Os primeiros quadros pintados no Euro
‘Cristianomania’ atingiu níveis surpreendentes. Aos 39 anos de idade, Cristiano Ronaldo reúne, em si mesmo, o homem, o campeão e o mito
Com tantos, tão diversos e tão talentosos artistas em cena, não resisto à tentação de lançar um olhar crítico pelos primeiros quadros já pintados e que, para mim, não sei para outros, me impressionaram mais, me chamaram a atenção e se revelaram como traços que irão, desde já, marcar a obra de arte final, que se concretizará no próximo dia 14 de julho, em Berlim.
Não se surpreendam pela analogia. Cada Campeonato do Mundo ou Campeonato da Europa de Futebol, tal como cada edição dos Jogos Olímpicos, um Tour de France ou uma final do Super Bowl podem e devem ser vistas como obras de arte. O desporto, ao mais alto nível, tem uma indiscutível componente estética e pode - para mim, deve-se - entender a obra final de cada grande acontecimento desportivo numa perspetiva artística, como se fosse uma grande exposição de quadros de grandes pintores, ou um concerto interpretado por músicos geniais.
O fenómeno Cristiano...
É português de nascença e cidadão do mundo por desígnio popular. A Cristianomania assumiu, neste Europeu da Alemanha, níveis que, mesmo reconhecendo a dimensão universal de Cristiano Ronaldo, nos consegue surpreender. Aos 39 anos de idade, Cristiano reune, em si mesmo, o homem, o campeão e o mito. Mais do que dele se vê, é o que dele sempre se espera e mais o que dele se imagina. Entre todos os grandes talentos deste Campeonato da Europa, o português é o que se aproxima mais da perfeição de Deus. Idolatrado, até mesmo pelos adeptos das seleções adversárias, amado pelo povo universal do futebol, sempre que joga, corre, salta e chuta num qualquer altar sagrado.
Claro que toda esta paixão pelo artista não seria possível apenas pela obra quase acabada. Há também uma visão do homem superlativo e do atleta da transcendência que o torna especial e diferente de todos os outros.
... e o fenómeno Yamal
O ponta direita da seleção espanhola é o jogador mais jovem de sempre a jogar um Europeu. Coisa assinalável por ter, apenas, dezasseis anos de idade e já andar, sem ponta de complexos, com gente grande. Porém, o assinalável transforma-se em notável quando se vê Lamine Yamal jogar. É um talento da cabeça aos pés. Intuitivo, tecnicamente evoluído e com grande sentido de golo. Se a Espanha chegar à final de Berlim, coisa que não seria, de todo, surpreendente, Yamal festejaria o feito já com 17 anos, a idade com que Pelé foi campeão do mundo, na Suécia.
Filho de pai marroquino e de mãe da Guiné Equatorial, o jovem artista Lamine Yamal Nasraoui Ebana vem baralhar as contas de quem só vê pesadelos na migração.
A arte espanhola
Grandes surpresas nos primeiros quadros do Europeu? Nem por isso. Há, para já, pequenas deceções nas obras apresentadas pela Inglaterra e pela Itália e uma ideia de que, entre todas, a melhor arte é a espanhola. Na verdade, é cedo para o afirmar de forma tão firme e inabalável. Nestes torneios de tantos jogos em pouco tempo, raramente quem começa melhor acaba como o melhor. Em tese, estes torneios acabam por ser vencidos por aqueles que melhor gerem o cansaço e por aqueles que vão resistindo no início e crescendo ao longo da toda a prova.
Seja como for, para quem gosta da arte do futebol, esta Espanha é deliciosa. É intensa, mas sem ser furiosa como noutros tempos. É pragmática, mas sem perder o traço de arista. É coletiva, mas sem abdicar da liberdade individual dos seus magnficos artistas.