Irlanda-Inglaterra: dois ‘traidores’ numa história feita de tensão
Motins de ‘Lansdowne Road’ ainda na memória; Declan Rice e Jack Grealish, que já representaram os irlandeses nas camadas jovens, preparam-se para ser assobiados em Dublin
Este sábado, pelas 17 horas, a República da Irlanda - que há 103 anos se tornou independente depois de uma sangrenta guerrilha com a Inglaterra - vai precisamente receber a seleção dos três leões em jogo a contar para a Liga das Nações, no estádio Aviva, em Dublin, onde há 29 anos as tensões políticas resultaram num infame episódio entre as duas nações.
Na altura, em fevereiro de 1995, mesmo antes do encontro começar, o ambiente já era muito quente. No Lansdowne Road, que em 2007 viria a ser demolido para dar espaço ao tal estádio Aviva (será que foi para limpar a cicatriz que aí ficou com este motim?) 4 mil adeptos ingleses instalaram-se nas bancadas do recinto.
Num recinto que albergava quase 50 mil pessoas, os britânicos fizeram-se ouvir, com cânticos de resistência às forças paramilitares que foram fundamentais na independência irlandesa. E também um ressonante «Clegg é inocente», referindo-se a um soldado britânico que, em 1990 matou um adolescente irlandês, por estar a conduzir um automóvel roubado.
O jogo de futebol em si já pouco interessava, mas lá começou e aos 22 minutos David Kelly marcou a favor da República da Irlanda, o que acabou por servir de pretexto para o que se desenrolou: confrontos físicos nas bancadas entre os adeptos, cadeiras a serem arremessadas nas mesmas e aos jogadores no relvado, e houve até desacatos entre os ingleses e a polícia irlandesa.
O árbitro do encontro, o neerlandês Dick Jol, interrompeu a partida e só 12 minutos depois é que suspendeu a partida, numa altura em que os atletas tinham sido escoltados para fora do relvado e do recinto. Resultado? Cerca de 20 pessoas ficaram feridas e mais de 40 foram presas. Só mais tarde é que foi identificada a presença de um grupo neo-nazi Combat 18 no estádio, aos quais acredita-se terem sido os principais responsáveis pela violência causada.
Receção aos assobios
Nos dias que correm, a situação é mais pacífica, mas mesmo assim o avançado irlandês Callum Robinson admite que ficará surpreendido caso Jack Grealish não seja recebido, em Dublin, com «assobios». «Ele também é assobiado onde quer que vá. Deve estar a preparar-se para receber um pouco de abuso dos fãs irlandeses, mas faz parte do jogo».
O extremo de 28 anos, nascido em Birmingham, Inglaterra, chegou a representar a República da Irlanda nas camadas jovens, por ter avós irlandeses, no entanto, em setembro de 2015, escolheu o país natal, daí as palavras de Robinson. «Desde criança que me sinto inglês. Joguei pela Irlanda quando era miúdo e parecia certo, mas à medida que fui envelhecendo senti-me cada vez mais inglês», disse o jogador do Manchester City, em 2020.
Mas Declan Rice é capaz de ser um caso ainda mais sensível. Teve um caminho semelhante ao de Grealish. Nasceu em Inglaterra, no sudoeste de Londres, mas tem avós irlandeses. Jogou então por este país nas camadas jovens e em março de 2018 celebrou fervorosamente uma vitória da República da Irlanda contra o Azerbaijão, por 1-0, num jogo amigável. Até beijou os três trevos da camisola nacional. Porém, já depois de representar a seleção A em três ocasiões, mudou de ideias e passou a vestir a camisola dos três leões.
Inglaterra e República da Irlanda já se defrontaram em 17 ocasiões e o confronto direto favorece os britânicos. Perderam apenas dois encontros, empataram nove e venceram seis, sendo que a última foi apontada em novembro de 2020, num vazio estádio de Wembley, por causa da pandemia COVID-19.
Grealish foi titular e até assistiu para um golo. Já Declan Rice, não saiu do banco. Mas também já houve um jogo no estádio Aviva, em 2015, muito mais pacífico do que o que se viveu em Lansdowne Road. E o resultado também isso o indica: 0-0.