Os bons sinais de João Félix

OPINIÃO01.10.202003:00

Quando foram conhecidas, no início da época passada, as novas recomendações dadas aos árbitros para lances na grande área que envolvessem contacto com mão ou braço, ficou em aberto o sempre discutível campo da subjetividade para as jogadas defensivas. Se quanto aos golos o assunto ficou bem arrumado - com ou sem intenção, bola que bata no braço do jogador que marque ou num colega, desde que imediatamente antes, o lance é anulado - o mesmo não se pode dizer do juízo de possíveis penáltis. Certos movimentos estão definidos como proibidos (um corte de carrinho com o braço levantado) ou permitidos (um jogador que faça um arrastamento com o braço colado ao chão, porque se trata de um movimento natural), mas por ser impossível prever tantas variantes da mecânica corporal as restantes decisões ficaram à espera do bom senso do árbitro de campo e do videoárbitro.
Alguns lances no fim de semana servem para nos lembrar  as zonas cinzentas que alteram o sentido de justiça. Dou dois casos: Fábio Veríssimo considerou haver volumetria de Douglas Tanque numa bola que ressaltou da coxa para o braço que resultou no primeiro golo do Sporting frente ao Paços de Ferreira; no Tottenham-Newcastle foi assinalado penálti contra a equipa de José Mourinho por mão de Eric Dier a um cabeceamento de Andy Carroll à queima, quando o central dos spurs estava de costas e tinha sofrido um empurrão.
Só mesmo os juízes em causa poderão encontrar explicação para mudar uma boa decisão inicial (insegurança no caso inglês?) ou manter uma má decisão (orgulho de Veríssimo?), mas mais curioso é assistir ao tipo de reações que eventos destes suscitam: em Portugal, a discussão é e será sempre a nível micro, da questiúncula e da guerra de poder (tivesse sido Benfica ou FC Porto o beneficiado e teríamos aí vomitório), ao passo que em Inglaterra é mais macro, a ponto de há muito se discutir a própria existência do VAR. Para os puristas da pátria do futebol moderno, o videoárbitro está a matar a essência deste desporto com decisões, em muitos casos, ao nível da imbecilidade. No caso inglês até admito a discussão: a figura do árbitro sempre foi respeitada e é um país que lida bem com as zonas cinzentas do futebol (foi assim que ganhou um Mundial) porque não vê o juiz engajado com esta ou aquela corrente. Os árbitros ingleses erram tanto ou mais que os portugueses, e erram muito mais que os italianos ou alemães. Tenho mesmo uma teoria para tanto disparate que temos visto na Premier League: de tantos anos de critério largo, fechando os olhos a tantas faltas em nome do jogo rápido e sem pausas que tanto gostamos, os juízes britânicos depararam-se de repente com um bebé nos braços quando sempre se habituaram a lidar com meninos já crescidos.  O problema não é o VAR, mas sim o uso que damos a esta ou outra tecnologia qualquer. A questão será sempre humana e o futebol do século XXI só tem um caminho: adaptar-se a uma realidade que veio para ficar.  

Ao aceitar jogar pelo Atlético de Madrid de Diego Simeone, João Félix correu um grande risco: ver o seu futebol de toque, passe e flutuações bater de frente com o cholismo que joga mais em função do  espaço e do adversário do que em função da bola. A sua primeira época em Espanha não foi boa mas quem se recorda do último encontro de 2019/2020, frente ao RB Leipzig, na final a 8 da Champions em Lisboa, em que os colchoneros apenas jogaram bem após a entrada do português, só podia chegar a uma conclusão: se Félix tem de se adaptar a Simeone, o treinador argentino tem de fazer um esforço ainda maior para potenciar o talento de Félix. No primeiro jogo oficial de 2020/2021, frente ao Granada, além da notável exibição do ex-jogador do Benfica, notei dois pormenores: o n.º 7 sorriu em campo e, quando marcou, a reação dos colegas foi a de um sentimento de justiça reposta. Ainda é cedo para juízos (o empate de ontem em Huesca volta a levantar dúvidas sobre este novo Atleti), mas com mais um ano de experiência e com um killer a seu lado como Luis Suárez, acredito que João Félix será mais regular na genialidade. E isso só está ao alcance dos fenómenos.