Sai Rafa, entra Rafa
Renuncia o do Benfica, anuncia-se o do Milan. Leão tem tudo para ser referência forte no ataque da Seleção. Veremos como o enquadra Fernando Santos
RAFA SILVA fechou a porta à Seleção num momento (em grande forma) e numa conjuntura (Mundial à porta) difíceis de entender. O jogador alegou razões pessoais e, não as conhecendo, não vou especular sobre os motivos que levaram Rafa a não querer representar mais o seu país (a honra máxima a que um futebolista profissional pode aspirar) tendo apenas 29 anos. Nem vou fazer fé dos rumores e nas informações que me vão chegando, algumas de fontes credíveis. Direi apenas o que é óbvio. Que Rafa Silva, um atacante com um pique extraordinário, nunca foi um peso pesado da Seleção (25 jogos, 0 golos, oito vezes titular), não constituindo o seu abandono um problema insolúvel, nem para Fernando Santos, nem para o selecionador seguinte. Fica, no entanto, a imagem de um jogador tristonho, que parece nunca estar feliz com o que tem. Na época passada, marcou um golo maradoniano na Luz (ao Estoril), e que fez ele? Fez cara feia e não comemorou a pretexto de não sei quê. Agora voltou aos convocados de Fernando Santos, com toda a justiça porque está a jogar muito bem e a marcar, e que faz ele? Volta as costas à Seleção e ao Mundial do Catar, quando tudo apontava que fizesse parte dos eleitos. Enfim. Cada um faz a cama onde se deita.
Acrescentarei um raciocínio: se Rafa Silva fosse tão bom como julga que é, teria certamente conseguido ser titular e figura de proa da equipa nacional porque nenhum selecionador é burro durante oito anos; se fosse tão bom como julga que é, Rafa certamente não estaria a jogar na Liga portuguesa há 11 anos - algum Valência ou Wolverhampton desta vida já lhe teria deitado a mão.
Rafa Silva
Sai Rafa, entra Rafa Leão a toda a brida. O atacante do Milan cresce a olhos vistos e está a tornar-se uma referência no futebol internacional de topo. Aquele que dá direito a manchetes na Gazzetta dello Sport, no L’Équipe e na Marca. Na edição de ontem, a Gazzetta reconhecia o peso do jovem jogador no campeão italiano dizendo o seguinte: «Se ele falta, o Milan fica KO», numa alusão à derrota rossonera com o Nápoles no fim de semana, clássico que Rafa não jogou por ter sido expulso na ronda anterior.
Houve em Portugal quem percebesse o potencial de grande jogador que havia em Leão - Jorge Jesus, que o lançou às feras num FC Porto-Sporting (respondendo a jovem fera com um golo lindo…), foi dos primeiros a afirmar publicamente que ele podia chegar muito longe. Mas uma coisa é ter o potencial (caramba, há tantos que têm!), outra coisa é concretizar esse potencial onde interessa - no relvado, não nos jornais - de forma consistente e continuada. Rafael, depois de uma etapa promissora no Lille, conseguiu afirmar-se verdadeiramente na época passada, sendo o jogador mais influente do primeiro scudetto do Milan em 11 anos (!), o que lhe valeu ser eleito melhor jogador da Serie A.
Velocidade, criatividade, tremendo poder atlético e qualidade técnica fazem de Leão um dos avançados mais hot do panorama europeu. O Milan pretende renovar contrato subindo-lhe o ordenado de milhão e meio para sete milhões por época, na esperança de que o Chelsea não se chegue já à frente com uma proposta a rondar os dez milhões por ano e uma ajuda substancial no pagamento da divida ao Sporting (acima dos 20 milhões). Em vésperas dos jogos decisivos da Liga das Nações em Praga, com os checos, e em Braga, com o velho rival ibérico, estou curioso de ver como vai Fernando Santos enquadrar Rafael Leão na Seleção, numa altura em que Cristiano Ronaldo está longe do nível habitual e Diogo Jota regressou de lesão há pouco tempo.
Rafael Leão
Leão, pelo que tem crescido, pelo que tem mostrado, tem condições para poder vir a ser referência importante no ataque da Seleção, ao lado dos rivais ingleses Diogo Jota e Bernardo Silva (até porque Cristiano, infelizmente, não é eterno). É importante que Santos perceba a dimensão da fera que tem entre mãos e tire o melhor partido das suas características, como faz Stefano Pioli no Milan. Um felino de grande porte não pode ser enjaulado, tem de ter espaço e liberdade qb para cumprir a sua missão. Leão pertence a essa categoria, embora tenha intermitências irritantes (dá a impressão que não se aplica a fundo). Vejam a maneira como ele arranca para cima das presas. Chega a ser a assustadora a facilidade com que ele brinca e passa por elas como se não estivessem lá.
Portugal teve uma pantera negra em Eusébio e pode vir a ter um rei Leão em Rafael. Haja ousadia para o deixar à solta.
VITINHA NÃO, VITÃO: QUE POTÊNCIA!
O Vitinha do SC Braga, 22 anos, tem vindo a bater à porta da Seleção Nacional. A murro e pontapé. Creio que chegar lá é apenas uma questão de tempo. Que chegue depressa porque é um avançado claramente diferente. Um touro enraivecido, com vénia para Martin Scorsese. Gosto particularmente deste fogoso e tão pouco português avançado arsenalista. Avançado não: aríete, como dizia o meu Pai quando falava de grandes predadores como Jimmy Greaves e Gerd Muller. Vitinha soa poucochinho para o aríete que Vítor Manuel Carvalho Oliveira é. O seu futebol másculo e agressivo, a maneira como se movimenta, ameaçadora e predatória, a sanha com que se atira aos defesas, a contundência brutal dos seus tiros, tudo isso me lembra os grandes avançados alemães dos anos setenta e oitenta que seguia religiosamente nos resumos internacionais do Domingo Desportivo apresentados pelo bom e velho Rui Tovar pai. Há em Vítor Oliveira, aliás Vitinha, aliás Vitão, uma exuberância física radiante, uma potência de tiro e uma vontade de fazer mal que é absolutamente saudável na posição que ocupa. Que continue a crescer assim e chegue depressa à Seleção, porque quando lá chegar alguém irá parar ao banco dos suplentes.
PS - Para quem acha que Vitinha é mais força que outra coisa, remeto para a deliciosa qualidade técnica do golo que derrotou o líder da Bundesliga alemã.