Rui Costa perdeu a maior oportunidade da sua vida
Resultado da AG abrigou a reunião de emergência (Foto SL Benfica)

Rui Costa perdeu a maior oportunidade da sua vida

OPINIÃO18.06.202415:00

Uma pessoa admite muitos disparates quando gosta muito de um clube de futebol. Às vezes os disparates até são meus e não dos outros, mas há limites para tudo.

As Assembleias Gerais realizadas no último sábado foram cristalinas quanto à ausência de respostas esclarecedoras em relação a vários temas. Este pareceu-me ser, aliás, a única coisa em que a direção do Benfica pretende ser absolutamente clara e transparente. Se dúvidas restassem antes do dia 15 de junho, agora está à vista de todos: a opacidade é para manter. A nova era de transparência é, afinal, mais uma dose da habitual opacidade.

Não é fácil perceber se a minha ilação é consequência de uma estratégia deliberada da direção para continuar a alienar sócios mais críticos, se resulta de real desconhecimento em relação a um tema que naturalmente se tornou dominante na AG (os resultados da auditoria forense), ou se houve falta de capacidade para fornecer respostas que até existem, e que os sócios por acaso procuravam. 

É angustiante verificar que a direção do Benfica, quando confrontada com múltiplas balizas escancaradas ao longo de 3 anos, parece fazer sempre tudo o que está ao seu alcance para evitar chutar à baliza. Este sábado foi mais uma etapa num caminho que mostra um défice flagrante de condições e de vontade para construir uma relação com os sócios, em particular os que estiveram na AG, assente na confiança e na credibilidade.

Senão vejamos. Quase todas as críticas feitas no sábado pelos cerca de 60 sócios intervenientes, todos eles críticos da direção, foram recebidas como sendo inoportunas e até vagamente descabidas. Foi como se um bando de loucos irresponsáveis tivesse decidido estragar o seu sábado para importunar uma direção que tudo faz bem e que em pouco ou nada deve respostas. A direção poderia desmentir as minhas últimas palavras, mas para isso teria que ter procurado dar as respostas que várias vezes foram solicitadas ao longo do dia.

Rui Costa pode até sentir algo diferente do que escrevo aqui, mas continua a ter dificuldade em comunicar o que verdadeiramente pensa acerca dos mais diversos temas, sem amarras nem rodeios. Continuou, como tem acontecido frequentemente até aqui, refém do seu próprio trajeto no clube desde que assumiu funções de dirigente. Infelizmente, assim que a sua intervenção começou, ouvi o presidente dirigir-se aos críticos num tom mais próprio de uma plateia dividida pela ideologia do que de uma conversa com Benfiquistas, unidos no amor ao clube. O seu discurso pareceu mais político do que clubístico, quando o momento pedia outra capacidade de demonstrar escuta ativa, não apenas na AG mas ao longo do seu mandato. 

 As dúvidas que permanecem são mais que muitas.

Sobre a saída de Luís Mendes, o presidente do Benfica chega a dizer que não é ele quem tem de justificar a saída da pessoa por si escolhida para dirigir a SAD, apresentada aos adeptos e aos sócios na comunicação como uma alguém da máxima confiança do presidente. Rui Costa explica que é Luís Mendes quem tem de se justificar. O meu queixo caiu, como o de muitos dos presentes.

O futebol é um fenómeno conhecido por muita irracionalidade, mas em nenhuma outra área da vida me é pedida a tolerância que o futebol exige. Uma pessoa admite muitos disparates quando gosta muito de um clube de futebol. Às vezes os disparates até são meus e não dos outros, mas há limites para tudo. Pergunto eu: conhecem alguma outra organização ou instituição da dimensão do Benfica em que, perante uma saída absolutamente inesperada de um decisor considerado crucial para a organização, a resposta de quem lidera essa mesma organização, 4 dias depois do sucedido, perante uma bancada com vários milhares de sócios, seja “perguntem ao Luís Mendes porque é que ele saiu”?

Eu podia dizer que isto são coisas do futebol, mas neste caso são mesmo uma singularidade do Benfica atual. E foram o excesso de tolerância e de credulidade que nos trouxeram até aqui. Incluo-me nesse grupo, porque fui um dos que deu o benefício da dúvida, ou, se quiserem, a mais absoluta legitimidade democrática a Rui Costa depois de este ser eleito. Procurei ver nele um caminho para algo melhor. 3 anos depois, o benefício da dúvida e a tolerância estão mais do que esgotados. Rui Costa teve ao seu dispor o capital de confiança de que muito poucas pessoas no universo Benfiquista poderiam dispor. Espantosamente, ou não, usou e abusa hoje desse capital para fazer aquilo que parecia impossível quando foi eleito em 2021: quase nada. 

