OPINIÃO Schmidt: ‘E Depois do Adeus’
Não basta mudar nomes para o técnico alemão conseguir dar outra identidade ao Benfica
Embora desvalorizados durante muito tempo, os sintomas já eram mais do que evidentes. Com dois testes de exigência máxima veio o diagnóstico irrefutável: o Benfica atravessa uma crise de identidade.
Seria extemporâneo olhar para a saída de Roger Schmidt como remédio para o problema, pelo menos agora, mas o técnico alemão não tem conseguido baixar o volume à contestação. E Depois do Adeus, projetam já os críticos mais impacientes. Quis saber quem sou, o que faço aqui, parecem trautear os jogadores do Benfica enquanto procuram referências em campo.
Schmidt pode não estar familiarizado com a canção que Paulo de Carvalho eternizou, mas precisa, com urgência, de renascer estrategicamente para travar o risco de ficar abandonado. O desafio é o mais comum na vida de treinador, sobretudo em clubes vendedores, mas isso não quer dizer que seja simples de ultrapassar. Perder dinâmicas leva menos tempo do que adquiri-las, e por vezes basta trocar um destro por um canhoto para que tudo seja diferente. Schmidt ficou sem o goleador que era defesa e sem o lateral-esquerdo que era 10, e isso já explica muito. O ónus das contratações nunca poderá ser imputado exclusivamente ao técnico alemão, mas se Jurásek é um exemplo claro de mau casting, reforços como Kokçu e Arthur Cabral chegaram já com algum estatuto. Discutir o preço de ambos é válido, mas o que está ainda por esclarecer é se a diferença no perfil — relativamente a quem saiu — foi intencional ou não.
Seja como for, Schmidt já teve tempo mais do que suficiente para perceber que não é possível revalidar o título sem renovar a identidade. Na verdade já o assumiu, mas procurou respostas individuais, e a qualidade de alguns dos jogadores mais talentosos só foi camuflando aquilo que a mera troca de nomes não resolvia. Pior do que isso, travou o duelo entre Arthur Cabral e Marcos Leonardo e reduziu a influência de Rafa, por exemplo.
A mudança pede-se estrutural, mas o Benfica continua agarrado ao sucesso de uma fórmula que já não consegue replicar, como ficou exposto pelos rivais no espaço de quatro dias. Um modelo de jogo que perdeu a sua maior virtude — a capacidade de pressionar em zonas adiantadas —, apesar da insistência (em vão) para recuperar essa marca, com tudo o que isso destapa para trás. Uma equipa que defende à frente sem incomodar, e que depois não responde em transição defensiva. A vontade de sair sob pressão que se esfuma quando a bola chega ao lado esquerdo e é devolvida pela chuteira de Morato, quando antes era acarinhada na canhota de Grimaldo.
As mudanças eram inevitáveis, mas a confusão fica bem patente quando João Mário aparece a fazer aquilo que Kokçu fazia há umas semanas, e vice-versa.
Não basta mudar nomes para conseguir outra identidade. Para ser campeão, Schmidt tem de largar a sua melhor ideia, e o Benfica tem de conseguir dizer adeus a 2022/2023.