Talvez o problema seja meu

OPINIÃO21.12.202105:30

O namoro envergonhado de Jorge Jesus com o Flamengo encontra do lado oposto um estranho silêncio do Benfica

SINCERAMENTE não sei. Assisti a uma goleada contundente ao Marítimo, celebrei os golos do Darwin como se a cada boa finalização ele se tornasse melhor jogador (acho mesmo que isso está a acontecer), e mesmo assim continuo preocupado. Pode ser apenas a natural apreensão de quem ainda não viu um Benfica suficientemente consistente esta época. Pode ser a desconfiança que me tomou de assalto após a exibição frente ao Sporting. Pode também ser algum do meu pessimismo crónico a toldar-me a racionalidade. Admito perfeitamente que o problema seja meu, mas faltam pouco mais de 48 horas para dois jogos fundamentais para a presente época desportiva, e vitais para o orgulho dos benfiquistas, e parece-me que as goleadas dentro de campo têm encontrado alguns empates e derrotas fora dele.
Talvez o problema seja meu. Ninguém me mandou ligar a televisão no domingo para subitamente encontrar o advogado do treinador da equipa principal a comentar uma eventual saída desse mesmo treinador para o Brasil numa espécie de namoro envergonhado, tudo isto a 4 horas de um jogo da equipa principal. Eu já vi o advogado de Jorge Jesus várias vezes na televisão. Acontece habitualmente quando o ainda treinador do Benfica está a avaliar ou prestes a confirmar atualizações ao seu perfil no Linkedin. No mínimo, deveria considerar-se esta postura pouco profissional da parte dos direta e indiretamente implicados. Vinda de um representante legal de Jorge Jesus, é difícil perceber qual foi aqui a ideia, ou melhor, é impossível acreditar que tenha acontecido sem o consentimento de Jorge Jesus.
Talvez o problema seja meu. Ninguém me obrigou a abrir as páginas do jornal e descobrir que os dirigentes do Flamengo estiveram alegremente no estádio da Luz a ver o jogo, isto depois de terem anunciado que vinham a Portugal para tentar contratar o ainda treinador do Benfica. Os mais otimistas dirão que tudo isto é normal quando se aterra em Lisboa com o desejo de assistir a uma boa partida de futebol. Os mais pessimistas, como eu, acharão tudo isto vagamente absurdo. É tanto mais absurdo quando se considera que, à data de hoje, não existe um desmentido oficial do Benfica em relação a este tema. O namoro envergonhado de Jesus com o Flamengo encontra do lado oposto um estranho silêncio do Benfica. Talvez a estratégia seja a de conservar alguma estabilidade. Talvez a culpa seja dos jornais que alimentam estas novelas. Mas já vi muitos comunicados do Benfica ao meio dia a desfazerem novelas nascidas às sete da manhã. Neste caso continuo à espera de perceber exatamente o que se passa aqui.
Talvez o problema seja meu. Ninguém me obrigou a visitar as redes sociais para descobrir que o ainda empresário de Jorge Jesus - atualmente arguido suspeito de participar em crimes que terão lesado o Benfica em milhões de euros - almoça com Jorge Jesus num sítio onde se vai para nenhuma outra coisa a não ser a que já perceberam: ser-se visto. Depois disso, não satisfeito, almoça com os dirigentes do Flamengo por forma a ser visto. A estes almoços já só parece faltar uma flash interview depois do digestivo.
Por último: talvez o problema seja meu, mas o que leva um vice-presidente do Benfica a almoçar com um ex-presidente indiciado de ter desviado dinheiro do clube? Já sei que Jaime Antunes referiu a amizade com Luís Filipe Vieira, mas apetece-me perguntar se não valeria a pena algum decoro nestas interações. Eu não tenho nada contra as boas amizades e absolutamente nenhuma agenda contra Jaime Antunes, mas lembro que, na sequência da detenção e do afastamento de Luís Filipe Vieira, e no contexto de uma campanha eleitoral, Rui Costa prometeu aos sócios uma auditoria forense cujos resultados seriam apresentados até final de Outubro. Ora, os resultados dessa auditoria continuam por conhecer, não têm data anunciada para serem apresentados, e, enquanto assim for, os dirigentes do clube deveriam pelo menos evitar este tipo de aparição pública, sob pena de isso poder ser confundido com uma promiscuidade que em nada beneficia os interesses do Benfica. Também não deveriam fazer às escondidas, se é isso que o leitor pensa que eu sugiro. Chamemos simplesmente às coisas aquilo que elas são: a auditoria prometida, se realizada de forma independente, poderá permitir confirmar as ilicitudes de que Luís Filipe Vieira é suspeito. e não é um tema de rodapé. Foi Rui Costa quem anunciou uma nova era de transparência na vida do clube. Não é uma declaração que sócios como eu esqueçam. Continua a ter aqui uma oportunidade de se notabilizar pela diferença, mas seria importante que de facto não adiasse mais o tema. é por isso, que lamentando a minha própria desconfiança, tenho dificuldade em acreditar que um almoço como o noticiado serviu apenas para discutir platitudes, ou que o Benfica foi assunto proibido à mesa. Preferia não ter de imaginar o que foi ou não foi discutido.
A prometida auditoria torna-se ainda mais difícil de esquecer quando, no mesmo dia em que acontece lembrar-me disso, um intermediário de jogadores infelizmente associado ao Benfica é detido por indícios que parecem envolver novamente o clube na face mais sinistra do futebol português, que é berço de muita gente valiosa mas também o albergue de personagens tornadas conhecidas pelos piores motivos. É por tudo isto que o almoço de um vice-presidente com Vieira me incomoda, como decerta incomodará mais sócios. É uma boa oportunidade para recuperar a velha máxima de que não basta ser, é preciso parecer.
Mas talvez o problema seja meu.