Houve muitos temas pertinentes abordados durante esta AG, mas infelizmente a página em que escrevo não me permite falar de todos. Mas vale a pena destacar as perguntas sobre o aumento da despesa em FSEs (Fornecimento de Serviços Externos). Perante a dúvida insistente dos sócios, obteve-se a mesma teimosa opacidade sobre o crescimento de uma rubrica do orçamento que Rui Costa anunciou em tempos querer reduzir, mas cujo aumento é hoje incapaz de explicar.

É da natureza humana pensar que quem repetidamente evita, ou se revela incapaz de fornecer esclarecimentos, tem de facto algo a esconder. As poucas palavras de Rui Costa relativamente a este tema adensam essa dúvida. Se, após anos de negócios e operações financeiras no mínimo dúbias, conduzidas por funcionários do clube, os sócios querem saber em que é gasto o dinheiro do clube, com quem, e de acordo com que critério, que legitimidade tem a direção para negar o acesso a essa informação? Como podem sócios preocupados ser a parte errada neste processo? Que motivação poderia a direção ter para não disponibilizar essa informação, com critérios claros em função da tipologia e do valor dos serviços contratados? Afinal, se uma AG pretende esclarecer as dúvidas dos sócios e debatê-las, mas os sócios saem de lá sem esclarecimento nem disponibilidade para vir a esclarecer, para que serviu então a reunião dos sócios? E, já agora, quem são os beneficiados pela ausência de resposta a estas perguntas? Os sócios não foram, seguramente, e suspeito que o Benfica também não. 

Finalmente, sobre a auditoria forense, sinto que precisava das mesmas 208 páginas do documento original para pôr cá fora o comício que tenho sobre o assunto. Mas permitam-me dizer uma coisa antes. Aquilo que se passou no sábado incluiu alguns excessos de linguagem, meus incluídos, pelos quais já tive oportunidade de pedir desculpa ao presidente do Benfica. Mas quero repetir aqui as palavras que disse várias vezes em voz muito alta, de forma desnecessariamente indelicada, interrompendo duas intervenções do presidente. Fi-lo num momento de profunda irritação e frustração perante a ausência de respostas claras e perante aquilo que me pareceu ser uma tentativa de questionar ou insinuar uma agenda subjacente à indignação dos sócios, como se na bancada, num lugar ocupado com orgulho, não estivessem as pessoas de sempre, as que um dia idolatravam Rui Costa, as pessoas que gostam muito do Benfica e por isso foram ali passar mais um sábado a sofrer com o seu clube, desta vez angustiadas do primeiro ao último minuto porque olharam para o relvado e, mais uma vez, não viram como podemos chegar à vitória a jogar desta maneira. São pessoas que estiveram ali porque sentem que uma das coisas de que mais gostam na vida está em perigo. Por isso eu repito, desta vez sem levantar a voz. Expliquem os 51 contratos. Expliquem os 51 contratos. Expliquem os 51 contratos. Expliquem os 51 contratos. Expliquem os 51 contratos. Expliquem os 51 contratos. Tenham respeito pelos sócios. 

Será possível ao presidente do Benfica pensar, que, após 15 anos de cargos ocupados na primeira linha no futebol profissional, com responsabilidades conhecidas no planeamento desportivo, no scouting e nas contratações, as 208 páginas da auditoria forense são uma resposta suficientemente esclarecedora às dúvidas dos sócios e adeptos do Benfica? Será que Rui Costa consegue ler os nomes daqueles 51 jogadores, quase todos contratados para distribuir o dinheiro do Benfica por numerosas aldeias sem uma única alegria que os adeptos recordem, e não sentir um profundo embaraço?

Mais uma vez, confrontado com questões como estas e outras, o presidente do Benfica optou por pouco dizer e nada esclarecer. Quando assim é, a sensação que se cola à pele, e já lá vão uns dias a pensar nisto, é que de facto Rui Costa viu e soube de tudo isto, mas nada fez.  Mas admitamos o contrário: se nada viu e nada soube, o que estava lá a fazer? De volta à aparente realidade. Se viu e soube, como poderá algum dia defender que estes negócios tenham sido conduzidos em nome do amor que Rui Costa diz sentir ao Benfica? Se isto foi feito por amor, então eu chamo-lhe um crime passional.

Não tenho dúvidas de que o próprio Rui Costa concorda que quase nada do que consta da auditoria forense é justificável. Infelizmente, Rui Costa também sabe que não está em condições de dizer isto, e muito provavelmente nunca estará. Aqui chegados, não há mais tolerância nem credulidade para dispensar ao presidente. Só mágoa, angústia, preocupação e até alguma revolta.

Perante uma baliza escancarada, Rui Costa perdeu a maior oportunidade da sua vida. Decidiu não rematar à baliza, operando a mudança que o momento do clube exigia. Preferiu, afinal, manter tudo exatamente como estava. Não admira que estejamos cada vez piores. 

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