Tiago Silva «Às vezes sou mesmo ranhoso, preciso que me chateiem»
Tiago Silva, jogador do Vitória de Guimarães, é o convidado de A Bola Fora desta semana. O médio formado no Benfica, passou por Belenenses, Feirense, Nottingham Forest e Olympiakos antes de chegar ao Berço
- Guimarães, dentro de campo, tu consegues perceber esse mal-estar quando alguma coisa não está bem ou até ao contrário? Ou seja, quando há um empurrão, vocês sentem realmente isso?
- Sentimos. Não tem como não sentir. Ia mentir se dissesse que não oiço nada. Os adeptos do Vitória são incríveis e ao mesmo tempo conseguem ser ‘mauzinhos’. Não é ‘mauzinhos’, mas demasiado exigentes e às vezes causam desconforto para a equipa. Quando cheguei nos dois primeiros anos, sentia mais isso. Agora sinto até que as coisas estão mais equilibradas e eles conseguem perceber o nosso lado. Passam alguma intranquilidade, mas ao mesmo tempo também passam um bem-estar incrível, mesmo quando estão mal. Eu lembro-me que estávamos a perder 3-0 agora com o FC Porto. Não foi um jogo bem conseguido da nossa parte. Foi um dos piores jogos que nós fizemos. E eu no final achei pronto, vamos voltar a ter aquela assobiadela que já tivemos noutros anos. E não, eles a baterem palmas.
- Se calhar, a vossa união também como grupo que passa para fora.
- Sim, a imagem desta equipa e mesmo no ano passado é muita imagem dos nossos adeptos. Eles gostam desta equipa malta raçuda, que dá tudo. Não teriam nada a apontar.
- Inglaterra. Como é que foi a vossa vida lá? A Mónica já estava contigo, não é?
- Foi a parte menos boa de estar em Inglaterra. Para mim, foi incrível em termos futebolísticos, em termos profissionais. Foi incrível. Foi a melhor época que fiz na minha carreira. Estava com a Gestifute e tudo. Eles disseram-me, no final da época vão aparecer coisas boas para ti e vais sair porque fizeste realmente uma grande época. Só que, entretanto, entrou o Covid e o campeonato parou. Também fui operado ao apêndice. Quando retomámos, não começámos muito bem e logo na altura a Mónica não estava bem e falou comigo. Disse-me que não estava muito bem. Não estava a gostar da experiência. E pronto, isto também tem de ser… estou ali pelos dois. Eu não fui à procura da minha felicidade e não quero saber da outra metade. Não, tinha de ser os dois. E ela não estava bem. Se ela não está bem, também não estou bem. Falei logo com o meu empresário e disse-lhe que queria sair. E ele disse, não tem como porque estava muito bem e eles querem renovar o contrato. Disse que não era uma boa hipótese ficar em Inglaterra porque a Mónica não estava bem. Nós saímos de uma realidade em que estávamos no Feirense com muitos amigos, amigos mesmo que fiquei para a vida. Aliás, um deles é padrinho do meu primeiro filho. E passamos para a Inglaterra que foi completamente o oposto. Não levámos os nossos cães, nós estamos muito ligados aos cães e ficávamos fechados em casa porque ali, sabes, às cinco, seis horas já está de noite, está tudo fechado. Sempre aquele tempo escuro, chuva. Não tínhamos grande vida social e foi complicado para ela e depois também para mim,. Porque depois isso, eu não me sinto bem, eu vou treinar e sei que ela está em casa triste, por isso acabamos por sair na altura para o Olympiakos.
- Também facilitou Nottingham e Olympiakos terem o mesmo dono?
- Sim, sim, sem dúvida. Sempre tinha ido ao meu empresário que para sair de Inglaterra era para jogar em Espanha e na altura eu tinha uma proposta para o Huesca, que tinha acabado de subir e estava já tudo muito bem encaminhado. Ele [Marianakis, dono do Nottingham e Olympiakos] disse-me “não, a sair daqui, só se saíres para o Olympiakos”. Depois também ajudava porque tinha o Pedro Martins no Olympiakos e antes de eu ir para Nottingham o Pedro Martins já tinha falado comigo que gostava que eu fosse para o Olympiakos. Achei, ok, perfeito, vou sair daqui e vou para a Grécia para um treinador que gosta de mim e supostamente me quer lá então, ótimo, saio daqui e vou para ali boas condições, grande vida, falei com os jogadores portugueses de quem também era amigo e disseram-me “vais adorar, é incrível, para viver e tudo”.
