava, a seguir aos 4/5 grandes a equipa que metia mais adeptos no estádio. E eu pensei... “isto é incrível”. Segunda liga, às vezes uma segunda-feira à noite, isto está cheio. Mesmo as condições de treino, muitos campos para treinar, ginásios incríveis, o balneário incrível. Pensei... “Isto é um clube grande”.
- Como é que viveste a parte dos adeptos? Porque a ideia que tenho é que os adeptos ingleses são muito mais soft do que os portugueses, muito mais calmos e relativizam muito mais, relativizam muito mais as coisas. Sentiste também isso no dia-a-dia?
- Muito. Ainda hoje falamos sobre isso, porque tenho alguns jogadores que jogaram no Championship que estão aqui comigo no Vitória. E nós falamos sobre isso. Por exemplo, o Vitória é um clube muito exigente. Estamos a ganhar 2-0, falhamos um passe e já estamos a ouvir ali aquele burburinho. Eles têm uma oportunidade de golo e já há um assobio e tal. Ali em Nottingham não ouvia assobios. Também não percebia muito o que eles diziam. Eu falo inglês, mas às vezes os cânticos e tudo, eu não percebia. Já contei esta história. Estávamos em segundo e estávamos a perder 4-0 com o Sheffield, que era uma equipa que estava quase lá em baixo. E ao intervalo, eu pensei... eish, vamos levar uma assobiadela que nem vai ser bom. O árbitro apitou para o intervalo, ouvimos um “buh”. Demorou um segundo. Eles lá são muito mais equilibrados e conseguem viver o jogo de uma forma especial. Adorei por causa disso também.