Roger Schmidt e a linha vermelha...
O treinador Roger Schmidt. Foto: Maciej Rogowski/Imago.
Foto: IMAGO

EDITORIAL Roger Schmidt e a linha vermelha...

OPINIÃO10.12.202309:35

Os sócios, únicos donos dos nossos clubes, têm direito inalienável a manifestar opinião

Ninguém é mais importante num clube que os sócios e adeptos, porque o clube são eles, os gordos e os magros, os altos e os baixos, os ricos e os pobres, os religiosos, independentemente dos credos que professem, e os ateus, os negros, os amarelos e os brancos, os masculinos, os femininos e os outros, os de esquerda e os de direita, os apolíticos e os militantes, os positivos e os negativos, todos diferentes mas todos iguais, no ideal comum que é o mesmo emblema.

No sistema de organização dos clubes portugueses, os sócios são ciclicamente chamados a escolher quem os representa, e em nome deles dirige os destinos da instituição, e é esse o momento em que lhes é devolvido o poder fundacional que lhes subjaz. Porém, a vida associativa não se resume a votar de quatro em quatro anos, e é direito inalienável dos sócios e adeptos manifestarem a sua opinião, muitas vezes motivada pela paixão, nascida mais do coração do que da razão, mas mesmo assim inquestionável e indisputável. Significa isto que quem, em nome dos sócios, comanda os destinos do clube deva governar segundo a conjuntura e os humores, amores e desamores dos associados? Obviamente, não. Embora o estado de alma dos sócios e adeptos deva entrar nas equações diretivas, há muitos outros fatores que devem ser levados em linha de conta, sob pena do clube passar a ser governado de fora para dentro. Mas não é aceitável, mesmo no calor do momento, que Roger Schmidt, e é dele que aqui se fala, tenha dito, após o empate com o Farense, que «[os adeptos] negativos que fiquem em casa, porque não é bom para a equipa, quem não estiver feliz com o que os jogadores e equipa fizeram, por favor fique em casa!»

Depois da infeliz interpelação a um jornalista da RTP após o triunfo sobre o Sporting, o treinador do Benfica voltou a perder as estribeiras, e desta feita colocou em causa o clube, que não é mais do que o conjunto de vontades dos sócios e adeptos, dos que assobiam e dos que aplaudem. E, ao contrário do que Roger Schmidt disse, o Benfica não precisa de um treinador que faça as substituições de que os sócios gostam, precisa de um treinador que pense pela sua cabeça e tenha personalidade suficientemente forte para não vacilar nos momentos mais difíceis, nem se deixar impressionar pelo nome dos jogadores. Não pode é ter um treinador que coloque em causa o direito à manifestação de opinião dos sócios, algo que sempre fez parte do futebol, por mais errada que ele entenda que seja.

Rui Costa, a três semanas da abertura do mercado de inverno, tem em mãos vários problemas a que deverá dar resposta. O primeiro tem a ver com a necessidade de equilibrar um plantel que apresenta alguns erros de casting: com Bah lesionado, é Aursnes a ser desviado de funções onde é mais importante; as escolhas para a esquerda da defesa e o ponta de lança estão a revelar-se flops; falta um matador na área (que Rafa, excelente com espaço, nunca será); e, finalmente, será preciso avaliar bem até que ponto Roger Schmidt mantém condições para dar a volta por cima nesta sua segunda época no Benfica. São muitas bolas no ar que o maestro, que também deverá ser malabarista, não pode deixar cair. Em tese, despedir um treinador a meio da época não é boa política, e o que aconteceu na troca de Rui Vitória por Bruno Lage foi a exceção que apenas confirma a regra. Mas a linha vermelha, no relacionamento com os sócios e adeptos, que Roger Schmidt pisou, não pode deixar de entrar nas contas do presidente encarnado, na coluna dos contras.

Já tenho tido oportunidade de referir, ao longo desta época, em inúmeras ocasiões, que Roger Schmidt é lento a substituir e essa não é das suas melhores facetas; também tenho dito, e mantenho, que o Benfica dificilmente terá sucesso se continuar a jogar com escassa presença na área adversária, num contexto em que em 95% das ocasiões enfrenta defesas superpovoadas. Mas só por desonestidade intelectual poderia cavalgar o empate caseiro com o Farense para explicar, com as razões atrás apresentadas, a perda de mais dois pontos. Apesar da ansiedade evidente dos jogadores encarnados na partida com os algarvios, estes construíram, e não concretizaram, oportunidades que dariam para vencer vários jogos, graças a uma dinâmica e intensidade muito bem conseguidas. Globalmente, numa exibição que resultou em 37 remates, 15 dos quais perigosos, e 15 pontapés de canto, o grande problema (desta vez) foi, de facto, de concretização. O que irritou quem estava no estádio, já de nervos em franja depois de tanto golo falhado, foi a decisão de Schmidt de tirar dois jogadores, que provavelmente serão dos que têm menos peso no balneário, que estavam a ter um rendimento positivo, deixando em jogo alguns intocáveis, o que tem sido prática recorrente. Ao contrário do que sucede com os rivais internos, Roger Schmidt parece ter mais dificuldade em substituir certas unidades, e esse tem sido um problema que ganhou outra dimensão quando o técnico alemão passou a ter um plantel com mais soluções à disposição.

Poucos esperariam que o Benfica chegasse ao Natal de 2023 com tantas incertezas e fragilidades, mas a vida é o que é. E é nas dificuldades que se vê a fibra de quem tem de tomar posições, nas bancadas, nos gabinetes, no banco e dentro das quatro linhas…

PS - Depois do rendimento desportivo inesperadamente baixo, a cena no parque de estacionamento. Fim de linha, no Benfica, para Arthur Cabral?

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