A conferência de imprensa de Bruno Lage na íntegra
Treinador do Benfica quis abordar o áudio polémico que foi publicado, após a derrota com o Casa Pia
Na conferência de imprensa realizada este domingo, no Benfica Campus, Bruno Lage fez-se acompanhar do presidente do Benfica Rui Costa, do diretor desportivo Rui Pedro Braz, e do diretor geral para o futebol Lourenço Coelho. E antes de responder a qualquer pergunta, explicou o que motivou a convocação de esta conferência de última hora.
— Esta conferência deve-se exatamente ao áudio publicado. Esta conferência deve-se exatamente a uma conversa que eu pensava ser privada com o conjunto de adeptos que estava à nossa espera na chegada a Lisboa. Primeiro, dizer que fui ter com os adeptos, da mesma forma que quando ganhamos troféus estamos a estar só a falar dos troféus, da mesma forma que quando estou num momento muito negativo, fui o primeiro a dizê-lo. Sentia perfeitamente a desilusão dos adeptos por termos dado um passo em falso no campeonato, assim como à saída, na entrada para o autocarro fui ter com os adeptos e disse que entendia perfeitamente a desilusão do resultado de ontem e depois de uma longa conversa de 30 minutos com os adeptos que estavam à nossa espera. Foi uma conversa que eu pensava privada, veio público e estamos aqui para esclarecermos tudo sobre essa conversa.
— Falou com Rui Costa depois de esse áudio ter sido tornado público e se sente um sinal de confiança pelo facto de o presidente estar aqui na sala de imprensa?
— Falámos e a nossa intenção foi vir aqui esclarecer esse áudio. A confiança é mútua, quer de um lado e quer do outro.
— Nesse áudio ouvimos Bruno Lage a questionar decisões da própria direção, a falta de compromisso dos jogadores, a forma como eles se apresentam durante as exibições, que não saltam à bola, diz que vai trazer jogadores que já queriam voltar para o Benfica, que nenhum outro treinador vai conseguir resolver este problema, pergunto-vos se está a contar toda a gente, menos a assumir a responsabilidade?
— Que fique muito claro que a responsabilidade de ontem, e do insucesso, é do treinador. A minha exigência para com os jogadores tem de ser máxima. Há uma frase que é solta de um áudio de um minuto de meio, que é o seguinte. O que eu disse sobre a situação de não saltar vem de um contexto que eu tinha acabado de dizer na conferência de imprensa. Uma equipa que chega ao primeiro lugar não pode sofrer os golos que temos vindo a sofrer. Desde o momento em que chegámos ao primeiro lugar até o dia de hoje, não podemos sofrer aqueles golos. Alguns de penálti e alguns de bola parada em que não saltámos. Nunca foi a referir que os jogadores não lutam, não correm e não saltam. Foi numa situação de bola parada em que não saltámos. E mais, e antes disto ser tornado público, isto é tudo apontado aos jogadores. É sempre uma análise crítica que nós fazemos individualmente e coletivamente dos erros que vamos cometendo. E cabe-me a mim criar todas as condições para continuar a evoluir a equipa naquilo que eu sinto que não está bem. A questão dos 20 milhões e dos 5 milhões vem num contexto em que os adeptos, pela emoção, perguntam porque não tiramos estes jogadores do plantel e metemos os miúdos? E numa tentativa de explicar, as coisas do mercado não funcionam assim, os ativos dos clubes não funcionam assim, não se pode tirar um jogador dos 20 milhões e o usá-lo como um exemplo, fora do contexto, depois o valor do mercado vale 5 milhões. E depois como é que a equipa, ou como é que um clube eventualmente quer vender ou transferir um jogador, tem condições para receber o valor investido em determinado jogador para contratar outro?
— Como explica este clima de instabilidade, tão pouco tempo depois de o Benfica ganhar uma Taça da Liga?
— A instabilidade vem dos resultados. O mais importante é que nós estamos juntos, há um sentimento de união muito grande aqui, porque nós temos consciência do trabalho que temos de fazer. Já nos aproximámos do 1.º lugar, depois não fomos competentes em nos mantermos lá. Já fizemos alguns jogadores chegarem a patamar de incidência que eu acho que são muito bons. A jogar de três em três dias, os resultados é que dão instabilidade. Vencer apenas uma taça da liga não chega. Mas foi, para já, o único troféu que nós conquistámos. Ainda há um longo caminho a fazer. Demos um passo em falso no campeonato, mas temos já um jogo muito importante na Liga dos Campeões, e só dependemos de nós para passarmos à fase seguinte. Temos 15 jornadas para fazer num campeonato que tem sido muito irregular onde todas as equipas têm perdido pontos e ainda estamos também na Taça de Portugal. Aquilo que mais queremos agora é a consistência.
— Teve vontade de dizer o que disse e de que forma é que a confiança dos adeptos pode ajudar a equipa?
