«Ninguém imagina o que passei após o PSV-Benfica de 1988…»
Silvino recebe, em 1988, a medalha de finalista vencido da Taça dos Campeões Europeus (Nuno Ferrari)

ENTREVISTA A BOLA «Ninguém imagina o que passei após o PSV-Benfica de 1988…»

NACIONAL25.03.202408:00

MADRID - Em plena forma e com um aspeto jovial quase impróprio dos seus 65 anos, Silvino Louro, antigo guarda-redes, campeão pelo Benfica e pelo FC Porto, vive feliz em Madrid, onde teve a amabilidade de conceder esta entrevista, em que fala do passado e dos seus projetos:

-Quando os miúdos jogavam à bola na rua, o mais baixo, o mais gordinho ou o que tinha menos jeito era o que ia para a baliza. Sucedeu o mesmo consigo?

- Comigo foi porque era o mais alto. Já tinha uma certa vocação e queria mesmo ser guarda-redes. Era o maior de todos, media 1,78 m e calçava 44. Na escola tinha de escolher entre o futebol, o andebol e a natação, porque também nadava bem e porque fui criado na lama e tinha a praia ao lado da casa. Elegi o andebol e daí passei para os iniciados de futebol do Vitória de Setúbal, mas não podia jogar porque a idade mínima era os 14 anos e eu só tinha 13. Então entrava em torneios populares. As equipas eram de jogadores muito mais velhos que eu, mas todas queriam que eu fosse o seu guarda-redes. Lá fui seguindo o meu caminho no Vitória até que, aos 18 anos, me estreei na primeira equipa. Depois do Vítor Damas fui o primeiro a jogar com essa idade na primeira divisão. O treinador era o Carlos Cardoso que tinha substituído o Fernando Vaz no Verão, antes de começar o campeonato. Fomos a Almería disputar um torneio, perdemos os dois jogos e depois passámos por Cádiz para participar no torneio Ramón Carranza. Na semana seguinte fomos a Roma jogar no estádio Olímpico na apresentação do Pruzo. Perdemos, mas fiz um grande jogo e o Mário Macedo, jornalista de A BOLA que estava lá, escreveu em título ‘Atenção a este guarda redes de 18 anos’. Logo a seguir começou o campeonato e no primeiro jogo perdemos contra o FC Porto [0-1], depois jogámos contra o Sporting [1-2] e no terceiro consegui a minha primeira vitória. Ganhámos 2-1 ao Benfica [10 de setembro de 1978], o Narciso e o Vitor Madeira fizeram os nossos golos e quem me marcou o golo do Benfica foi o meu grande amigo Pietra [lágrimas nos olhos].

-De Vitória para Vitória, de Setúbal para Guimarães…

- Eu tinha assinado contrato com o Benfica e tinha de fazer a tropa. O então presidente Ferreira Queimado e o diretor do futebol Romão Martins prometeram-me que me livrariam. Não o conseguiram e fui para Guimarães, estive lá duas épocas [1982/1983 e 1983/1984] e então, com 25 anos, sim, fui para o Benfica. Porém, estava lá o Bento, que era um guarda redes extraordinário. E, estando ele, eu não tinha hipótese de jogar. Fui um ano cedido para o Desportivo das Aves e regressei ao Benfica. O Bento partira a perna no México e os guarda-redes passámos a ser eu, o José Manuel Delgado e o Nando. Depois de dez anos no Benfica regressei a Setúbal, mas coisas não me correram bem. Tive vários treinadores e o último foi o pai do Mourinho. No final da temporada, o Pinto da Costa foi lá para me contratar para o FC Porto, onde estive dois anos. Tinha decidido acabar lá a minha carreira quando apareceu o Salgueiros. O treinador era o Carlos Manuel e ofereceram-me um contrato por duas épocas. Porém, só joguei uma, pois já tinha 39 anos e as lesões tardavam mais em curar-se, a recuperação dos treinos mais fortes demorava mais, a velocidade já não era a mesma, mas, mesmo assim, dois meses depois de ter decidido que não queria jogar mais, fui chamado para alinhar com a seleção no famoso jogo contra a Alemanha e que empatámos com o Rui Costa a ser expulso.