- O facto de teres ido numa altura de Covid condicionou a tua estadia, nem aproveitaste a cidade, que é incrível, nem aproveitaste os adeptos frenéticos da Grécia.
- Um bocadinho. Aliás, viajei de Londres para Atenas para assinar o contrato, quando cheguei fiz o teste de Covid e dei positivo. Assinei contrato e fiquei em quarentena num hotel, sozinho e na altura ainda não havia aquela coisa dos 12 dias. Fiquei 20 e tal dias até testar negativo. No último jogo, em Nottingham, tinha fraturado o metatarso, tinha deixado as muletas há pouco tempo, senti que perdi muita massa muscular, as refeições não eram grande coisa, senti que foi ali um choque grande para mim. Quando retomei consegui desfrutar do clube, mas não desfrutei da cidade nem do ambiente do estádio. Na parte final ainda começou a abrir o estádio para alguns adeptos, mas não foi aquilo tudo que se sente.
- No final do campeonato vocês são campeões, eu imagino que tenha sido super especial, ainda por cima vocês tinham ali uma comitiva portuguesa.
- Não havia limitações, quando foi para festejar o campeonato era tudo ao molho, era uma confusão, mas eu para ser sincero não desfrutei grande coisa, foi um ano complicado para mim, estive o ano todo longe da família, só vim no Natal, estava só eu e a Mónica, entretanto a Mónica engravidou, foi top nesse sentido, mas não foi grande coisa para mim, porque não joguei aquilo que esperava. Achei que ia ter mais espaço e acabou por não acontecer, por variadíssimas razões.
- Tu falas muitas vezes na tua família, tu sentes que não tens aquele perfil de jogador emigrante? És mais confortável cá?
- Sim, eu preciso do colo da família, de sentir que a família também está bem. Tenho espírito aventureiro, gosto muito de coisas novas, mas eu sei que isso também condiciona muito a minha família e por isso, pela experiência que eu tive em Nottingham, eu penso sempre duas vezes quando a proposta é para fora do país.
- Regressar a Portugal pela porta de Vitória de Guimarães foi a solução ideal?
- Sem dúvida. Tinha dito à Mónica na altura que já não vinha mais para Portugal, que a vir para Portugal só se fosse para um grande. Já desde muito pequenino que tinha uma paixãozinha pela Vitória, porque eu fui eliminado pela Vitória na Taça de Portugal quando estava em Belém, no ano que eles ganharam a Taça. Sempre disse isso aos meus amigos. Eles diziam-me, “isso era o clube ideal para ti” e eu sempre dizia que a voltar a Portugal gostava de jogar na Vitória. Pronto, proporcionou-se porque o adjunto do treinador principal já tinha sido meu treinador no Feirense e ele ligou-me e disse que gostava muito que fosse a sua primeira contratação porque ele tinha acabado de assinar pelo Vitória.
- Ele já te queria ter levado para Paços…
- Já me queria ter levado para Paços na altura. Aliás, ele foi ter comigo a Nottingham quando eu andava de muletas, levaram-me uma camisola, que tenho guardada com o meu nome. Disseram-me “esta vai ser a tua camisola este ano”. Eu disse não pode ser, pelo menos mais um ano porque eu preciso de estar fora porque como sabem em Portugal não se paga grandes salários e eu preciso fazer algum dinheiro para ser um homem de família e depois poder voltar a Portugal. ele disse, “Ok, espero o tempo que for preciso”.
