Realidade ou paranoia?
NÃO sei se sou só eu que acha que, por estes dias, realidade e paranoia são conceitos que se confundem com frequência. Reconheço que o mundo em que vivemos não é fácil. As pessoas deixaram de ter opiniões circunscritas ao seu seio familiar ou ao seu grupo de amigos e, cada ideia que têm, cada palavra que dizem ou cada gesto que fazem pode ser vigiado, julgado e sentenciado por todo um universo. Por um universo onde habita gente ávida de drama e sedenta de desgraça. E nós, todos nós, somos ora atores, ora espectadores dessa novela mexicana da vida real.
Agora tudo é exponenciado, híper dimensionado e escrutinado até ao umbigo. Até ao tutano. Quando falamos uns com os outros, não falamos só para eles. Falamos também para quem estava ao lado e ouviu, gravou e partilhou. Alguém dizia que por detrás de um teclado, qualquer idiota é candidato a prémio Nobel da literatura. E é verdade. A evolução tecnológica - com os benefícios tremendos que trouxe, até na forma como desmascara aqueles que são criminosos de verdade - permite também que qualquer ignorante se torne importante. Basta que diga duas larachas na hora certa e pronto. Temos logo Robin dos Bosques a fazer verdadeiro serviço público.
O grande problema é separar o trigo do joio. É perceber quem, de facto, diz a verdade que importa e quem diz o disparate que não interessa. É perceber que importância devemos dar ao que vemos, lemos e ouvimos. É perceber como processar tanta informação. Será relevante ou não interessa para nada? Será suspeita ou absolutamente normal? Será privada ou de interesse público? Esta nova realidade atinge contornos de histeria quando incide sobre pessoas com alguma notoriedade pública. Pessoas que, pela natureza pontual das suas funções, estão mais expostas e visíveis. Aí é o salve-se quem puder. Nunca se sabe bem quando é que uma conversa de café, um encontro inesperado ou um almoço de trabalho podem resvalar para o maior e mais maquiavélico complot de sempre. Aquela foto desfocada, o som meio distorcido ou o ar sério dos protagonistas ajuda a criar o ambiente perfeito. Acrescenta a dúvida, alimenta a suspeita, reforça a tramoia.
Minhas senhoras e meus senhores, sejam bem-vindos aos tempos da paranoia total. As coisas são como são e, sem desprimor para o que de bom tem saído de tanta demência, grande parte do que se relata é muita parra e pouca uva. É folclore que entretém os desocupados, os RIP’s e os je suis desta vida. Folclore que, não raras vezes, prejudica gravemente a imagem, reputação e idoneidade de pessoas boas e decentes. De pessoas de bem.
O futebol, pela sua importância, popularidade e peso emocional, é fértil neste tipo de demonstrações. Até eu já apareci a almoçar com um presidente de um clube de futebol (como se isso fosse um crime), quando, por acaso, até estava a 300km de distância. É a omnipresença dos ruins, em prol da ganância e ao serviço do mal. Valha-me Deus. Num mundo de gente tão criativa, não admira que quem tenha dois dedos de testa sinta alguma dificuldade em perceber onde acaba a loucura e começa a realidade. Essa dúvida, essa neblina constante, tende a favorecer os malandros de verdade. São eles que semeiam algumas dessas dúvidas, enquanto retiram dividendos do clima que criaram. É pena, mas não é grave. A mentira tem perna curta e a justiça tarda mas não falha.
Je suis otimista.