'Para lá da linha' é uma opinião semanal
A plataforma Netflix está cheia de «documentários de crimes reais» e eu sou uma das culpadas. Consumo vários nas poucas horas vagas. E eles vão fazendo.
Já deve estar em marcha o do jovem que matou a tiro o CEO de uma seguradora em Nova Iorque e na fase final o dedicado à mulher que fez história em França ao tornar público o julgamento do marido e mais 50 homens por a violarem ao longo de vários anos, enquanto era drogada e ‘emprestada’ por ele. Ex-marido agora, mas com incrível nuance: Gisèle divorciou-se de Dominique e ficou com o nome de solteira, mas não só abdicou do anonimato, como avançou para o Mundo com o apelido dele: Pelicot.
Foi considerado culpado de ter violado a mulher, de a ter sedado e de a ter entregue a dezenas de homens, filmando-a, durante dez anos; todos os 50 arguidos condenados
Como disse, «a vergonha tem de passar para o outro lado». Os 51 foram condenados por violação ou abuso sexual, com o marido a levar os 20 anos de pena máxima.
Quem está na mesma plataforma com o documentário 'Diário das Campeãs', e também deu caras e nomes, são as jogadoras da seleção feminina de Espanha, que viram a conquista inédita do Mundial ensombrada por mentiras e manipulações depois de o presidente da federação, Luis Rubiales, ter beijado a avançado Jenni Hermoso no pódio, após comportamento condenável junto à rainha de Letizia na bancada, quando agarrou os genitais numa 'cultura de mano' com o selecionador.
Jorge Vilda e as suas competências como treinador, bem como o controlo excessivo sobre as jogadoras, tinham sido colocados em causa por várias jogadoras, a ponto de 15, entre elas Aitana Bonmatí, se recusarem a ir à seleção.
Acusadas de mimadas, umas voltaram, outras não, mas todas têm voz, e têm-na desde que decidiram falar publicamente das desigualdades, como não poder usar o ginásio que era «só» para a seleção masculina, mesmo que não estivesse, longas viagens de autocarro ou voos em maus horários.
O beijo foi a gota de água num problema maior, ainda não concluído: a atual selecionadora, Montse Tomé, é uma das mulheres a aplaudir Rubiales na famosa assembleia em que grita que não se demite, o que acabou por ter de engolir depois de intervenção da FIFA. Nenhum deles foi ouvido, a vergonha passou para o seu lado. A história é delas e os nomes ficam para sempre.