Luís Castro, treinador do Dunkerque, faz a antevisão do jogo frente aos parisienses para as meias-finais da Taça de França
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Entrevista A BOLA «Jogo com o PSG não é mais importante do que as finais pelo Benfica»

INTERNACIONAL01.04.202508:05

Lidera uma das equipas mais surpreendentes do futebol francês. Apesar do baixo orçamento, o Dunkerque treinado por Luís Castro luta pela subida à Ligue 1 e cometeu a proeza de eliminar três equipas do primeiro escalão na Taça de França, defrontando hoje, nas meias-finais, o «osso mais duro de roer»: esse mesmo, o «melhor PSG dos últimos 20 anos». Nada que lhe tire o sono.

- Disse-nos, em novembro, que o Dunkerque iria lutar apenas pela permanência, mas passado este tempo continua perto dos lugares de acesso à Ligue 1 e vai defrontar o PSG nas meias-finais da Taça de França. Está muito acima do que estava à espera para esta época? 

- Nós trabalhámos bem, trabalhámos para isso. Agora é evidente que sabemos das dificuldades que temos e das condições que têm alguns clubes e sabemos que estamos a fazer uma época muito acima daquilo que era esperado por todos. 

- Quão vincada é a diferença de orçamentos na Ligue 2?

- A diferença é muita. Há clubes cujos melhores jogadores recebem talvez perto de 10 vezes mais que os nossos melhores jogadores. Se formos à média dos jogadores desses clubes andam entre 6 a 10 vezes mais, talvez. São clubes que normalmente jogam no primeiro escalão, são clubes com orçamentos muito altos, são clubes que em Portugal estariam nos seis mais altos da Liga.

- E como se combate isso?

- Sendo um clube organizado, fazendo um bom scouting. Temos jogadores cujos valores estão acima do que pagamos. Foi um recrutamento muito bem feito. E, depois, também no dia-a-dia, trabalhar bem, ter um bom coletivo, fazer com que a equipa funcione para poder competir numa liga que é, em termos de segundas ligas, uma das melhores do mundo. E vê-se pelo número de jogadores que exportam, mesmo para Portugal e para outras primeiras ligas, que é um nível muito alto. 

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- Como está a relação da equipa com os adeptos?  

- Aquilo que me dizem é que temos recordes de casa cheia. Nós já estávamos há alguns jogos com casa cheia, completamente cheia, não é preciso vender mais bilhetes. Aquilo que me dizem é que não se lembram de uma época assim. E mesmo sendo um estádio pequeno, com cinco mil pessoas por jogo, por exemplo, em Portugal não há equipas de Liga 2 que tenham cinco mil pessoas por jogo durante 10 jogos seguidos, isso é impossível. A segunda liga francesa tem estádios onde estão 20.000 ou 18.000 mil pessoas, mesmo equipas que lutam para não descer. É uma liga muito competitiva e os nossos adeptos têm estado mais perto da equipa. Isso também nos deixa orgulhosos porque o clube está a crescer.

- O vosso objetivo mudou? Já não é apenas a permanência, mas sim a subida?

- Não. A minha forma de trabalhar é pensar jogo a jogo, um jogo de cada vez. Mas jogamos todos os jogos para vencer, o que nos permite acreditar que podemos ter mais vezes sucesso e andar nos lugares mais perto daquelas equipas que são os considerados grandes da segunda liga francesa. A não ser que a duas jornadas de fim ou na última jornada existirem algumas hipóteses, é claro que vamos lutar pelos objetivos mais altos possíveis. Mas não gosto de me focar muito na frente porque depois perdemos um bocadinho a noção do que é o trabalho diário, do que é o próximo objetivo.

- É fácil lutar com esse bichinho?

- A segunda liga francesa é muito competitiva, já por mais do que uma vez o primeiro classificado perdeu como o último. É evidente que estando na posição que estamos queremos no mínimo continuar ou se possível ficar mais acima. É esse o nosso objetivo. Agora, colocar o objetivo global já... acho que ainda é muito cedo. Ainda faltam sete seis e muita coisa pode acontecer. Temos de estar com os pés assentes no chão.

Neste momento já estamos à frente do Barcelona nessa estatística. Somos a equipa com mais fora de jogo do adversário na Europa

- O Dunkerque ainda continua a ser uma equipa com altos índices de fora de jogo provocados ao adversário?

- Sim, neste momento já estamos à frente do Barcelona nessa estatística. Somos a equipa com mais fora de jogo do adversário na Europa.

- Não é só pela curiosidade do fora de jogo. É um dado estatístico, mas que ajuda a compreender qual é a vossa forma de jogar: linhas bem subidas, muita pressão sobre o adversário. O processo está melhor?

