Vergonha atrás de vergonha
Rui Moreira, autarca da cidade do Porto, não deve comportar-se como um Super Dragão, muito menos como líder de uma qualquer milícia
N O futebol português, repetidamente, vergonha atrás de vergonha. Insuportável. Em Famalicão e no Estoril, apenas mais dois episódios numa lista longa de acontecimentos gravíssimos muitas vezes denunciados, mas (quase) nunca punidos. Ver pais e filhos obrigados a saírem de bancadas e estádios apenas por vestirem camisolas de clubes rivais é intolerável, mas não tem nada de novo. A situação, lamentável, acontece há muitos anos, mais nuns locais do que noutros, sim, mas é recorrente. O que mudou foi somente o impacto mediático, por existirem telemóveis nas mãos de todos os espectadores e redes sociais que permitem denúncias imediatas! Se Federação e Liga não resolvem este problema, por estarem submetidas aos poderes dos clubes, o Governo tem de agir, não pode varrer (mais) lixo para debaixo do tapete.
Mas, sabe-se, Portugal é Portugal. As claques de apoio aos clubes, todas as claques, têm rostos, mesmo as dos rapazes sem nomes, mas houve quem criasse monstro que continua a alimentar e mudasse a classificação de cadastro para currículo! A informação de que os dois presumíveis agressores da família de Sérgio Conceição, após o FC Porto-Club Brugge, são elementos dos Super Dragões não tem nada de surpreendente… Os suspeitos são conhecidos das polícias por associação a crimes diversos, do tráfico de droga ao roubo. É gente boa!
As claques não são formadas só por marginais, é verdade, mas parece-me inadmissível a tolerância à existência de quaisquer… milícias, muitas vezes bem pagas, que têm como missão a proteção de interesses obscuros e perturbadores, principalmente para a imagem do futebol e a ordem pública, tornando-o, por isso, desporto pouco recomendável para famílias que procuram zonas de convívio saudáveis e seguras. Na promoção do espetáculo, que contrassenso!
Os maus exemplos, infelizmente, conhecem-se de todos os lados. Em 2020, Fernando Medina, ainda como presidente da Câmara de Lisboa, foi crucificado por inscrever o nome na Comissão de Honra da candidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica. Na mesma lista, também com polémica, encontrava-se António Costa, o primeiro-ministro. Os políticos não resistem à tentação de capitalizarem a popularidade do futebol. Vimo-lo nas duas finais consecutivas da Liga dos Campeões realizadas em Portugal durante a pandemia de Covid-19, a primeira em Lisboa, a segunda no Porto.
Mas, Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, elevou ainda mais a fasquia da irracionalidade. A compatibilidade de função tão relevante com a vice-presidência do Conselho Superior do FC Porto deve questionar-se, mas as manifestações públicas do autarca após pergunta de um jornalista a um jogador dos dragões foram apenas e só miseráveis. Talvez inspirando-se nos maus exemplos comportamentais de Sérgio Conceição, dragão que cospe fogo sempre que é confrontado com contratempos - leia-se empates e derrotas -, substituiu a crítica pelo insulto. Parafraseando-o, «nojo»...
A relação da política com o futebol, antiga e quase sempre tóxica, não admite palavras como as de Moreira, personalidade com responsabilidades que exigem bom senso (e moderação) nas declarações públicas, por mais que o autarca ambicione posicionar-se na corrida à sucessão de Pinto da Costa na presidência do FC Porto, que antecipo como muito concorrida.
Rui Moreira, pela importância do cargo que desempenha, não deve comportar-se como o líder dos Super Dragões, muito menos como o porta-voz de uma qualquer milícia, nem é possível conceder-lhe a tolerância admitida aos famalicenses que insultaram benfiquistas e aos fãs canarinhos que maltrataram portistas - nos dois casos, até ver, nenhuma consequência… A solução para o problema está na aplicação de regras ignoradas, certamente por falta de coragem para deixar todos os criminosos e energúmenos às portas dos estádios.