«Luz é o melhor estádio de sempre na relação preço/qualidade»
Quando o velho e o novo estádio se juntaram no mesmo terreno, um em fase de demolição e o outro a caminho da conclusão (Miguel Nunes/ASF)

«Luz é o melhor estádio de sempre na relação preço/qualidade»

NACIONAL25.10.202315:00

Entrevista com Damon Lavelle, arquiteto responsável pelo design do estádio do Benfica

É um dos principais arquitetos da Populous, empresa que já desenhou mais de 1300 estádios em 34 países em 40 anos de existência. O projeto da nova Luz marcou-o na carreira porque conseguiu fazer muito com pouco. E admite que ainda é possível fazer melhorias, tal como deixou explícito no relatório que apresentou ao Benfica há três anos.

- Ainda tem bem vivas as memórias do projeto do Estádio da Luz?

- Foi uma grande celebração, todas as grandes figuras do poder estiveram presentes, inclusive o cardeal de Lisboa, pessoas da cultura e de outros quadrantes. Nós, na Popoulos, já estávamos envolvidos no design do Estádio Algarve, mas foi através de António Laranjo, que era à data o chefe da comissão de organização do Euro-2004, que fomos contactados. Já tínhamos estado também em contactos com o Banco Espírito Santo e com o arquiteto Tomás Taveira sobre o projeto do estádio do Sporting, por isso estávamos familiarizados com Portugal. Tivemos uma reunião com o presidente Manuel Vilarinho, com Mário Dias e Seara Cardoso e arrancámos. Com António Laranjo e ainda Miguel Vaz Guedes, da Somague, juntou-se ali um dream team. Juntámo-nos com uma empresa portuguesa de arquitetura e arrancámos.

- Quão difícil foi fazer tudo em tão pouco tempo, visto que arrancaram com atraso?

- Sabíamos desde o primeiro dia que o estádio do Benfica seria o palco da final do Euro-2004. As pessoas da comissão organizadora estavam nervosas a respeito do atraso, e foi aí que surgiu a ideia de todos se juntarem e acelerarem as coisas e cumprirem os prazos. Além de Mário Dias, que é considerado o pai do estádio, o trabalho de Seara Cardoso foi fundamental para desenvolver a parte comercial que iria envolver o novo estádio. 

As sete colinas de Lisboa serviram-nos de inspiração para o desenho do estádio. A bancada superior segue a linha das colinas

- Qual a importância do projeto do Estádio da Luz para a sua carreira de arquiteto e da vossa empresa?

- O Estádio da Luz foi um marco na história da nossa empresa. Foi o nosso primeiro grande projeto na Europa. Depois disso crescemos bastante. Além do escritório que tínhamos em Londres abrimos escritórios em Milão, Paris, Madrid, Munique e desenhámos muitos estádios de grande envergadura um pouco por todo o mundo. Desenhámos quatro estádios para o Mundial-2018 na Rússia e fizemos consultoria para outros três, desenhámos o estádio do Lyon, vamos fazer o novo estádio de Milão e estamos neste momento a trabalhar para oito estádios do reino da Arábia Saudita e estamos muito envolvidos nos Jogos Olímpicos de Paris-2024. 

Damon Lavelle numa das suas últimas visitas ao Estádio da Luz

Foi Luís Filipe Vieira quem convenceu o presidente Manuel Vilarinho e os outros membros da Direção do Benfica a avançar para a construção do novo Estádio da Luz

- Houve recentemente um plano de aumento de lotação e de renovação do espaço exterior. Em que ponto isso ficou?

- Fomos convidados por Domingos Soares de Oliveira para examinar a expansão e tivemos várias discussões sobre um upgrade. Fomos contratados para entregar um estudo sobre a melhoria do estádio, incluindo eventual expansão e potencial para a criação de condições comerciais para suportar a parte financeira. Isto aconteceu durante a presidência de Luís Filipe Vieira. 

- Não tinha mencionado anteriormente o nome de Luís Filipe Vieira…

- Porque ele só apareceu depois, mas na verdade foi ele quem convenceu o presidente Manuel Vilarinho e os outros membros da Direção do Benfica a avançar para a construção do novo Estádio da Luz. Foi ele quem ligou os pontos todos e fez avançar todo o processo. Foi uma pena o que aconteceu recentemente com ele, mas não comento. De qualquer forma não será a primeira vez que um presidente tem um comportamento considerado controverso. 

- Foram obrigados a fazer muitas mudanças em relação ao projeto inicial?  

- Depois das reuniões iniciais o projeto evoluiu rapidamente. A UEFA tinha e ainda tem requisitos específicos para os estádios que vão receber finais- Mas tínhamos a vantagem de naquela altura já estarmos também a desenhar o novo Wembley [inaugurado em 2007]. Sabíamos o que era preciso. Depois foi uma questão de acertarmos com o atelier de arquitetura de António Lobão, com quem já estávamos a trabalhar sobre o Estádio Algarve. Quando havia alterações sobre número de camarotes, ginásio, restaurantes, etc, nós tínhamos de responder muito rapidamente. No entanto há regras locais muito específicas sobre quantas escadas de emergência deve haver e outras partes técnicas que eram entregues à equipa local.

Não se aplicaram materiais caros e a ideia sempre foi muito clara: gastar todo o dinheiro em zonas que permitam expansão no futuro

- Qual foi a base de inspiração para o desenho final do Estádio da Luz?

- A primeira prioridade era o conforto e otimizar a qualidade da visão do jogo, colocando as pessoas o mais perto possível da ação. Depois havia a questão da parte comercial, nomeadamente a separação dos anéis pelos camarotes. Além disso temos a topografia de Lisboa, uma cidade formada por sete colinas, tal como Roma. Isso inspirou-nos. Se reparar, as bancadas formam altos e baixos. Encontrámos uma forma de aproximar os espectadores do jogo, colocando-os no centro e atrás das balizas, mas abrindo os cantos para ter mais vista e, simultaneamente, para ser mais curvo. A bancada superior segue a linha das colinas, a cobertura é curvada, os arcos mimetizam a forma da bancada e independentemente de onde se esteja todos os arcos encontram-nos nos cantos. Esse flow reflete as colinas de Lisboa, as aberturas permitem ver pelos cantos e, pormenor muito importante, garante maior ventilação para melhor qualidade da relva. Essas aberturas formam umas asas de águia transparentes. 

- O exterior do estádio, em betão cru, além de ser uma tendência à época também permitiu baixar custos. Foi mesmo assim?

- Tínhamos um orçamento muito limitado. Não se aplicaram materiais caros e a ideia sempre foi muito clara: gastar todo o dinheiro em zonas que permitam expansão no futuro. Então apostámos em três níveis de parques, as piscinas, a área comercial. Não íamos gastar dinheiro na fachada. Foi tudo feito rapidamente. O que se conseguiu foi algo de extraordinário. O Estádio da Luz continua a ser a até hoje o melhor estádio de sempre na relação preço/qualidade.

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