John Kennedy: o herói da Libertadores que esteve quase dispensado por indisciplina
John Kennedy festeja o golo que deu a vitória ao Fluminense na Libertadores (Foto: Pressinphoto/IMAGO)

John Kennedy: o herói da Libertadores que esteve quase dispensado por indisciplina

INTERNACIONAL05.11.202300:21

Jovem avançado de 21 anos foi salvo precisamente por Fernando Diniz, o treinador que apostou nele para marcar o golo da vitória

O pai de John Kennedy, o herói da Taça Libertadores, gostava de história norte-americana e batizou-o com o nome do antigo presidente, que governou entre 1961 e 1963, antes de ser assassinado em Dallas, Texas, aos 46 anos. Não gostava especialmente de JFK, queria apenas ter um filho com o nome de um presidente.

Kennedy, o jogador, nasceu a 18 de maio de 2002, há pouco mais de 21 anos e meio, em Itaúna, no interior de Minas Gerais, mas foi no Rio de Janeiro, nas escolinhas do Serrano, que deu os primeiros toques numa bola. Daí ao Fluminense, onde chegou em 2016, foi um pequeno passo. Tinha 14 anos. Quatro anos depois, na esperança de poder ser profissional do tricolor, assinou um contrato até dezembro de 2024. 

Estreou-se em 2021. O adversário foi o Coritiba, no Brasileirão, e entrou ao intervalo. Aos 59, marcou o primeiro golo e pagava a aposta do treinador Marcão. O Fluminense reduzia para 2-1 e acabou empatado a três golos. Em outubro, voltou a saltar do banco, agora num jogo de sonho, o dérbi com o Flamengo. Marcou dois golos e o tricolor venceu por 3-1.

No entanto, Kennedy perdeu o momentum, que é como quem diz perdeu-se um pouco a si próprio. Já no ano passado, protagonizou vários casos de indisciplina e foi afastado da equipa principal. Baixou aos juniores, apesar dos 20 anos. Em episódios sucessivos, chegou atrasado para uma viagem para um jogo fora do campeonato, participou num evento em direto nas redes sociais já na madrugada de um encontro, lesionou-se a jogar na rua e faltou a sessões de fisioterapia, entre outros casos. Esteve quase perdido, a sua sorte chamou-se Fernando Diniz. O técnico, contra todos os conselhos que lhe deram, achou que conseguia salvá-lo. O ano de 2022 trazia fé na mudança.

No início de 2023, Kennedy foi emprestado ao Ferroviária para ajudar a equipa no Estadual de São Paulo. A mudança de ares fez-lhe bem. Marcou seis golos em 11 jogos e fez por merecer o regresso à equipa-mãe. Ainda chegou a ser negociado com os norte-americanos Chicago Fire - se tivesse acontecido, não faltaria quem achasse que seria destino dado o seu nome -, mas felizmente para todos, pode hoje dizer-se, as conversas não avançaram. 

Finalmente, conseguiu assentar. Fez dupla com o argentino Germán Cano - também ele fundamental na conquista diante do Boca - ou substituiu-o em algumas partidas. Tornou-se importante. Membro efetivo da equipa.

Na Libertadores, fez quatro golos, incluindo o da final. Marcou em todas as eliminatórias: na segunda mão dos oitavos de final diante dos Argentinos Juniors, no segundo encontro dos quartos frente ao Olimpia, mais uma vez na partida de volta das meias com o Internacional e, hoje, no Maracanã, no grande embate com o Boca. Tudo somado, assistências e remates certeiros, teve sete ações decisivas em dez jogos na competição. É de craque.

Aos 80 minutos, Fernando Diniz chamou-o e disse-lhe: «Tu vais marcar o golo da vitória!» Ter-se-á arrependido nove minutos depois quando o jovem viu o primeiro amarelo, mas Kennedy não se importou. Lá continuou a jogar ao seu jeito, irreverente, tentando mexer com o encontro. Aos 99 minutos, Keno amorteceu e ele foi com tudo. Puxou a culatra atrás e colocou todo o peso do seu corpo no tiro. A bola entrou junto ao poste esquerdo. Sergio Romero, o especialista em penáltis - à boa imagem de Sergio Goycochea, que carregou a Argentina de desempate em desempate até à final com a Alemanha, e acabou eliminado com um pontapé de Andreas Brehme dos 11 metros -, estava batido.

A explosão de felicidade, ao marcar o golo que podia ser decisivo para a conquista do troféu há muito perseguido pelo clube no maior palco continental e talvez mundial, foi tal que levou-o a festejar de forma louca, com os adeptos, libertando o caos. O colombiano Wilmar Roldán Pérez não evitou o excesso de zelo e expulsou-o, com o segundo amarelo. Foi o primeiro vermelho da carreira. Logo agora, no dia mais importante da sua vida.

O golo tinha espoletado a festa. Marcelo, aos 35 anos, depois de já ter ganho tudo, chorava de alegria. Luis Advíncula, o peruano que representou o Vitória de Setúbal e tinha empatado a final, deixa cair lágrimas de tristeza. Percebeu ali que tinha acabado para os xeneize. Fabra ajudou com um vermelho de raiva. E o Fluminense pôde por fim festejar a PRIMEIRA.

John Kennedy viu recompensado todo o esforço. Percebeu que podia ter um final feliz. E que a vida dá mesmo muitas voltas.