-De todos os clubes por onde passou, qual foi o que lhe ficou no coração?

- O Vitória de Setúbal, pois é o clube da minha terra e foi lá onde me fiz homem, me formei para o desporto e onde me deram as condições para poder ver realizado o meu sonho de criança. Também foi lá onde mais feliz me senti a jogar à bola, embora tenha havido uma pessoa que não se portou de forma correta comigo, mas não merece a pena falar nisso. O Vitoria sempre será o clube do meu coração, esteja em que divisão estiver. Nos outros pelos quais passei, Guimarães, Benfica, Aves, FC Porto e Salgueiros, sempre dei o meu melhor e todos me trataram bem e deles guardo muito boas recordações.  

-Como se fez treinador de guarda redes?

-Recordo de, em 1990, ter dado uma entrevista em que dizia que o meu grande desejo era o de criar uma escola de formação de guarda-redes. Numa outra afirmei que se iria assistir a uma grande transformação na forma de atuar dos guarda-redes, que iria parecer-se muito aos do andebol e isso é o que está a suceder. Tive a sorte de começar num clube da primeira divisão, o Salgueiros, com o que estava previsto. Após o primeiro ano, no segundo haveria três possibilidades: continuar a jogar, ser o terceiro guarda-redes ou ser treinador de guarda-redes. Achei que era melhor optar por estas duas últimas. Antes que as pessoas começassem a dizer que era hora de dar lugar aos novos, eu próprio decidi deixar de ser jogador e sair pela porta grande. O Pinto da Costa foi-me outra vez buscar desta vez para trabalhar com o Fernando Santos a treinador. Também estive com o Octávio até que chegou o José Mourinho. Depois de cinco anos no FC Porto e de termos ganho a Taça UEFA e a Champions, fui com ele para a carreira internacional.

-Que perfil deve ter um treinador de guarda-redes?

-É evidente que a maior parte dos treinadores de guarda-redes jogaram nessa posição e isso deve ser por alguma razão. Temos uma experiência que quem não foi guarda-redes não possui, o que nos permite trabalhar sabendo quais são os objetivos e encarar situações que outros terão mais dificuldade em entender. Isto não quer dizer que eles não tenham direito a fazer esse trabalho, mas têm de ter a sensibilidade suficiente para compreender o que significa defender uma baliza. Cada um é livre de escolher o seu modo de vida e eu quis ser treinador e em boa hora tomei essa decisão.

-A experiência é, então, muito importante?

-Claro que sim. Eu, por exemplo, fui o guarda-redes na final que, em 1988, o Benfica disputou contra o PSV e que perdemos nos penáltis. Ninguém pode imaginar aquilo que eu passei, ao longo dos anos, a pensar nesse PSV-Benfica. Estava nas minhas mãos que pudéssemos conquistar o título, mas não consegui defender nenhum e a minha dor é a de não ter podido dar aos adeptos a alegria que mereciam. Depois de tanto tempo tenho tentado falar do que sucedeu em termos de jogo e de treino, mas, por mais esforço que faça, tudo isso me vem à lembrança. Por tudo isso, posso imaginar o que o Diogo Costa tenha sofrido depois do jogo com o Arsenal.

-Tem um sentimento de culpa?

-Não, isso não. Ao fim e ao cabo jogámos 120 minutos sem sofrer nenhum golo. No primeiro penálti, marcado pelo Ronald Koeman, não consegui lá chegar; no segundo, apontado pelo Kieft, ainda cheguei a tocar na bola e os outros foram umas bojardas impossíveis de defender. Defendi muitos penáltis na minha carreira. O último deles dias antes da final, num jogo contra o Guimarães. Mas nesse jogo, que era tão importante, não foi possível, com a agravante de que o Veloso tenha falhado. Ele que, no treino que fizemos antes, tinha sido o único a acertar em todos.

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