- As equipas também se preparam mais contra nós agora. Têm mais cautelas porque, como é evidente, observam os nossos jogos. Mas nós também estamos mais preparados. O fazer fora de jogo não é um objetivo nosso. Mas é uma regra que existe e para uma equipa como nós, que ataca e que quando não tem bola pressiona alto, temos de aproveitar essa regra da melhor forma possível. A equipa está bem coordenada, a linha defensiva tem estado bem. Por isso, continua a acontecer com alguma regularidade. 

Treinador do Dunkerque diz que já ultrapassou o Barcelona nessa estatística
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- Mas há algum segredo para que uma linha defensiva esteja tão coordenada e tão segura de si? Sem VAR, o erro humano fica mais exposto, nomeadamente dos auxiliares, aumentando o risco. Como é que se coordena tudo isso? 

-Temos o vídeo, como é evidente. Tivemos um jogo de treino em que o árbitro auxiliar falhou mais que uma vez, os nossos jogadores já estavam malucos. Eu disse ‘calma, é um jogo de treino’. Eu acho que o segredo é trabalhar a linha defensiva, é trabalhar, trabalhar,  constantemente. Os jogadores têm a noção de quais são as regras da nossa linha, de como é que funcionamos. Eu acredito sempre que uma equipa deve funcionar coletivamente. A linha defensiva também deve funcionar como um só. E se estiverem bem coordenados, se souberem os momentos de estar mais baixos ou mais altos, de defender os espaços mais profundos ou de defender mais à frente … Se toda a gente estiver coordenada nisso, as coisas acontecem naturalmente.

- Para uma equipa que está a lutar para subir, mesmo não sendo candidata, normalmente foca-se apenas nesse objetivo. Porém o Dunkerque também está a ir longe na Taça de França e defronta nesta terça-feira o PSG para as meias-finais. Como explica isso?

-  É complicado estar nas duas competições com um orçamento como o nosso, onde temos muitos jovens, muita gente, muitos jogadores jovens, estar nas duas competições ao mesmo tempo e conseguir manter o foco. Não é fácil, mas os jogadores têm estado muito bem. Eliminámos três equipas de primeira liga, duas delas de Champions. O Lille até passou nos oito primeiros, o Brest passou nos 24. Acho que é mais uma demonstração de que aquilo que está a acontecer no campeonato não é um acaso, é um processo em que toda a gente participa. Na taça acho que já praticamente quase todos os jogadores do plantel foram titulares, o que demonstra também que toda a gente está dentro daquilo que é o modelo de jogo. É evidente que dá outra visibilidade ao clube, dá outra visibilidade aos jogadores e a mim também, jogar e vencer contra equipas como o Lille, Brest e Auxerre. Agora apanhámos o osso mais duro de roer, vamos ver como vai correr.

- Quando viu o sorteio, qual foi o primeiro pensamento que lhe veio à cabeça? Satisfação ou de não querer defrontar uma equipa deste calibre?

- Quando se chega a este nível sabemos que é muito provável encontrar o PSG, seja nos quartos ou nas meias, porque é um sorteio. Só havia três equipas, o PSG tinha que jogar contra alguém. Toda a gente estava a fazer prognósticos para a esquerda, para a direita e eu disse ‘vamos esperar, e seja o sorteio que for, vamos a jogo e tem de ser assim’. Já não havia muito a fazer, é evidente que se calhar ninguém queria o PSG, toda a gente gostaria de fugir do PSG, mas também, ao mesmo tempo, toda a gente tem vontade de jogar contra uma equipa dessas. Gosto de olhar sempre para o lado positivo: é muito bom para os nossos jogadores poderem jogar contra uma equipa deste nível que mesmo em termos de Europa tem demonstrado um nível altíssimo. É o PSG, foi o que o sorteio ditou e vamos fazer o máximo. 

Os primeiros tempos não foram fáceis, nem toda a gente concordava com a minha vinda. Quando as épocas correm mal são os treinadores os maus da fita, mas neste momento é um mar de rosas

- De qualquer forma, a equipa já fez história ao chegar às meias-finais da Taça de França, algo que não acontecia há 96 anos. Mas tratando-se deste adversário, é daqueles que faz dormir menos ou é muito mais estimulante? 