- Agora, meio a brincar meio sério, dizem que o Bruno Varela é que te trouxe para Guimarães. Pagaste-lhe um jantar depois de assinar o contrato…
- O Varela é família para mim. Sinceramente, é dos meus melhores amigos e ele teve um papel importante nisso, não vou mentir. É óbvio que eu teria vindo se ele não estivesse cá, mas o facto de ele estar foi uma ajuda para mim, informando-me sobre tudo o que era relacionado com o clube. Quando cheguei, a Mónica estava em Lisboa com o Valentim (filho mais velho) e aquela fase de conhecimento do clube, cidade, foi facilitada por tê-lo cá. Levava-me a restaurantes, saber onde podia ou não podia ir, foi muito importante para mim. Não lhe paguei um jantar, mas ele sabe que está aqui no meu coração e posso pagar-lhe um jantar quando ele quiser. Ele vai cobrar quando vir isto.
- Disseram-me que és uma pessoa com um feitio difícil e aziado. É verdade?
- Quem disse isso mentiu (risos). Tenho e não tenho. Se estiver dentro de campo sou muito competitivo. Tenho amigos no Feirense, o Hugo Seco, o Edson, o Kiki, o Marco que me conheciam pouco e diziam “pá, tu és um mete nojo” e “não me vou dar bem com ele, este. Eu sou muito competitivo, às vezes sou ranhoso mesmo, as pessoas podem pensar que é por mal, mas por exemplo aqui no Vitória, preciso de sangue, que me chateiem num jogo para eu estar vivo. Como o Ronaldo diz que precisa que o assobiem eu preciso que me chateiem. Não sou aziado, sou competitivo. A Mónica sofre com isso, eu agora já consigo lidar melhor com a derrota, por causa do meu filho Valentim. Mas quando não tinha ela [Mónica] passava mal.
- Vi no Instagram um vídeo que tenho de falar sobre ele, que foi o pedido de casamento.
- Foi deia minha, já estava a preparar há algum tempo, já vinha a sofrer uma pressãozinha. A Mónica dizia sempre que gostava de casar, os pais dela que para ter um filho tinha de casar, fugi um bocadinho, tive um filho primeiro antes de casar. O pedido foi feito aqui, no parque de Vizela. Íamos jogar fora para a Liga Conferência e eu preparei tudo sem ela saber e coincidia com o primeiro aniversário do Valentim. A minha família vinha para cima com o intuito de celebrar os anos dele, mas sabendo que eu queria fazer o pedido. Ela estava a passar meio mal, no meio do Covid e eu só pensava “não faças o teste, por favor, agora não”, só que a minha irmã tinha duas bebés pequeninas e ela disse “não me sinto bem, porque a tua irmã tem as bebés pequeninas”. Eu a dizer “por favor, não faças o teste, não faças o teste”. Estou para entrar no avião e ela liga e diz “estou positiva”. Eu “para que é que fizeste o teste?”. Liguei para a florista para cancelar, “não dá para cancelar, está tudo pronto”, liguei para a família a dizer que a Mónica estava positiva e para não virem, mas entretanto vou fazer o pedido na mesma. Tinha cá o padrinho do Valentim e mais um amigo que veio na altura e eles fizeram uma videochamada e fiz o pedido na mesma.
- O teu festejo tem algum significado?
- Tem. Esse lugar onde estás sentada, mais ou menos, o Valentim quando era bebé tinha o hábito de nós estarmos a falar e ele tapar os ouvidos. Depois destapava e ria-se. Em conversa, disse que da próxima vez que fizesse um golo ia fazer assim (leva os dedos aos ouvidos). Nessa semana marquei um golo ao Marítimo e fiz. A partir daí ele achou piada, tanto que se eu marcar um golo ele está aqui, faz assim e manda um beijinho.
- Sobre o futebol de formação, concordas que mesmo que não resulte numa experiência profissional, é sempre uma mais-valia?
- Acho muito importante. Pelo que falámos há pouco, a falta de possibilidade de muitas crianças viajarem, passarem o fim de semana fora de casa. A minha primeira viagem de avião foi proporcionada pelo Benfica, porque eu não tinha posses para viajar. Estar longe, num hotel, com os meus amigos a criar memórias é muito importante.
- Se tivesses oportunidade de repetir um jogo, qual é que escolhias?
- Um jogo que me marcou pela negativa foi quando fomos eliminados na época passada na Liga Conferência, com o Moreno [treinador], frente ao Celje. Senti ali que nos meteram uma tampa em cima e disseram “estes gajos não são capazes”. Esse jogo mexeu muito comigo.