Benfica: razões e riscos dos cinco dias de folga concedidos por Schmidt
Só por uma vez as águias ganharam na época passada depois das paragens. Mas o descanso pode não ser o principal motivo
O que representa, a curto e médio prazo, cinco dias de folga ao plantel do Benfica na primeira interrupção do campeonato? Quais as vantagens e desvantagens que uma decisão destas agrega? É justo que aqueles que vão às seleções não tenham direito a descanso enquanto os outros que não entram nas escolhas dos respetivos selecionadores (ou os que renunciaram a fazê-lo, como Rafa e João Mário) podem gozar umas miniférias de final de Verão? Ou nada disto pesa nas dinâmicas coletivas porque pouco se pode fazer ponto de vista estratégico quando metade do plantel (e, consequentemente, os melhores jogadores) está fora, espalhado pelos quatro cantos do mundo, e obrigar a picar o ponto daqueles que ficam é apenas uma cedência aos espíritos burocratas?
Levantaram-se críticas com a nova decisão de Roger Schmidt que tem a sua dose de controvérsia, até porque é uma prática pouco comum em Portugal. É objetivo que houve um rebaixamento de forma sempre que a equipa veio de um período de descanso mais alargado na época passada, embora o motivo principal possa não estar no descanso, mas sim no cansaço. Confuso?
«O maior problema reside na falta de rotinas e não no aspeto físico. E há que ter em conta um fator fundamental: a maior parte dos jogadores do Benfica está nas seleções, eles estão sujeitos a métodos e rotinas diferentes do que existe no clube», aponta Jorge Castelo, treinador e renomado académico. A experiência acumulada quer a nível pessoal quer na pele de investigador é um livro aberto em constante atualização e por isso não avança com certezas sobre o tema. São mais as perguntas que ficam no ar à espera que o tempo ajude a descobrir respostas.
Mas, antes de mais, vamos a alguns factos e uma desmistificação. «Em desportos coletivos, e em particular no futebol, não há qualquer estudo científico que diga que mais de três dias de descanso prejudiquem do ponto de vista físico. Isso acontece nos desportos individuais, em que ao fim de três ou quatro dias há uma reversibilidade das capacidades do praticante, quer do ponto de vista muscular quer da absorção de oxigénio. Mas é por isso que há paragens nos desportos individuais, eles não competem todas as semanas como no futebol, não há tanta densidade competitiva», diz Castelo.
A questão de fundo é do ponto de vista mental. «Dois, três dias de descanso é o suficiente. A partir daí o ciclo biológico sofre uma alteração e dá-se a quebra da rotina, o cérebro é assim, o bichinho começa a morder», insiste o professor e também autor.
Um treinador da Liga, que prefere responder sob anonimato, também admite «muitas reservas» a tantos dias de folga. «O mais razoável é dar dois a três dias. Com cinco dias os futebolistas desligam do ponto de vista coletivo, da relação com o grupo, regressam desfasados. Não é tanto na parte física, é mais na parte mental que isso pode interferir», diz.
«Senti o Benfica sem a mesma dinâmica após as paragens do campeonato», continua. Os dados provam-no: os encarnados venceram apenas por uma vez nas três ocasiões em que o campeonato parou: 0-0 em Guimarães (Liga, 1 de outubro), 1-1 em Moreira de Cónegos (Taça da Liga, 17 de dezembro) e 1-0 em Vila do Conde (2 de abril, Liga). O último jogo desta série até mereceu destaque no documentário sobre a conquista do título transmitido na BPlay, a plataforma de conteúdos exclusivos do clube: a certo momento, pouco depois de terminada partida, Schmidt dirige-se para Rui Costa e diz «difícil», ao que o presidente responde: «Foi a primeira vez que ganhámos um jogo após uma paragem!»
«Há algo que é indesmentível: há uns que vão para as seleções e outros de férias. Fica a ideia de que há uns protegidos e outros não, é uma gestão complexa do ponto de vista do balneário», continua a mesma fonte, lançando uma interrogação: «Se a ideia é criar empatia global, porque não escolher uma determinada data da época e dar esse descanso, mais curto, a todos a não apenas só a uns?»
Questão cultural
Há também a possibilidade de as críticas surgirem em função do contexto cultural e temporal. Jorge Castelo dá um exemplo ocorrido na época em que integrava a equipa técnica de Sven-Goran Eriksson no Benfica: «Ele odiava fazer estágios. Certo dia decidiu que jogadores e equipa técnica só iriam encontrar-se no dia do jogo: concentração, almoço e partida. Perdemos esse jogo. A partir daí isso nunca mais foi tema e não se voltou a repetir a experiência.» Certo é que hoje muitos fazem-no, e com sucesso. Guardiola é um deles.
O olhar sobre o passado serve de ponte para o futuro. «Se o Benfica não ganhar ao Vizela vão dizer que foi por causa das férias que Schmidt deu; se vencer, se calhar outros vão começar a copiá-lo», insiste Castelo, na certeza de que o treinador alemão só o faz porque «tem uma grande confiança nos jogadores». E isso pode «trazer retorno».
«Vamos ver como vão regressar. Mas é preciso reforçar: o que prejudica as grandes equipas é a quantidade de jogadores nas seleções. É isso que interrompe as rotinas», sublinha Jorge Castelo.
Dos 25 elementos do plantel, 12 saíram para representar os respetivos países: Otamendi e Di María (Argentina), António Silva (Portugal), Aursnes (Noruega), Trubin (Ucrânia), Bah (Dinamarca), Kokçu (Turquia), Musa (Croácia), João Neves, Samuel Soares e Tomás Araújo (Portugal, sub-21) e Morato (Brasil, sub-23) – e ainda há caso de Kokubo nos sub-22 do Japão. Sobraram Rafa, João Mário, Arthur Cabral, Florentino, David Neres, Tengstedt, Chiquinho, João Victor, Tiago Gouveia e Bernat e ainda os lesionados André Gomes, Jurásek, Gonçalo Guedes – a que se vai juntar agora Alexander Bah.
O regresso ao trabalho deu-se esta sexta-feira, a uma semana do jogo em Vizela, que tal como nas paragens do ano passado também se joga fora de casa. Há uma sensação de déjà vu no ar, mas Roger Schmidt já mostrou que vai até ao fim com as suas ideias.