Todos cúmplices nos silêncios
Nas vésperas do pontapé de saída no Mundial, 10 federações da UEFA, incluindo a FPF, elogiam o currículo do Catar, não denunciam o cadastro
AFIFA, por razões (quase) sempre pouco claras, erra muito mais do que acerta nos processos de seleção dos anfitriões do Mundial. O histórico recente arrepia. Em 2018, Rússia na organização do certame. Este ano, competição no Catar e fora de tempo, por acontecer de 20 de novembro a 18 de dezembro, a meio da época 2022/2023, sobretudo na Europa, com campeonatos e clubes confrontados com calendários complexos.
No caso do Catar, o que preocupa mais não é o impacto desportivo da organização do Mundial no fim do outono em vez de no início do verão - as regras, todas as regras, admitem exceções e as temperaturas elevadas e sufocantes no Médio Oriente, principalmente entre maio e setembro, desaconselhavam a realização da prova noutro período. Isto percebe-se, claro!...
O Catar é o primeiro estado da região do Golfo Pérsico premiado pela FIFA com o Mundial. Este processo de decisão foi polémico, a exemplo do que aconteceu no Rússia-2018. O país venceu a organização em 2010 e, em 2011, escutaram-se as primeiras suspeitas de subornos para compra de votos aos membros do comité que atribuiu responsabilidade tão grande a nação pequena e sem tradição no futebol. Mas, o comboio está em andamento e encontra-se cada vez mais próximo da estação. Nada a fazer.
A organização do Mundial está comprometido com alívio das regras em país que proíbe o consumo de álcool e considera a homossexualidade merecedora da pena de morte! A FIFA, na decisão de 2010, hipocritamente, ignorou-o, por entender que o assunto não era merecedor de importância. Mal, muito mal... Recentemente, até concordou com a criação de zonas de desintoxicação (guetos!) para adeptos que bebam a mais, indivíduos problemáticos para autoridades que prometem vigilância, para o bom cumprimento de todos os códigos de conduta.
E a vergonha não é maior apenas por… desistência dos adeptos! Os cataris, por anteciparem a necessidade de garantirem lotações mínimas nos estádios durante o torneio, nos jogos menos mediáticos - exigem-nas televisões e patrocinadores -, promoveram programa dispendioso de recrutamento de adeptos, que a organização ambicionava utilizar para monitorizar quaisquer publicações nas redes sociais da moda críticas para a monarquia que manda e desmanda no país da Península arábica.
Há mais - e (ainda) mais grave: na organização do campeonato, investiram-se 6,5 mil milhões de dólares, mais milhão, menos milhão! Esta empreitada enorme incluiu, nomeadamente, a construção de oito estádios em cinco cidades num país que tem só 300 mil cidadãos nacionais puros e, por isso, obrigado a recrutar migrantes, muitos migrantes (2,2 milhões, de acordo com a Amnistia Internacional) para levar avante esta obra megalómana. Encontrou-os nas regiões mais subdesenvolvidas do continente asiático (Bangladesh, Índia, Nepal, Paquistão, Sri Lanka, etc.).
Num Catar quase sem rei nem roque (legislação laboral, o que é?!), para a garantia do cumprimento de todos os prazos, valeu tudo, incluindo práticas esclavagistas, negando-se água, comida e salário a centenas de milhares de trabalhadores. Inaceitável, ainda mais conhecendo-se denúncias de entidades com credibilidade à prova de bala, o que não é o caso das autoridades governamentais de Doha, que não podem dizer-se surpreendidas com as acusações de violações de direitos humanos e do não reconhecimento de liberdades e garantias fundamentais.
Na construção do Catar-2022, segundo fontes não oficiais, mais de 6500 trabalhadores mortos, a consequência mais terrível tanto da subnutrição como do desrespeito por regras mínimas de segurança no trabalho. Em 2014, no Brasil, nas obras relacionadas com a organização do Mundial, também de acordo com números não oficiais, perderam-se só oito vidas humanas - desconfio do balanço, mas essas oito, confirmando-se, foram oito a mais! As 10 federações filiadas na UEFA, incluindo a portuguesa, por trás do comunicado que aplaude o progresso civilizacionais no Catar estão erradas! Cadastro não é currículo!
No desporto, o futebol não está isolado na tolerância à intolerância. Na Fórmula 1, Catar no Mundial a partir de 2023 (e por período de 10 anos!), após estreia no calendário em 2021, na corrida que antecedeu a estreia do GP da Arábia Saudita. Hamilton e Vettel, dois pilotos ativistas de causas justas, manifestaram-se. Assim, silêncios menos ruidosos. Cristiano Ronaldo, Messi, Mbappé, Neymar & Cia., até este momento, disseram nada. Não, não espero que falem sobre estas temas. O dinheiro e as influências valem muito mais do que direitos humanos, liberdades ou garantias ocidentais. Lamenta-se.