Paro, escuto e olho!...

OPINIÃO04.06.202206:30

Continuo a pensar, e cada vez com mais convicção, que não é possível basear o desenvolvimento do clube na venda de jogadores

É vulgar você encontrar numa passagem de nível - chamemos-lhe um sinal de trânsito - os seguintes dizeres: pare, escute e olhe. O que significa, simplesmente, que você não deve passar para lá da linha férrea sem primeiro olhar com atenção se vem algum comboio. Mais complicado é escutar, porque não é fácil encontrar nas mais diversas passagens de nível do país um constitucionalista que lhe explique se pode realmente escutar! Bem sei que se há diversas passagens de nível com guarda e sem guarda, estou seguro de que, mesmo que haja guarda, este não percebe nada de direito constitucional, como aliás muitos e muitas, que debitam sobre constitucional na televisão, quando não têm sequer competência para serem guardas de uma passagem de nível, num sítio onde só passam cabras e carneiros a caminho do pasto. Mas uma coisa aconselho a quem tenha de atravessar uma dessas passagens de nível: não julgue que essas escutas não têm valor, nada significam. Com efeito, se escutar o ruído de um comboio em marcha, pare mesmo e, sobretudo, quando ouça o apitar do comboio. Não faça como no Apito Dourado, e assobie para o lado: pode ser trucidado!...
É raro ter de atravessar passagens de nível no meu dia a dia, mas posso garantir que, diariamente, paro, escuto e olho, e não gosto do que vejo e ouço ou não acredito naquilo que me é dado para ver e ouvir.
Faço todos os dias o chamado zapping na televisão à procura de um programa desportivo de interesse, e, paro num canal, olho os participantes e já não escuto, porque já sei que estão a discutir pela centésima vez a mesma coisa; outros vezes paro e escuto, mas já nem olho, porque já os não consigo ouvir, quanto mais olhar.
Eu paro para olhar para a arbitragem e escutar propostas sérias para mudar, mas apenas vejo e escuto discutir os seus erros, fruto de falta de isenção ou competência; já não paro para ver e escutar a APAF e o seu presidente, já que não consigo ver e ouvir o presidente do Conselho de Arbitragem, que nada vê, nem ouve, sobre o que se passa na arbitragem. Porque não olham e escutam o que a FIFA e a UEFA pretenderam dizer ao afastá-los do Campeonato do Mundo: que parassem, que escutasse, que olhassem e, no fim, se fossem embora para dar lugar a outra geração e a outro sistema.
Eu paro, às vezes, vejo e escuto o presidente da Associação Nacional de Treinadores falar de níveis e passagens de nível, mas não o vejo nem o ouço pronunciar-se sobre o sucesso do treinador a quem tentou cortar as pernas. Talvez fosse bom parar, e saber ver e ouvir o que outros têm para dizer.
Eu paro, olho que o secretário do Desporto inicia a sua governação com o acto simbólico de apresentar cumprimentos ao clube que diz de referência - eu diria vassalagem - mas não escuto uma crítica do poder político, nem tão pouco da comunicação social, também já ela pouco independente, subserviente e sobrevivente.
Eu paro, escuto e olho a violência que por aí anda, mas paro, escuto e não olho da parte dos responsáveis, políticos e desportivos, um gesto ou palavra, para olhar ou escutar. As escutas podem ser ilegais ou inconstitucionais, mas nada se fazer perante o que os olhos veem e os ouvidos ouvem, é imoral! Haja coragem para denunciar...
Se calhar na vida vamos continuar a parar, a escutar e a olhar, e não fazer nada. É a mediocridade que envolve este país e não olha, nem escuta, os nossos melhores que, cansados de esperar, emigram, fartos de ver e ouvir disparates.
Antigamente, não se podia escrever ou falar sobre o que víamos e ouvíamos: era a censura! O que se chamará a ver, escutar e ficar calado? Cumplicidade talvez, mas não gosto da cumplicidade da justiça com a conveniência.
Continuaremos a ver nas passagens de nível o tal sinal pare, escute e olhe para alertar peões e motoristas para o perigo de acidentes. Mas quando o comboio é o da justiça, a atenção tem de redobrar, porque ele abranda para, olhar e escutar quem está a atravessar a linha. E não são poucas as vezes que, para salvar o atrevido, descarrila e atropela o diligente.
Às autoridades faço um apelo; parem, escutem e olhem que o país está doente, e o desportivo sofre de enfermidade grave! Estamos quase mudos; não nos façam de cegos e de surdos!
 

Dias Ferreira defende que o Sporting deve encontrar um investidor que se associe à SAD no risco e no sucesso


DAR DINHEIRO A TEMPO!...

N A semana passada, na minha crónica sob o título Dar tempo ao tempo dei conta, face a um passado ainda recente, como via o presente do Sporting diferente, particularmente, neste final de época desportiva e dealbar de 2022/2023. Dei conta, acho eu, da tranquilidade com que encaro o presente do futebol do Sporting, apesar de não ter ganho o campeonato - o que parece não interessar sempre porque já ganhámos campeonatos que não contaram - mas vamos à Liga dos Campeões, ganhámos a Supertaça e a Taça da Liga e apresentamo-nos com uma equipa consistente, que fez os mesmos pontos da época passada e foram muitos. Falei sobre um Sporting do presente em contraste com o Sporting de um passado recente, sem esquecer, como muita gente faz, todo o passado, de glória em muitas e variadas modalidades, desde a fundação do clube. Na vitória e na derrota serei sempre do Sporting, porque me revejo nos seus valores e princípios, sem transigir nos desvios que só nos trouxeram dissabores.
Uns dias depois teria oportunidade de, juntamente com companheiros Stromp, ouvir falar da formação do Sporting que retomou o caminho de excelência que há muitos anos iniciou, ainda antes da Academia. Dificilmente, em reuniões deste género, deixo de intervir, mas limitei-me a ouvir falar sobre esse tema aliciante, e sobre a sua filosofia. E sorri para dentro, num sentimento de tranquilidade, para enfrentar o futuro.
Pelo passado que vivi, o presente que vivo e para enfrentar tranquilamente o futuro, continuo a pensar e a defender que falta encontrar um projecto de desenvolvimento económico-financeiro, porque nada disto funciona, quer queiramos, quer não, sem dinheiro para investir. As ideias são boas, mas custam dinheiro, necessitam de investimentos em termos humanos e de estruturas.
Continuo a pensar, e cada vez com mais convicção, que não é possível basear o desenvolvimento do clube na venda de jogadores. Pelo contrário, esse desenvolvimento passará pela cada vez menor exigência de vender. Para isso, é preciso dinheiro, e não dinheiro de empréstimos que têm de ser pagos e com juros que vão seguramente aumentar.
Importa sim, a meu ver, encontrar quem invista e se associe a nós no risco, como no sucesso. Que me perdoem os que não concordam comigo, mas ter oitenta e tal por cento do capital, e com tendência para crescer, não sei para que servem. Fazem-me lembrar aquelas sentenças que condenam os devedores dos meus clientes em milhares ou milhões de euros, e que não servem para nada a não ser para emoldurar. Ou aqueles que acumulam e acumulam dinheiro e bens só para serem os homens mais ricos do cemitério!...