Nesta parte da entrevista, o fixo recorda o polémico caso Taynan, a ascensão de Tomás Paçó e Zicky Té na equipa principal
— O Nuno Dias está há 12 anos no Sporting e não se nota o desgaste da relação com o plantel. Como explica isso?
— Dentro das sua personalidade e particularidades, o Nuno é um treinador muito exigente. Para mim, é fácil entendê-lo, percebo as mensagens e a ideia de jogo. Estou há 12 anos com o Nuno, mal era se não compreendesse e entendesse... No entanto, há aqui uma linha que depois, fora disto, o Nuno é diferente, tal como eu. Enquanto jogador, sou muito mais aguerrido e comprometido. Fora do mundo do futsal, sou uma pessoa muito mais ponderada, mais enérgica, muito mais zen e o Nuno é igual. Ele envolve-se muito no jogo, sente-o muito e quer muito ganhar e passa-nos essa mensagem. É lógico que há dias menos bons para qualquer atleta, mesmo para mim quando não estou com a cabeça tão focada no treino, tão comprometido com o jogo. O Nuno não permite isso… é quase um hiperativo quando estamos a jogar, a treinar. Mas existe, depois, essa diferenciação. Eu não sou um atleta que vá jantar a casa do Nuno, mas ele tem a porta aberta para quando um jogador quiser falar com ele. Não lido com o Nuno fora do âmbito do Sporting e isso ajuda a não haver esse desgaste. Agora, fora desta loucura que os adeptos veem, que as câmaras filmam quando ele está aos gritos ou maluco no desconto de tempo, o Nuno é uma pessoa completamente diferente. As personalidades não são distintas, o Nuno de fora tem de ser o Nuno daqui. Ele é muito fervoroso, mas é fácil lidar com o Nuno fora do futsal.
Desde 2005 na equipa principal do Sporting, João Matos tornou-se, aos 37 anos, no primeiro capitão a levantar quatro troféus consecutivos de campeão nacional. No balanço da época 2023/2024, o fixo assume alguma inconsistência
— Como reagiu ao polémico caso do seu companheiro Taynan, após a entrada dele na quadra pontapeando a bola para fora impedindo, assim, um contra-ataque do Benfica a escassos minutos do fim na final da Taça da Liga?
— Tivemos uma palavra interna. Nós nos fechamos na nossa bolha, em que a nossa opinião é a nossa opinião aqui dentro. O Sporting fez o comunicado e nós enquanto jogadores deixámos essa parte para o Sporting e não nos compete a nós dizer a público o que pensamos eu disse isso depois do jogo, porque tenho amigos no Benfica que estavam logicamente exaltados com a situação. Nenhum de nós, a não ser o próprio Taynan, e talvez mesmo o próprio, ele podia prever tal situação. Não tínhamos como controlar aquilo. Foi um ato de loucura, que aconteceu em meros segundos e que nenhum de nós podia impedir aquilo de acontecer. E eu estava no banco. Agora, se alguém se revê naquilo, não! No entanto, foi um ato isolado de um atleta que não representou os valores do Sporting, dos outros companheiros de equipa. O Taynan levou com as consequências. Internamente, tivemos as nossas conversas. O Sporting fez o que tinha de fazer e não cabia a nós vir à praça pública seja atacar, defender, seja o que for.
— Neste plantel, há dois jovens que têm estado em destaque, casos do Tomás Paçó e do Zicky Té. Está surpreendido com o elevado patamar em que já estão?
