A BOLA FORA Rui Fonte: da saída do Sporting para o Arsenal ao carro de 2 mil libras
Entrevista A BOLA FORA: Parte I
Este episódio de A Bola Fora é com o Rui Fonte, avançado do Paços de Ferreira. O ponta de lança formou-se no Sporting, mudou-se para o Arsenal, de Inglaterra, e passou por vários clubes, nacionais e estrangeiros, numa carreira ligada ao irmão, José. É em Braga que vive e onde vai continuar a viver. Esta é a sua história, com altos e baixos, como a lesão contraída no Benfica.
Antes de eu chegar o que é que estavas a fazer?
Estava a brincar com o meu filho mais novo. O mais velho está com a avó a cuidar ali de pôr a terra nas plantas, que a avó está a cuidar disso e eu estava a brincar com o mais novo, que geralmente os meus dias também são passados assim, ou com os dois ou com um.
O que é que eles gostam de brincar com o pai?
Sendo rapazes é às lutas, é fazer casas com as mantas, meter as cadeiras, jogar futebol, principalmente o Gabriel, o mais velho, que já se iniciou com esse gosto e passa muito por aí, futebol, brincadeiras, digamos, de rapazes, com carros, com isso tudo.
Tu imaginas os teus filhos ou o teu sobrinho a dar continuidade ao legado Fonte, porque toda a gente conhece o teu irmão, mas o teu pai também era jogador profissional.
Não diria que seja eu ou o meu irmão que façamos questão deles continuarem o nosso legado, acima de tudo ficaríamos contentes por eles o seguirem, mas é mais o deixar à vontade deles, principalmente pela dificuldade que é, e nós sabemos, ter uma carreira de jogador profissional. Envolve muita coisa, muitos sacrifícios desde muito novos, ter de passar por muito durante a carreira profissional, e será sempre pela paixão que eles possam ter ou não pelo futebol.
A Inês está grávida, tua mulher, portanto é a terceira gravidez, ainda não é desta que vem uma menina, portanto, outro rapaz…
Estamos a tentar aumentar as probabilidades de ser jogador.
Não vão à quarta a tentar a menina ou pensam nisso?
Para já não. Se calhar até poderia ser a menina a levar esse tal legado em frente, mas não sabemos, mas para já está no terceiro só.
Assististe ao parto dos teus filhos?
Sim, de ambos.
Portaste-te bem ou as pernas tremem mais?
Portei-me bem, foram os dois de cesariana, então resguardam um bocadinho mais o pai ao momento, mas o pai portou-se bem, foi acompanhar quando ambos saíram da barriga da mãe e deu todo o apoio à mãe.
Não há momento melhor.
Sem dúvida é algo que marca para sempre, porque não sei, vês ali o fruto de tanto amor que há entre nós e tê-los nos nossos braços, não há melhor sensação que essa, de conhecê-los.
Vais para o Arsenal com 16 anos. Podemos falar desse início de carreira, dessa experiência. Se soubesses o que sabes hoje, terias ido para longe de casa tão novo?
Era uma experiência a repetir. Acima de tudo, eu fiz essa reflexão já mais velho e valeu muito a pena, porque foi aí que eu vi o que eu cresci, pelo que passei, porque foram momentos, eu diria, muito bons, com alguns percalços. Também faz parte do crescimento, não só enquanto jogador, mas enquanto homem, porque estava a formar-me como homem. Se me perguntasse ao dia de hoje se eu deixava o meu filho com 16 anos ir, não sei, mas eu entendo também a minha parte e dos meus pais, porque eu tinha essa firme convicção de querer ir para lá. Quando eles me apresentaram, e muito sinceramente eu nem sabia quanto é que ia ganhar, sabia que ia ganhar mais. Também só soube quando tive o primeiro salário e um ano depois, porque o primeiro ano que eu estive lá era um contrato de formação. Só assinei o contrato profissional aos 17 e só aí é que soube efetivamente o meu salário, porque até lá era a convicção de ir para o Arsenal, de poder jogar, desfrutar do que estava ali a passar e ajudou-me bastante. No primeiro ano estive efetivamente sozinho, estava com uma família inglesa, que me ajudou imenso, imenso, imenso, imenso, em tudo. Facilitou bastante a minha integração, não só no clube, mas também à vida inglesa, aos seus costumes, à maneira deles estarem. No ano seguinte o meu irmão tem a saída para o Crystal Palace, já o tinha mais perto, não que o visse todos os dias, mas quase semanalmente eu estava com ele.
Mas não foste viver logo com ele?
Não, só no terceiro ano já, quando tinha carta e comprei o carro, é que já fazia o trajeto mais vezes para estar com ele. A certa altura fiquei efetivamente, e fazia o trajeto, era um trajeto longo, mas que era recompensador por estar com o meu irmão. A nossa avó também estava lá, o que nos ajudou bastante. A minha avó materna acompanhou-nos lá, depois a mim mais tarde, também na outra experiência que tive no Espanhol, em Barcelona. Esse tempo no Arsenal foi definitivamente recompensador porque, em parte, cumpri o meu objetivo que era poder estrear-me pela equipa principal, o maior seria ter dado continuidade a essa aventura, mas foi muito recompensadora ao nível do que sou hoje como homem, pelas experiências que tive, pelo que tive de enfrentar sozinho e espero poder um dia poder passar essa experiência aos meus filhos. Dizer que o pai foi para fora cedo, que se aventurou nessa vida sozinho e que foi bastante proveitosa, pelo menos na minha opinião, e os meus pais também, apesar de ter sido uma grande dificuldade para eles deixarem o filho sair tão cedo. Mas viram que estava a ser bem ajudado, tanto da parte do clube como da própria família inglesa.