- Não, dormir menos não vai ser de certeza, porque aquilo que digo ao meu staff é que se fizermos o máximo, se trabalharmos a 100% conseguimos dormir descansados. Aconteça o que acontecer, não podemos acabar o dia ou a semana a pensar que podíamos ter feito mais um bocado, que podíamos ter visto mais um vídeo, que podíamos ter analisado mais um jogo do adversário, isso é que não pode acontecer. Depois, se fizeste o teu trabalho a 100%, tens de dormir descansado. Ainda não observei o PSG como um treinador de futebol observa um adversário [a entrevista foi conduzida na quinta-feira], é evidente que já vi jogos do PSG este ano mas só quando observar o PSG poderei olhar para esses detalhes de como é que conseguiremos ser competentes para podermos fazer o melhor jogo possível e vencer uma equipa deste nível. Mas sem dúvida alguma que é estimulante, porque quando estás no futebol queres jogar contra os melhores. 

- É o jogo mais importante da sua carreira?

- Não, porque já tive jogos importantíssimos. E é difícil catalogá-los com 1.º, 2.º ou 3.º, já tive jogos muito importantes. Depois, é evidente que quando chega a esta altura o jogo mais importante é sempre o próximo, mas depois de passar o tempo, quando estiver no verão aí em Portugal de certeza que vai ser um dos jogos que vou ter na memória. Mas as três finais com o Benfica, por exemplo… tive duas finais de Youth League e uma Intercontinental em que fomos ao Uruguai com mais de 40 mil adeptos contra nós, mais as duas finais de Youth League que são jogos que vão ficar para sempre, mesmo a que perdemos com o Real Madrid, mas é chegar a uma final de Youth League, chegar à final não é fácil. São três jogos que vão ficar para sempre, tenho jogos também no Moreirense, quando ainda era muito novo, treinávamos uma equipa de sub-19 e subimos pela primeira vez na história do clube ao nacional. Se olhar para trás, é claro que as Youth League têm outra visibilidade, mas naquela altura, para um treinador com 25 anos, ter uma equipa sub-19, ser o primeiro treinador da história do clube a subir ao nacional, também são memórias muito interessantes. Mas este será um jogo frente ao melhor PSG dos últimos 20 anos. Fazer o que eles fizeram frente ao Liverpool, o líder da Premier League, não é para todos.

- É isso que queria perguntar-lhe: uma coisa é defrontar o PSG de há cinco meses, agora é defrontar este PSG, provavelmente a melhor equipa da Europa. Como tentará usar a sua linha de fora de jogo subida frente a uma equipa cujo ataque é muito móvel e dinâmico, com um Dembelé em grande forma, a imprevisibilidade de Barcola, e depois o mastro Vitinha, a energia de João Neves

- Concordo consigo de que não se pode olhar para um ou para outro. São muitos jogadores, todos de altíssimo nível, desde o guarda-redes aos jogadores da frente, por isso teremos de olhar para o PSG como um coletivo, tentar parar os pontos fortes, que são muitos, e depois, se possível, encontrar um ou dois pontos fracos. Neste momento, por aquilo que eles estão a fazer, não parece haver muitos [pontos fracos], mas vamos ter de estudar isso, encontrar forma de fazer alguma mossa e poder ter também algum sucesso. 

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- Como é que os adeptos o tratam?

- Luís Castro, só Luís Castro. Agora já cantam o nome, já puxam por mim, às vezes eu não sou muito efusivo, não sou muito de ir para perto dos adeptos, mas eles agora chamam por mim, de vez em quando já vou ali mais perto deles e mesmo os meus jogadores puxam por mim. Com a época que estamos a fazer a relação é ótima. No futebol, quando as épocas correm bem, é sempre assim, quando as épocas correm mal são os treinadores os maus da fita, mas neste momento é um mar de rosas.

- Terem renovado consigo ainda numa fase inicial da época foi um sinal de estabilidade?

- Sim, é um sinal da estabilidade que o clube dá, é um sinal também meu para com o clube, porque os primeiros tempos não foram fáceis, nem toda a gente concordava com a minha vinda. As pessoas que me suportaram, mesmo quando houve mais resultados, e havia muita gente a dizer que se devia trocar de treinador naquela altura, essas pessoas estiveram comigo e apostaram em mim. Entretanto, face à época que estamos a fazer, é natural que tenham aparecido algumas abordagens e também foi uma demonstração da minha parte para com o clube, de agradecimento pelo que fizeram na época passada e que estou no clube a 100%. É evidente que no futebol tudo pode acontecer, tanto da parte do clube como da minha parte, poderá um dia chegarmos a um ponto de acreditarmos que o melhor é finalizar a relação, mas acredito que será sempre com humildade e olhos nos olhos. Mas nesta renovação tanto o clube achou que era importante também melhorar as minhas condições e eu também achei que era importante passar uma mensagem ao clube, aos adeptos e também aos jogadores, porque alguns jogadores, mesmo não falando comigo diretamente, estavam muito preocupados com a situação de o treinador poder sair e foi uma mensagem para todos de que eu estava de corpo e alma com eles.