Era do Sporting em miúdo e ainda joga com quem foi com ele às captações no Benfica
Tiago Silva, jogador do Vitória de Guimarães, é o convidado de A Bola Fora desta semana. O médio formado no Benfica, passou por Belenenses, Feirense, Nottingham Forest e Olympiakos antes de chegar ao Berço
- Como é que se dá o teu início? Porque tu começas a jogar precisamente, ali na zona dos Olivais? É o teu pai que te leva lá?
- É o meu pai, é uma história curiosa, o meu pai é sportinguista, e eu, quando era pequeno, era do Sporting. O meu pai forçava tudo para eu jogar no Sporting, e um dia, a minha família é quase toda benfiquista, fomos a um café, e o dono do café era o presidente de um clube, perto do nosso bairro, que era o Sport Lisboa e Olivais. Em conversa, o meu pai falou com o senhor, e disse, “olha, meu filho até tem jeito para a bola, se pudesse ir lá dar uns toques”…E o senhor disse, “leve lá o miúdo”, e o meu pai levou-me e ele disse “vai ficar aqui connosco”. Estive lá ainda meio ano, fui para o Oriental, que era o clube mesmo do meu bairro, houve uma discussãozita entre eles, diziam “o Tiago tem de voltar para cá”. Fui para o Olivais, graças a Deus, porque era filial do Benfica. Fizemos um jogo contra o Benfica, correu muito bem, e o Bruno Maruta, na altura, disse para eu ir fazer captações. No mesmo dia que fui fazer captações, foi o Bruno Gaspar, que joga comigo hoje na Vitória, e aí, no meio de 50, 60 miúdos fomos os únicos dois que ficámos no Benfica, até hoje.
- E isso com que idade?
- Oito. Oito anos, por aí, nove.
- E depois, como é que fazias essas viagens? Ou seja, tu moravas do lado de cá, de Lisboa, onde é que treinavam nessa altura?
- Na altura, ainda treinávamos nos Pupilos do Exército. Então, os meus pais também sempre me deram muita independência, muita liberdade, tens de te desenrascar desde cedo. Ia de transportes, sem passe, não tinha dinheiro para comprar o passe, então andava ali meio foragido. E fui-me safando assim. Depois, numa altura, o Benfica também me forneceu algumas possibilidades para me facilitar a ida para o treino, e arranjaram-me um motorista, que era um senhor que vivia no mesmo bairro que eu, e já tinha a ligação ao Benfica, tinha trabalhado lá. Treinava duas vezes nos Pupilos do Exército, e as duas vezes era ele que me levava.
- Quando se dá a mudança para o Seixal, aí passas a fazer a viagem com a maioria dos seus colegas também, metro, barco. Que recordações é que tu guardas desses tempos? Passaste a estudar lá do outro lado, ou continuaste sempre na mesma escola?
- Não, eu mantive-me na mesma escola, aliás, foi lá que eu conheci a Mónica. E as recordações são incríveis, foi top. Íamos em grupo. Quer dizer, encontrávamo-nos no barco. Por exemplo, o Bruno Varela, como vivia ali em Loures, também apanhava o metro e passava por mim, o Ivan Cavaleiro também, parecíamos um grupinho. Tínhamos um rapaz também, que agora joga no Belenenses, que era o Hélio. Íamos quase sempre os quatro juntos, ali na linha vermelha. Íamos até ao Cais do Sodré, depois ali é que nos juntávamos todos, apanhávamos o barco à mesma hora. E aí éramos dez, doze no barco, de cima e para baixo. Top.
- Eu sei que tu sempre foste bom aluno. Era por obrigação dos teus pais, ou tu realmente gostavas de estudar?
- Como é que tu sabes que eu sempre fui bom aluno? Verdade, é verdade. Por acaso, era bom aluno. Eu tinha gosto pela escola. Não estudava e tinha alguma dificuldade em fazer os trabalhos, porque saía da escola por volta das seis e pouco, treinávamos às sete e pouco. Então era uma correria. Às vezes tinha de sair mais cedo até. Tinha uma autorização do diretor da escola para sair 15 minutos mais cedo da aula, para correr até ao metro, depois viagem, o barco, correr até lá acima. Tinha tempo zero para fazer os trabalhos. Por isso sabia que tinha de me dedicar na aula.
- Claro, não tinhas tempo depois.
- Era também um bocadinho imposição do meu pai. O meu pai sempre me disse, “se não tiveres boas notas, não vais jogar futebol”. Mas acredito que aquilo era só um boosting para me dedicar por aquela nota. Sabia que aquela era a minha paixão, não ia privar-me de jogar futebol por não ter boas notas. Mas eu também sempre fui um aluno dedicado.
- Mas sentias também da parte do Benfica que havia esse compromisso, que eles faziam um esforço para que vocês continuassem na escola e serem bons alunos?
- Pessoalmente nunca senti, porque eu não estava lá no centro de estágio. Eu sei que o Benfica é muito cuidadoso nesse sentido, com os jogadores que estão no centro de estágio. Agora, connosco, a única coisa que me lembro, tenho assim na memória disso, foi a autorização para eu sair um bocadinho mais cedo para poder treinar, desde que isso não comprometesse a minha aprendizagem. Agora, serem rigorosos comigo, tens de ter boas notas, isso nunca aconteceu.
- Tu tinhas um plano B ou acreditaste sempre que ias ser jogador profissional?
- Não sei dizer, sou sincero. Era o que eu queria, eu queria muito isto, mas eu gosto muito de psicologia. E eu dizia, se eu não for jogador de futebol, eu gostava de ser psicólogo. Mas isso eu dizia da boca para fora, porque eu sabia que eu tinha de ser jogador de futebol para salvar a minha família, e aquele psicólogo não ia chegar lá.
- Mas sentes que essas dificuldades também te deram um empurrão para tu nunca desistires e fazeres as coisas direitinho?
- Sim, sim. Eu sabia que o bem-estar da minha família dependia muito do meu sucesso. Porque como o meu pai é eletricista, claramente não ganha muito dinheiro, a minha mãe trabalha numa loja de roupa há muito tempo e não tem um salário bom. A minha irmã estudava e trabalhava numa loja de roupa, tinha de conciliar as duas coisas, e como part-time também não ganha grande coisa. Eu sabia que nós vivíamos numa casa da Câmara, eu sabia que se não fosse eu, dificilmente eles iam conseguir melhorar a vida deles. Por isso isso foi, sem dúvida alguma, bom para mim.