— Senti que foi uma conversa muito boa. Estou muito seguro daquilo que estava a dizer, foi uma conversa de 35 minutos, vocês só tiveram acesso a um minuto e meio de áudio com coisas fora de contexto. Aquilo que eu quis passar é que a união é muito importante. Foi aquilo que nós fizemos, vou-lhe dar um exemplo onde nós sentimos isso e ontem tive a oportunidade de dizer aos nossos adeptos. O quão importante foi, no primeiro passo, a união dos adeptos, no título que eu dei a conquistar, o 37. E se há dúvidas disso, vejam só as imagens da nossa chegada a Vila do Conde, à nossa chegada ao último jogo na Luz com o Santa Clara. O quanto eu sofri, e paguei por isso, na pandemia, em que não senti esta pressão, e não senti o apoio dos adeptos. Para nós termos uma reação, só eu sei, como treinador, e depois é verdade, o treinador seguinte também, o que é jogar em estádios vazios, sem sentirmos a força dos nossos adeptos. Aquilo que eu quis passar foi de confiança, continuem-nos a apoiar, nós sabemos o que é que temos a fazer, temos um caminho a fazer, vamos fazê-lo, e temos muito ainda a ganhar esta época
— Estas palavras que vieram a público minam a confiança do balneário no treinador, como vai ultrapassar isso e chegou a ponderar colocar o seu lugar à disposição?
— Não mina, porque o que disse aos jogadores, o que disse no áudio, já o tinha dito na conferencia e já tinha falado com os jogadores sobre isso. E eles têm o conhecimento do trabalho que tiveram de fazer e o facto de nós estarmos a jogar, sensivelmente, há três meses, de forma consecutiva, o quanto eles deram para passarem para o primeiro lugar. E a forma como nós temos sofrido os golos, não é de uma equipa que está em primeiro lugar, não é de uma equipa que quer vencer provas. É aquilo que eu quero novamente com os meus jogadores, e eu, enquanto treinador, é essa exigência que eu passo.
— Uma das questões que chamou mais a atenção nesse áudio foi o facto de Bruno Lage dizer que o Benfica só «dava três toques na bola» antes de perdê-la, frente ao Casa Pia, também assume responsabilidade nessa dificuldade que a equipa teve?
— Claramente. Ainda bem que tocou nesse assunto. Quem faz os jogos que nós fizemos, com SC Braga, Sporting, Famalicão, Barcelona e depois fazer os primeiros 30 minutos com o Casa Pia, onde marcámos, tivemos boas jogadas e boas oportunidades de golo, e depois perder o controlo do jogo e passar parte desse jogo, sem conseguir dar três toques seguidos, a permitir muitas transições ao adversário, como foi a forma como sofremos o segundo e o terceiro golo. Por isso, são tudo situações que, de uma longa conversa, é preciso criar um contexto para isso, porque mal seria o treinador que tem visto esta equipa a jogar, que já fez bons resultados e já provou que sabe jogar bem, que viesse publicamente criticar a dizer que a equipa não sabia dar três toques seguidos. Mas sim, foi a evolução do contexto, e particularmente na segunda parte do jogo com o Casa Pia.
— Há dois jogadores do Benfica que custaram 20, ou mais, milhões de euros, Kokçu e Arthur Cabral. Pergunto diretamente se está insatisfeito o rendimento destes dois jogadores e se alguma vez se sentiu obrigado a colocá-los em campo pelo preço que custaram?
— A questão dos 20 milhões vem uma conversa que vem atrás, um dos adeptos disse que temos algum tempo em que a maioria dos jogadores custou 20 milhões de euros, e eu usei essa frase. E a intenção, normalmente, quando os adeptos estão aborrecidos, dizem para tirar estes jogadores e colocar os miúdos. E eu quis dizer que, pelo menos para eles entenderem um bocadinho e usei os 20 milhões como exemplo, porque ser 20, ser 10, ou ser 5, tem de se ter em consideração o preço de mercado de qualquer jogador que esteja aqui. Nós temos um jogador que, por alguma razão, passa a jogar na equipa B. Assim, desvalorizamos o jogador. Foi esse o sentido que eu quis passar aos adeptos, que as coisas não são feitas assim. E o presidente está aqui à minha frente, nunca me pediu para jogar com o jogador A, B ou C. Tenho total liberdade e sou eu o responsável por escolher o onze, a estratégia, e sou eu o máximo responsável pelo insucesso.
— Falou dos jogos em que a equipa esteve bem, e falou também da equipa que não mostra vontade para vencer, como explica que uma equipa passa de muito boa, para não ter capacidade nem vontade para vencer?
— À primeira vista, a equipa não pode sofrer este tipo de golos que tem sofrido. Sofremos golos de bola parada, de penálti, quando estávamos no 1.º lugar. Na final da Taça da Liga, na 1.ª parte fomos melhores do que o nosso adversário, que depois empata com um penálti. Há mérito do adversário, mas não podemos sofrer golos desta maneira.
— Que mensagem quer deixar aos benfiquistas?
— Não com as palavras que usei no final do jogo [com o Casa Pia], quando me dirigi aos adeptos antes de entrar no autocarro, mas é recordar e perceber que nós somos e precisamos do apoio deles para sermos o Benfica. Há um trabalho a fazer. É verdade que as pessoas, perante um novo resultado, é claro que a confiança dos adeptos em nós fica menor, mas nós queremos voltar a fazer boas exibições, a fazer resultados, para que os adeptos continuem a acreditar em nós. A presença deles é fundamental. Eles são importantes na conquista de títulos, assim como, na altura da crítica, a ausência deles também foi péssima para nós. Por isso, a presença dos adeptos é muito importante. Nós sabemos o que estamos a fazer. Há questões que estão completamente identificadas. Vamos tentar resolvê-las o mais rapidamente possível. Já estivemos a preparar as situações em que nós temos tido alguma dificuldade nos últimos momentos, que são situações de bola parada e a transição após esse momento de bola parada.