Os árbitros em Portugal
No futebol moderno é tudo mais, tudo exceto o número de árbitros, que diminuiu muito
SEGUNDO os dados de 2020 disponibilizados pela Pordata, existem 3967 árbitros de futebol no ativo, em Portugal. Em 1999, o número andou muito perto dos 5000. Estes dados estão desfasados no tempo, mas apresentam-nos um retrato preocupante e que nos deve levar a uma reflexão séria. Qual a razão para, em 20 anos, o futebol português não conseguir fazer crescer o número de árbitros?
Reparem: existem mais clubes e escalões a competir regularmente, torneios, além de provas e campeonatos; há mais competição no futebol feminino, quase 200.000 federados e mais meios, recursos e gente a trabalhar em modalidade que progrediu no profissionalismo e na tecnologia. Tudo no futebol moderno é mais, exceto o número de árbitros. Entretanto, o crescimento da indústria foi exponencial.
Porque é que tudo aumentou, menos os agentes da arbitragem? A que se deve esse percurso em sentido inverso? A resposta é simples: porque o assunto nunca foi uma prioridade. Porque nunca ninguém pensou nisto a sério e nunca existiu qualquer investimento baseado numa estratégia abrangente, preparada e planea- da. Porque nunca houve vontade em tratar tema longe da montra maior.
A verdade é que, aos árbitros que atuam nos escalões profissionais, são garantidas (e bem!) todas as condições para que trabalhem capazmente : meios, condições, apoios, tecnologia e até remuneração atrativa. Mas esses, que estão no topo, representam um 1% da classe (menos até!).
Por muito chato que seja pensarmos nisto a um nível mais terreno ou amador, convém não esquecermos que existem milhares e milhares de jogos todos os fins de semana que, sem árbitros para os dirigir, podem não se realizar. É capaz de haver futebol sem jogadores, treinadores, dirigentes, adeptos ou Imprensa. Sem árbitros, não!
Talvez fosse bom começarmos a olhar para isto de forma diferente e encontrarmos formas atrativas e inovadoras de seduzir gente para o setor da arbitragem.
Para convencer os mais novos é preciso mostrar-lhes que esta atividade desportiva, tendo os enormes benefícios que as outras têm, é segura e profícua. Que é bonita, duradoura e honrada. Que pode ser uma alternativa fantástica para quem não nasceu com talento para a bola. Que pode até ser uma verdadeira escola de virtudes capaz de desviar de maus caminhos muitos jovens em idades difíceis e de influências fáceis.
O apelo é terrível, já que a imagem não é nada abonatória, mas parte da tal estratégia passaria por desmontar tudo isso, com argumentos indiscutíveis. Saber recrutar e manter os que vêem é crucial para o presente e o futuro da arbitragem portuguesa. É certo que é tarefa dificíli- ma, por pressupor o envolvimento de todos (das associações aos clubes, das escolas às autarquias). Se é para o bem do jogo, todos devem remar para o mesmo lado.
Quando a arbitragem tiver quantidade suficiente para que não existam jogos por arbitrar (como acontece todos os fins de semana), os er- ros serão menores, por diversas razões: porque deixará de haver a preocupação do mesmo árbitro ter que dirigir cinco ou seis jogos num fim de semana, com todas as condicionantes que isso implica em termos de deslocação, fadiga e lucidez; porque permitirá uma gestão desafogada de quem tem que comandar uma nau que navega em águas tão turbulentas; e, sobretudo, porque quantidade permite apurar o filtro da qualidade. Havendo mais recursos, é pos- sível selecionar os melhores e trabalhar com esses numa perspetiva de futuro, para que os mais qualificados sejam os que chegam ao topo.
Muitas vezes, os erros cá em cima resolvem-se apenas com paciência e planeamento, cá em baixo.
Num universo onde tudo é muito urgente, não será fácil, mas a semente plantada hoje pode dar frutos amanhã. É isso ou não fazer nada e deixar tudo como está.