— Sim! É muito difícil olhar para um jogador de formação, que vem treinar aos seniores e digas que este vai ser jogador, que não engana. Pensei que pudessem ser jogadores, mais o Tomás do que o Zicky. Sempre brinquei com o Zicky dizendo que ele não ia chegar aos 24 anos, porque estaria acabado. Fisicamente, ele está desmontado, é peças soltas para todo o lado [risos]. Eu estou aqui há 23 anos e houve muitos poucos que fizeram a transição de júnior para sénior. Quando chegaram o Zicky, Tomás e o Bernardo [estes dois últimos são irmãos gêmeos], até essa data eu fui o único que teve posição fixa no plantel, que não saiu ou foi emprestado. A quantidade de juniores bons que cá passaram e não ficaram foram muitos. Podes olhar para um jovem e dizer que ele tem condições, que tem talento, mas ainda não é o momento, não está preparado. Nós temos muitos juniores, que podem vir a dar bons seniores, mas têm de dar outro salto. Na altura, oTomás sobressaiu mais do que o Zicky pelo poder físico, pela altura, disponibilidade. O Zicky era uma posição mais delicada que é o pivô e nós tínhamos outras opções. No entanto, a mentalidade com que estes jovens apareceram e aqui incluo o Diogo Santos, o Hugo Neves que também fazem parte deste leque de jovens jogadores, foi algo que mudou o Sporting e eu tenho uma admiração enorme por eles. Sou fã dos miúdos, muito do Tomás e acho que ele é o melhor fixo do mundo atualmente. O Zicky tem todas as condições para ser histórico na modalidade, para ser o melhor pivô durante largos anos. Tem ali algumas condições fisícas, que têm de ser reavaliadas. No entanto, o Zicky tem uma alma, uma crença, uma humildade que faz com ele seja este jogador maravilhoso e eu não previa uma ascensão tão rápida.
— Encara o Tomás Paçó como o seu herdeiro na braçadeira de capitão?
— É difícil, porque eu meto-me antes disso. O João Benedito era o herdeiro do Zezito, eu era o herdeiro do João Benedito… o Erick era para ser o meu e agora é o Tomás. Nós somos pessoas distintas, com formas de estar diferentes. Sim, o Tomás vive o Sporting como ninguém, dá a vida por este clube. Tem todas as condições para fazer uma carreira tal como a minha aqui e se Deus quiser com muitos mais títulos do que eu, com muitas mais internacionalizações por Portugal, porque é um jogador fora de série. Hoje em dia, só depende dele porque a qualidade é muita, é o jogador que mais me fascina. Está entre os melhores do mundo e não tenho dúvidas sobre isso, porque treino com ele, conheço bem a personalidade e sei o quanto ele quer ganhar, trabalhar. O Tomás pode fazer aqui uma vida inteira, como pode decidir, porque vai ter esse poder de decidir, o que fazer com a sua carreira. Claramente, tem de entrar no leque de capitães do Sporting. Se continuar aqui, vai ser o capitão, mas com a sua maneira de estar diferente da minha.
— Esta ascensão do Tomás retirou-lhe minutos na equipa…
— Lido muito bem com isso. Eu quero jogar os 40 minutos e irei trabalhar para jogar o máximo de tempo possível. No entanto, eu sei qual é o meu papel e não tenho problema nenhum em assumi-lo. Há aqui dois lados: um passa por quem são os meus companheiros, a qualidade que eles têm e o que oferecem. Se eu acabo por dizer que o Tomás é o melhor fixo do mundo e eu gosto de jogar ali, eu sei que tenho um muito melhor do que eu a jogar e isso vai me retirar minutos. Depois, ver o que o jogo oferece, o que o treinador entende, lê e percebe do momento do jogo e onde eu encaixo nessas ideias. Sou mais pressionante, dou mais dinâmica, sou mais decisivo para defender situações estratégicas, como cantos, 5x4, 4x3. Há que ter essa leitura em poucos segundos e há um plano de jogo que dita isso. Eu sei qual é o meu papel. Já tive os meus momentos de carreira em que jogava 30 ou 35 minutos. Com o tempo, entendi que havia companheiros que mereciam mais minutos, que têm uma qualidade diferente da minha, outra disponibilidade, com uma leitura de jogo diferente e o treinador entende que é assim e por mim está tudo bem, porque no final ganha o Sporting. Eu não vou fazer cara feia por jogar um minuto ou dez porque acho que merecia. Vou ficar triste, mas no final é a equipa e jamais o meu eu vai sobrepor-se à equipa.