Valerá a pena?

OPINIÃO28.02.202305:30

A solução é persistir com humildade, independência e sem corporativismos de algibeira

NÃO é a primeira nem a segunda vez que penso a sério sobre a utilidade que terá (ou não) a figura do comentador de arbitragem no panorama desportivo da atualidade em Portugal. Esta reflexão mais introspetiva tende a acontecer de cada vez que o mau tempo aparece e que o ambiente fica azedo e crispado no sempre fantástico mundo da bola. É aí, sobretudo aí, que equaciono tudo. 

Quando se abraça uma carreira, é suposto que ela seja gratificante e prazerosa. É suposto que dê gozo e acrescente valor. Quando ficamos com a sensação de que acontece o exato oposto, equacionamos o que andamos a fazer. Penso que esta não será uma sensação que bate só a mim. Qualquer pessoa de bem que se predisponha a fazer qualquer coisa de jeito, terá vontade de fazê-lo como deve ser. Certo?

Hoje em dia, ser especialista de arbitragem (definição pomposa que não me define, porque sou apenas um ex-árbitro a dar o meu melhor num mundo que conheço há décadas) pode ser uma valente armadilha. A sensação que dá é que nós não estamos a esclarecer ninguém nem a contribuir para que as pessoas entendam as decisões, ainda que discutíveis ou erradas. Ainda que cinzentas ou factuais.

O que parece, nos tais momentos de maior efervescência, é que estamos apenas a encher o tanque com granadas de mão. É como se tudo o que analisássemos não tivesse qualquer relevância pedagógica, apenas fins declaradamente belicistas, que municiam confusão, caos e suspeição. É o mundo ao contrário. A antítese de tudo o que podia, devia e tinha que acontecer.

A verdade é que a maioria das pessoas (de adeptos a dirigentes, passando por jogadores, treinadores e até jornalistas) não sabe as regras do jogo. Não conhece as variáveis que tantas vezes presidem à decisão.
É fundamental que ex-árbitros, agora comentadores, tenham a capacidade de lhes oferecer know-how por via da explicação de cada lance ou da análise de cada jogada.

Mas os lances em si - sejam penáltis, vermelhos ou amarelos - não deviam ser, como são, o ponto de chegada. Deviam ser o ponto de partida. O ponto de partida para a compreensão, entendimento e discussão. Mais uma vez, tudo ao contrário.

A frustração de quem está deste lado roça o angustiante, de tão incapacitante que pode ser: sentimos que temos palco e capacidade técnica para aumentar os níveis de tolerância da opinião pública, mas em vez disso damos armas para que uns andem a dar tiros aos outros.

A alternativa poderia ser parar. Mudar de profissão. Seguir em frente. Está por cá quem quer. Certo. Certíssimo. Mas a fuga para a frente não só não iria resolver rigorosamente nada como ia potenciar o aparecimento de outro tipo de análises e comentários. Se estes ex-árbitros, hoje a colaborarem com a imprensa, abdicassem, nada mudaria no contexto atual. Rigorosamente nada. O mundo do futebol (sentido lato) precisa dessa discussão diariamente. Alimenta-se disso, porque discutir erros e contabilizar prejuízos e benefícios é o prato principal de muitas mesas por estas paragens. E enquanto se discute decisões atrás de decisões, não se reflete sobre o essencial. Não se reflete sobre os porquês e os comos. Porque que é que há tantos erros evitáveis e como pode o futebol trabalhar no sentido de os atenuar e evitar.

É um problema cultural mas também opção estratégica. A solução, pelo menos por enquanto, é persistir com humildade, independência e sem corporativismos de algibeira. Se fosse para agradar, não andava por aqui ninguém.