João Matos e o futuro: «Só posso ter um emprego quando deixar o futsal»
João Matos (Sporting)

ENTREVISTA A BOLA João Matos e o futuro: «Só posso ter um emprego quando deixar o futsal»

FUTSAL22.06.202410:15

Nesta última parte da entrevista, fixo salienta que acaba contrato na próxima temporada; assume que poderá sentir a necessidade de jogar para ajudar em casa; ser treinador não está descartado

— Falta pouco para o Mundial, que terá lugar no Uzbequistão, entre 14 de setembro e 6 de outubro. Como capitão da Seleção Nacional, quais são os objetivos?

— Acredito que Portugal tem qualidade, condições, competência para voltar a ganhar uma competição, até pela geração que está a vir que é extraordinária e que está agregada àquela que já temos. Há um misto de várias gerações na seleção, que se complementam bem e fazem com que a máquina fique bem oleada e funcione. Por isso, é possível Portugal voltar a ganhar um título Mundial [é o atual campeão]. Agora, a história de Portugal é campeão do Mundo e tem essa responsabilidade de ganhar, eu não olho as coisas assim. Eu vejo da seguinte forma: se Portugal cumprir o plano estratégico vai vencer o Panamá, que é o primeiro jogo da fase de grupos? Sim vai! O foco é prepararmos isso. Temos um mês de preparação física, tática, olhando para os adversários, nos quais podemos criar dificuldades e vice-versa. Isso é o que conta, semear essa parte para depois no dia 3, 4 de outubro, seja quando for, possamos lá estar na decisão. Aquilo que ganhámos só nos vale escudo na camisola, palmarés na nossa carreira e troféus na Cidade do Futebol. Se não ganharmos já ninguém se vai lembrar que Portugal já venceu um Mundial? Isso é mentira! No entanto, conheço a mentalidade das pessoas que vão estar na convocatória, independentemente das opções do Jorge Braz. Aquele leque de jogadores vai lá estar com uma dedicação tremenda, trabalhar nos limites, suar e não vai entrar de salto alto a pensar que temos o estatuto de que somos muito bons. Isso nunca vai acontecer na seleção portuguesa.

— Em entrevista a A BOLA, em novembro passado, o Zicky Té apelidou-o de Cristiano Ronaldo do futsal dada a longevidade. Até quando vai querer jogar?

— Essa declaração foi da boca para fora, ele não sente isso e foi algo emotivo. Nós brincamos com essa parte da entrevista que ele deu. Eu não sei quando vou parar de jogar, porque há aqui dois lados. Fisicamente, eu acho que vou conseguir jogar por muitos mais anos, até porque trato bem do meu corpo. Para a minha posição, não preciso de ser um Pauleta ou um Pany, que depende da sua explosividade, do arranque. Numa equipa mais estática, eu irei sempre encaixar seja com 40 ou 41 anos. Depois, há aqui uma vertente financeira. Tenho mais um ano de contrato com o Sporting e no final desse vínculo, ou vou trabalhar ou vou jogar à bola. Tenho um lado financeiro em casa, tenho de dar de comer aos meus filhos, gostava de mantê-los no mesmo colégio, mas tenho de o pagar e ainda há a renda da casa. Esse lado financeiro entra na equação e tenho de tomar uma decisão. Ou vou continuar a jogar para poder ganhar algum dinheiro para suportar as contas e para ir preparando um outro tipo de pós-carreira ou tenho já um pós-carreira, que me permite continuar a jogar tal como muitos jogadores fazem.

Eu tenho os bónus, mas não uma profissão e eu só posso ter isso quando deixar o futsal. Posso preparar-me para tal coisa, mas não sei se a vou ter. Agora, essa incógnita é que vai na cabeça de muitos. Qual é o emprego? Uma coisa são bónus, um projeto com uma determinada pessoa que me vai dar o tal bónus, ter um evento no verão que é quando estamos de férias da época e encaixar mais um extra financeiro. Tenho vários projetos, mas nenhum emprego garantido no final da carreira. Tenho sempre de ter essa balança que vai me ditar até quando vou jogar. Se vou jogar até aos 41 anos? Acredito que não, mas se precisar de jogar, vou jogar. Sofri e tive momentos maus porque pensei muito no pós-carreira, o que é que eu vou fazer, pois já tenho 37 anos, mas eu não sou velho. Fazemos aqui testes físicos e eu estou no top-3 em quase tudo, seja de saltos, de arranque. A idade não quer dizer que esteja a acabar pelo lado físico. Se me disseres que há outros jogadores com outra qualidade, é verdade e aceito isso. Se for por aí tudo bem, mas não será pela idade e parte física, porque vou ter 40 anos e vou estar seco, musculado, com força e velocidade.

— Gostaria que o Sporting fosse o seu único clube na carreira?

— Sim, gostava, mas não sei se isso vai acontecer. Tenho de colocar comida em casa, de ajudar a minha família e se tiver condições físicas e a necessidade de ir ganhar 2000 euros ou 1800 para ajudar em casa eu tenho de ir. Esta é a realidade da nossa modalidade, nós não ganhamos 10 mil euros por mês, isso não existe. Se tiver de por mais 1500 ou 1800 euros por mês e tiver de ir para um outro clube, seja no Kuwait, na Arábia Saudita, seja onde for, eu terei de ir. Agora, se tiver uma proposta de emprego sustentável, que me permita subir nesse emprego, logicamente, isso fará me pensar, pois entra a estabilidade, o lado familiar. Pensar agora nisso vai me dar dores de cabeça, energias negativas. O que tiver de acontecer vai acontecer e nessa altura vou ter uma decisão ponderada para mim e para os meus.

— O futuro poderá passar pela carreira de treinador?

— Eu gosto muito da vertente tática do jogo, a minha carreira cresceu nessa ótica de leitura de jogo, de perceber, correr para o síito certo, fechar e dar boas linhas de passe. Eu gosto dessas nuances do jogo. Agora, se um dia vou ser treinador tenho muitas dúvidas. Não é algo que eu descarto. Tenho o nível 1, mas enquanto for atleta será difícil tirar os seguintes níveis porque é preciso fazer um estágio, ir às aulas e eu tenho estágios no Sporting e na Seleção Nacional, com competições fora do país. A nossa carga horária de vida de Sporting é incompatível com a formação do nível 2. Eu vou tirar para a minha formação, para meus objetivos, porque gosto da área do treino, mas não sei se irei seguir essa área. O Rúben Amorim também disse que ia arriscar e correu bem. Eu digo que não sei, mas se for pode ser que corra bem.