A argumentação do Benfica para pedir a condenação de Francisco J. Marques e Diogo Faria
Francisco J. Marques foi condenado a cúmulo jurídico de um ano e dez meses de prisão, com pena suspensa

A argumentação do Benfica para pedir a condenação de Francisco J. Marques e Diogo Faria

NACIONAL20.09.202323:59

Encarnados recorrem da absolvição parcial dos diretores do FC Porto no julgamento dos e-mails; A BOLA teve acesso ao documento enviado para o Tribunal da Relação

O Benfica apresentou ao Tribunal da Relação de Lisboa recurso da absolvição parcial de Francisco J. Marques e Diogo Faria, respetivamente diretor de comunicação  e diretor do Porto Canal, no acórdão do julgamento da divulgação de e-mails. Os encarnados argumentam que há matéria de facto para condenar, também, Francisco J. Marques e Diogo Faria pela prática de três crimes de ofensa a pessoa coletiva, de um crime, em coautoria, de ofensa a pessoa coletiva agravado e um crime de acesso indevido, por que estavam acusados e pronunciados.

No recurso de 137 páginas a que A BOLA teve acesso, o Benfica, nas primeiras palavras e na indicação do objetivo do recurso, assinala que «não vale tudo». Regozija-se que «essa é a mensagem que o acórdão» -  — condenou Francisco J. Marques e Diogo Faria a cúmulos jurídicos, respetivamente, de um ano e dez meses de prisão, com pena suspensa por igual período, por violação de correspondência agravada, e a nove meses de prisão, com pena suspensa, por violação de correspondência ou telecomunicações - «passa e bem».

«Não vale tudo para ganhar audiências. Não vale tudo para ganhar campeonatos. Não vale tudo para atacar o adversário, dentro e fora de campo, por mais alto que o sentimento fale», assinala o Benfica, na introdução, acrescentando que «não se pode, descendo ao caso, pegar em informação confidencial, em correspondência exfiltrada de forma criminosa a um clube e às pessoas que o integram, e fazer uma novela semanal, ao longo de quase um ano, com anúncios de cenas dos próximos capítulos, embrulhada em intriga, acusações vãs e sensacionalismo mascarado de jornalismo». «Tal como não se pode cortar e recortar e-mails, reorganizá-los, alterar datas, intercalá-los uns com os outros para assim se construírem estórias mais sumarentas e que peguem melhor na comunicação social. E mesmo os arguidos sabiam-no quando o fizeram», sublinham os advogados dos encarnados.

Aplauso mas…

O Benfica considera que o primeiro acórdão «merece aplauso por ter tornado este ponto claro, quer para os arguidos, quer para a sociedade em geral», mas entende que «fica aquém do que podia e devia em três pontos fulcrais».

Contesta o Benfica a absolvição de Francisco J. Marques e Diogo Faria de três crimes de ofensa a pessoa coletiva relativos a emissões do Porto Canal. As águias discordam do juízo do tribunal, para o qual Francisco J. Marques se limitou a formular juízos de valor com base nos e-mails e não a imputar factos. Contesta o Benfica que o tribunal «assentou o seu entendimento numa leitura manifestamente restritiva – e, de resto, não fundamentada – do conceito de juízo de valor, ignorando as concretas imputações factuais que os mesmos traziam consigo e que, nessa medida, as tornavam condutas típicas».

Sobre a absolvição pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada pela publicação do livro O Polvo Encarnado, o Benfica defende que o tribunal errou «por ter feito assentar a sua decisão no entendimento, minoritário e, com o devido respeito, desligado da realidade e de uma interpretação correta do tipo incriminador, de que o crime de ofensa a pessoa coletiva não poderia ter sido praticado por escrito» e acrescenta que «é evidente que a procedência de uma interpretação desta natureza esvaziaria de conteúdo útil esta norma, já que desprotegeria qualquer pessoa coletiva perante ataques ao seu bom nome na imprensa escrita».

Finalmente, sobre a absolvição dos arguidos da prática de um crime de acesso indevido, o Benfica identifica a «interpretação errada da norma em causa». Considera que o tribunal entendeu que «o preenchimento do tipo de crime de acesso indevido exigiria que tivessem sido os arguidos a aceder ao sistema informático de onde foi exfiltrada a informação» e, como tal, não sendo os arguidos o hacker, não poderiam ter cometido o crime. O Benfica diz que «o tribunal confunde, porém, o crime de acesso indevido com o de acesso ilegítimo» e, desse modo, «cria, por via jurisprudencial, um elemento do tipo objetivo que não existe na lei e que, aliás, o legislador revogou antes da entrada em vigor desta norma».

O Benfica decidiu não recorrer da absolvição de Júlio Magalhães, à data diretor do Porto Canal, conformando-se com a decisão, por considerar que «ao mesmo não podem ser assacadas responsabilidades criminais» e que as razões da decisão do tribunal «embora não logrando o total convencimento são ponderadas a plausíveis» e levam «pelo menos a duvidar razoavelmente». E também porque «as razões do tribunal evidenciam que o centro da responsabilidade e da censurabilidade não está, nem estaria nunca, na direção do Canal, mas sim nos responsáveis do FC Porto, que, não só sequestraram, o Canal para a prossecução de interesses clubísticos, como esvaziaram o poder (que não o dever) funcional do diretor».