OPINIÃO Os 'cotas' do Estádio das Antas
Na página de hoje do Livro do Desassossego, uma viagem de 39 anos até à época em que me apaixonei pela cidade do Porto e me senti acolhido por adeptos portistas, não sendo portista. A vitória de André Villas-Boas foi a vitória do espírito dos 'cotas' que conheci nas Antas. O silêncio pode ser mesmo mais forte do que o ruído.
Quando em 1985, deixei para trás a Estação da Campanhã e galguei a Rua de Pinto de Bessa à procura da nova casa, soube na hora que iria ser muito feliz na cidade do Porto. A descoberta começou pelo caminho trilhado para as aulas, entre o seminário dos Salesianos e o Colégio dos Órfãos, onde enchia o pulmão de ar e lavava a vista com o azul vibrante do Douro, vendo os comboios a atravessar, a passo de caracol, a velhinha Ponte Maria Pia. Pelo caminho ainda um desvio pela belíssima Igreja Paroquial do Bonfim e atravessava o bonito Cemitério do Prado do Repouso, que me permitia atalhar caminho. Aos fins de semana, passeios a pé em permanente descoberta e a convicção que a cidade do Porto é a mais charmosa que conheci. Se fosse uma mulher, seria uma mulher madura, sedutora e misteriosa...
Por vezes dava um salto até às Antas para ver o FC Porto. Não por ser portista, mas por gostar de futebol. Não podia perder a oportunidade de ver ao vivo a segurança de Mlynarczyk, a classe de Eurico, o pelo na venta de João Pinto, o elétrico Frasco, o fiável Jaime Magalhães, o matador Fernando Gomes, o artista Madjer ou o monstro Paulo Futre. Ia para a porta de entrada dos sócios e fácil arranjava quem me adotasse como filho, entrando de graça… Outros tempos...
Foi entre os cotas que eu aprenderia sobre o que é ser-se FC Porto. Ria-me com eles, sentia-me acolhido. Como naquela imensa festa do título de 1986, num jogo com o Covilhã, em que o FCPorto chegou a ver a vida mal parada mas um bis do saudoso Fernando Gomes tratou de transformar o susto em festa. Sabendo que era lisboeta, achavam-me alguma graça. Ninguém me tratou por mouro, ninguém me fez sentir estranho, todos me acolheram. E foi por eles — e por um tio que me encheu de chocolates em criança— que aprendi a gostar do FC Porto. Não tenho de ser portista para gostar do FC Porto.
42 anos de Pinto da Costa
Em 1986, Pinto da Costa cumpria o quarto ano de mandato. E celebrava o bis. E se até entendia a estratégia mais guerreira e bairrista para derrubar os muros dentro dos quais o queriam confinar, nunca percebi porque, derrubados os muros, o FC Porto se acantonou num discurso de guerrilha e inimigos. Por vezes pergunto-me: se uma criança escolhe um clube muito em função do êxito desportivo — o meu filho é portista por isso mesmo — como é que o FC Porto não tem mais adeptos? A resposta, a meu ver, está precisamente num discurso que muitas vezes repeliu em vez de acolher.
Eis que chega o dia 27 de abril de 2024. O que os sócios do FC Porto fizeram foi notável. Elegeram um claro vencedor, traçaram um novo rumo, mas não declararam derrotado. Entenderam que local de gratidão é no museu, não na presidência.
Não pretendo neste espaço fazer um balanço de 42 anos de Pinto da Costa. Do seu lado solar, mas também lunar. Creio até que começou a perder os sócios quando permitiu que o FC Porto se tornasse, aos olhos deles, num clube burguês. De vendas milionárias, mas finanças deficitárias. A expressão «contas à moda do Porto» não nasceu por acaso. E numa cidade que, historicamente, sempre foi profundamente livre - também não é por acaso que adotou o cognome de Invicta, não gostaram da presença tutelar da UEFA. E pedem, acredito, outro discurso. E este resultado prova que a resposta está sempre no silêncio da multidão e não no ruído de uns poucos.
André Villas-Boas pode ser uma excelente notícia
André Villas-Boas poderá ser uma excelente notícia para o futebol português. Não para tornar o FC Porto num emblema da região norte, mas num embaixador de Portugal no Mundo. Pode construir pontes e ajudar a tornar o ar do futebol português mais respirável. Pode acolher.
O miúdo que via os jogos do FC Porto nas Antas cresceu. Só porque é jornalista de A BOLA é insultado de quando em vez por portistas. Poucos, felizmente. Respondo a todos, apenas um não mudou de opinião. A vitória de Villas-Boas é a vitória dos cotas, a alma do FC Porto. E deu-me a saudade de me sentar de novo no meio deles. E ser bem recebido. Mesmo sendo de Lisboa. Mesmo não sendo portista. Porque não precisode ser adepto para gostar do FC Porto.