Tudo em todo o lado ao mesmo tempo
É o que se pede ao Sporting na dura missão de Londres. Perguntem a Mourinho se há «impossíveis» na Europa
Otítulo deste texto é o mesmo do filme que acaba de ser premiado com vários Óscares (entre eles, o de melhor filme) e fazer a felicidade de duas atrizes deveras talentosas - a malaia Michelle Yeoh (60) e a americana Jamie Lee Curtis (64 anos), protagonista da inesquecível comédia britânica de 1988 Um Peixe Chamado Wanda.
É uma frase longa, mas suficientemente expressiva para causar impacto e suscitar reflexão. Eu, se fosse treinador do Sporting, diria qualquer coisa deste género aos jogadores na palestra antes do jogo desta noite com o Arsenal, o 20.º na carreira europeia do jovem treinador com os leões (7 vitórias, 4 empates, 8 derrotas). Tentaria explicar-lhes que é mesmo «tudo em todo o lado ao mesmo tempo» aquilo que o Sporting precisa para voltar a jogar de olhos nos olhos com o líder da Premier League e, eventually, sair vivo do Emirates com o escalpe arsenalista no bolso.
Este «tudo», aplicado ao jogo, traduz-se em mão cheia de ideias básicas: disponibilidade e foco total; atenção; posicionamento; velocidade; intensidade; eficiência… e sorte. Só assim o Sporting pode fazer o que nenhuma equipa portuguesa conseguiu no Emirates - ganhar! - e surgir amanhã em lugar de destaque nos maiores jornais desportivos europeus. Não vou abordar aqui a falta que o líder Coates faz nem a ausência de Morita; nem vou especular sobre a melhor maneira de camuflar essas baixas - certamente haverá gente muito qualificada a discorrer sobre o assunto neste jornal. Apenas quero sublinhar a importância, por parte de quem lidera, de um discurso forte, apelativo e motivante nestes momentos que antecedem os grandes jogos em que as palavras «impossível» ou «muito difícil» passam pela cabeça dos jogadores. Não sei o que disse Rúben Amorim à equipa antes do jogo de Alvalade. Mas acredito que nada teve a ver com o discurso algo conformado - algo pessimista - que todos lhe ouvimos na conferência de Imprensa de lançamento do jogo. Quem viu o que se passou depois percebeu que Amorim os convenceu de que podiam realmente ganhar o jogo. Podiam, de facto. Só não aconteceu porque o Arsenal teve a mesma estrelinha que o Inter teve no Dragão.
A crença é tão fundamental na alta competição como a confiança. Como é fundamental que haja alguém capacitado para impregnar nos jogadores essa autoestima que se cheira à distância nas equipas habituadas a ganhar (o Real Madrid e o Bayern são bons exemplos disso). José Mourinho, por exemplo: era um motivador nato e um fabuloso inflamador de egos. Ele conseguia fazer com que os seus jogadores acreditassem que eram indiscutivelmente muito bons - e alguns não eram assim tanto. Aquilo que Mourinho fez no FC Porto entre 2002 e 2004, com um conjunto de jogadores praticamente desconhecidos que ele foi buscar a clubes como o Vitória Setúbal, União de Leiria, Vitória Guimarães, Belenenses, Boavista, Corunha, Fluminense e Celta de Vigo, devia servir de santo e senha para todos os treinadores portugueses com ambições europeias. Mourinho provou que não há impossíveis quando se pensa grande. Foi assim que aquela equipa de tostões ganhou, em dois anos, uma Taça UEFA, uma Liga dos Campeões e uma Taça Intercontinental, além de dois campeonatos e uma Taça de Portugal.
Mourinho, esse que cumpre hoje no estádio Anoeta, em San Sebastián, o jogo 220 em competições europeias (123 vitórias, 50 empates, 46 derrotas; 5 títulos e duas finais perdidas) com os olhos postos nos quartos de final da Liga Europa e, claro, no dérbi de domingo com a Lazio. A Real Sociedad de Imanol Alguacil tentará tudo para conseguir a remontada, mas não é crível que esta errática Roma desperdice uma vantagem de 2-0. Se a equipa basca ganhar o jogo, uma coisa é certa: Mourinho atinge pela terceira época consecutiva a anormalidade de 12 derrotas (!) em meados de março.
Quanto a Jorge Jesus (Fenerbahçe), o segundo treinador português mais experiente na Europa (fará 157 jogos; 75 vitórias, 35 empates e 46 derrotas; duas finais perdidas), hipotecou na primeira parte de Sevilha (tanto desperdício!...) a possibilidade de manter uma invencibilidade de dez jogos na Liga Europa, a sua competição fetiche. A equipa andaluza, o Real Madrid desta competição (seis títulos), apresenta-se em Istambul com uma vantagem de 2-0.
BENFICA: VENHAM OS MILANESES
CHAMPIONS. Como diria o imortal Eça, que ferro o FC Porto não ter dado cabo deste Inter!, equipa mesquinha e timorata que se apresentou no Dragão como a Sampdoria ou a Cremonese certamente se teriam apresentado: fechadinhas e preparadas para sofrer. Enfim, Inzaghi saiu premiado graças a uma defesa realmente competente (em 180 minutos o FC Porto não lhes conseguiu fazer um só golo…) e à deusa fortuna que, por vezes, decide proteger um só lado; mas só por brincadeira se pode comparar este Inter com aquele de Mourinho que também sofreu muito, sim, mas só naquela famosa meia-final em Camp Nou contra o fabuloso Barcelona do tiki taka (Inter com dez e Eto’o a defesa esquerdo…).
Dito isto, creio que os dois rivais de Milão (Inter e Milan) são adversários acessíveis ao Benfica versão Schmidt, cuja equipa se tem comportado na Champions como o Benfica de há sessenta anos se comportava na Taça dos Clubes Campeões Europeus - sem medo, com grandeza, jogando e ganhando com estilo e panache. Para mais, nunca tendo o Benfica vencido qualquer jogo oficial tanto com o Milan (duas finais perdidas...) como com o Inter (uma final perdida…), esta parece uma boa altura para quebrar esse desagradável enguiço, que também existe com o Bayern (um pesadelo) e com o Chelsea (outra final perdida, mais contas por ajustar). Com o Nápoles as contas também não são boas. Mas, enfim. Não há mal que dure sempre.
Quanto aos apurados de ontem, Real Madrid e Nápoles também não me parecem da conveniência benfiquista. O Nápoles porque joga muito (ontem voltou a cilindrar o Frankfurt). O Real porque é o que todos sabemos, Liverpool incluído: o maior. Dirão os benfiquistas mais antigos (na casa dos setenta) que o Benfica com o Real foi sempre a aviar. É verdade. Foi. Naquele tempo. 5-3 na final de 1962 (Amesterdão); 5-1 na Luz e 1-2 em Madrid nos quartos de final de 1965. O único problema é que a última vitória benfiquista sobre o Real Madrid foi há 58 anos. Desde então o Real conquistou mais nove orelhudas e um total de 23 títulos internacionais enquanto o Benfica acumulou finais perdidas (oito…).