Ainda manténs contacto com essa família?
Sim, através do Facebook, felizmente hoje há as redes sociais.
Eles foram acompanhando a tua carreira?
Sim, até porque a certa altura eu voltei para a Inglaterra e eles souberam e ficaram contentes e mantivemos sempre o contacto. Eu tinha mais colegas de equipa a viver comigo, porque era uma casa que tinha espaço para ter 3 a 4 jogadores e foi sempre uma troca de experiências e mantivemos sempre o contacto. Vamos vivendo sempre as mesmas experiências, somos jogadores que vêm de fora, então vamos sempre trocando algumas impressões e perguntando sempre como é que estamos.
Nessa altura, e sendo tão novo, quem é que fazia a gestão do dinheiro, quando tu começaste a receber esse ordenado, por exemplo?
Eu mesmo. Há umas semanas até fiz essa reflexão, da sorte que tive. Também para isso é preciso ter sorte dos pais que tenho, do irmão que tenho, porque criaram-me sempre com princípios e com valores em relação a isso. Também foi natural ali ao início alguma tentação, mas a minha tentação foi sempre comprar uma roupa melhor do que aquela que poderia ter tido a oportunidade de ter antes. Nunca entrei em loucuras. O primeiro carro que tive em Inglaterra custou 2 mil libras [2400 euros, sensivelmente], nunca foi por aí, até porque paguei mais de seguro do que propriamente de carro. Aqui também nunca fiz e sempre regrei a minha vida por isso, nada de excessos, sempre dentro daquilo que podia. Foi assim que fui criado também. Nunca me faltou nada, mas também nunca vivemos em abundância, os meus pais sempre fizeram tudo por mim e pelo meu irmão, e eu sou muito grato a ele, já queria ter expressado esse sentimento que tenho de gratidão com eles, porque efetivamente eles nunca nos incentivaram a ter de ser mesmo jogadores, mas acompanharam-nos para todo lado sempre que podiam. Fizeram muito esforço para que nós não faltássemos a treinos, jogos, acompanhavam-nos até onde podiam. Lembro-me várias vezes, acabar os meus jogos, metermo-nos no carro, ir ver o meu irmão, principalmente quando estava aqui em Felgueiras, ou mesmo Paços de Ferreira. E de o acompanhar em Setúbal, nessa fase inicial da carreira dele em que estava cá em Portugal.
O facto de serem uma família de futebol leva a que o futebol esteja sempre à mesa numa reunião de família, ou vocês evitam precisamente por causa disso, porque é demasiado futebol numa casa só?
Não, até porque leva sempre ao mesmo. Nós nunca acabamos sempre a ver um comentário sobre futebol, seja pelo jogo que possa estar a passar, que nós temos a tendência a meter na TV, ou o meu pai a comentar os jogos, o meu jogo, ou comentar, ligar para mim e comentar o jogo do meu irmão, ou ao contrário. A minha mãe igual, a minha mãe também teve sempre esse papel. O meu pai como foi jogador tinha esse hábito e era natural nele, de retificar, de exigir, por vezes em excesso, mas que nos foi proveitoso. Mas a minha mãe tinha sempre, dizendo a mesma coisa, mas de uma maneira mais suave e carinhosa no seu papel de mãe. Sempre houve um equilíbrio, e à mesa de jantar acaba-se sempre por falar um bocadinho de futebol, é inevitável.
Como era a relação do Arsène Wenger com os mais novos? A impressão que tenho foi sempre uma pessoa muito serena, muito pacata, de poucas palavras. Não era muito interventivo?
Não, tinha os adjuntos, principalmente o Pat Rice, que era o adjunto inglês que ele tinha, que era mais interventivo, principalmente nos treinos. No jogo ele era muito mais interventivo, dava as suas indicações, mas no que era o treino, que eu treinei mais do que o que joguei, era pouco interventivo, era mais observador, num papel de, como dizemos em inglês, «manager», de estar a supervisionar tudo, a ver certos aspetos em que ele precisa estar mais concentrado que propriamente na gestão de algum exercício.
Olhavas para alguém do balneário como um ídolo?
Era inevitável, porque até tive pena, porque gostava muito do Bergkamp, e o Bergkamp sai, se não estou em erro, no ano em que eu chego. Ainda começou o Henri, que também era outro daqueles jogadores que nós olhávamos e reconhecíamos de ver na televisão, não é? Lembro-me perfeitamente do dia em que cheguei lá para conhecer as instalações do clube, ele estava lá e a primeira coisa que fiz e perguntei ao diretor que nos estava a acompanhar era se podia tirar uma foto com ele. Levou-me até ele e tenho essa foto com o Henri, que era, eu não diria o meu ídolo, mas um daqueles que nós olhamos e reconhecemos em qualquer parte do mundo e gostava muito dele.