Vinícius não pode parar de dançar

OPINIÃO11.02.202305:30

O internacional brasileiro do Real Madrid é talentoso e os adeptos tratam mal sempre os jogadores que mais temem

Anormalidade como a exceção. Vinícius, na quarta-feira, em Marrocos, na meia-final do Mundial de Clubes, contra os egípcios do Al-Ahly, que o Real Madrid derrotou por 4-1, não deslumbrou, o que é uma novidade. Provavelmente, a polémica em que está envolvido condicionou-o! O brasileiro iniciou o jogo de forma confusa, mas libertou-se aos poucos e, confirmando a condição de jogador hiperativo e supertalentoso, acabou por exibir-se ao nível (elevado!) de sempre, acelerando, travando, acertando, errando, protestando com árbitros e adversários - e marcando golos!

Vinícius, em Marrocos, recuperou o protagonismo pelo futebol que joga, que é muito, mas o prodígio brasileiro vive tempos pouco fáceis em Espanha, onde parece cada vez um leão em cativeiro. As garras da fera mantêm-se intactas, mas o animal distrai-se com o barulho que o rodeia e, sempre que sobe ao palco, é chicoteado e reage mal aos maus-tratos.
 

A DANÇA E A TEMPESTADE

Atempestade começou numa dança após um golo, comemoração que os adeptos do Real Madrid consideram inocente e os rivais interpretam como uma provocação. Se o jogador dissesse ‘desculpem, não tinha intenção de ofender quem quer que fosse’, o problema não existia. Comportando-se assim, Vinícius tornar-se-ia diferente aos olhos dos populares. Mas não: Vinícius continuou a dançar. E isso, combinado com o tipo de jogo que pratica, quer pela habilidade, quer pela velocidade como arrasa os sistemas defensivos adversários, causa sofrimento e terror nos adeptos rivais. E os adeptos, nenhuma surpresa, tratam mal os que mais temem. Além disso, num Real Madrid que significa emoção, Vinícius é só o elemento mais expressivo. Esta combinação produz o ambiente irrespirável que encontramos no futebol espanhol, especialmente quando o Real Madrid joga na condição de visitado… As bancadas dos rivais vibram sempre que o brasileiro é castigado. Mais cedo do que tarde, Vinícius sairá de campo lesionado com gravidade…
 

AS PROEZAS DO BRASILEIRO

COMO as paixões não se caraterizam por pensamentos, o peso da culpa inverte-se com uma velocidade assustadora. Batemos-lhe, insultamo-lo e gozamo-lo por merecer, mas temos de descobrir os motivos! Os detratores de Vinícius esquecem-se do percurso do jogador. Para chegar até aqui, o internacional brasileiro conviveu com todos os tipos de insultos que tentaram transformá-lo num qualquer ex-talento com 18 anos. Aprendeu o que precisava e, corajosamente, impôs-se com a categoria que caracteriza a classe dos jogadores excecionais dos demais. Essa caminhada, cumprida num clube tão exigente como o Real Madrid, é uma proeza que temos de sublinhar. Hoje, pede a bola como se fosse sua, enfrenta os adversários de forma decidida, remata às balizas com a convicção dos homens menos conscientes… O facto de ser o jogador mais castigado de todo o futebol europeu é, aparentemente, algo que não preocupa ninguém. E este tipo de registo estatístico consegue-se apenas com a cumplicidade das arbitragens. Vinícius deve pensar numa forma de contribuir para mudar isto. Conseguindo-o, outra proeza!
 

É PRECISO CUIDAR DO JOGO

HUGO SÁNCHEZ, um bravo de outra era geológica, recomenda a Vinícius fazer o que ele fez: «Grito os golos nos rostos dos rivais». Espero que Vinícius não siga este conselho! O mexicano jogou em campos intratáveis, muitas vezes contra defesas-centrais duros, alguns quase carniceiros, que diziam «boa tarde» com pontapés intimidantes. Não é o tipo de imoralidade que desejamos no futebol! Para protegermos o jogo, cumpram-se os regulamentos. Já Vinícius deve concentrar-se apenas em jogar. Fazendo-o, em cada uma de suas acelerações brilhantes, os adeptos entusiasmam-se sem que ele tenha de agitá-los; o amor pelo clube é implícito, não exige a demonstração pública do beijo no escudo, nem a alegria do golo precisa de qualquer tipo de dança para ser contagiante! A paixão pelo futebol impõe-nos este compromisso.