O rapaz da Noruega

O rapaz da Noruega

OPINIÃO24.03.202305:30

Como os suecos de outros tempos, também Aursnes joga pela equipa e não por ele

DISSE esta semana o humilde Fredrik Aursnes aos jornalistas, numa conferência de imprensa no estágio da seleção da Noruega, que amanhã, sábado, defronta a Espanha no La Rosaleda, em Málaga: «Se pareço estar melhor jogador, como dizem, é porque jogo com jogadores melhores». Aursnes não deve ter percebido ainda o que vale, realmente, como futebolista, talvez por ter andado, até agora, e com todo o respeito, por equipas de muito menor dimensão como o Hodd e Molde (do país natal) e, apenas, uma época do mais histórico Feyenoord, dos Países Baixos (como agora se chama à velha e lendária Holanda).

Fredrik Aursnes já não é propriamente um garoto, quando chegar, aliás, o final de 2023 completará 28 anos, mas é ainda um jovem na alta roda do futebol europeu, apesar de em 2022 ter jogado uma final europeia (da Liga Conferência) que perdeu para a Roma de José Mourinho.

Histórico e com história, evidentemente, o Feyenoord não é, porém, o Benfica, não tem a história do Benfica, o peso do Benfica, a dimensão do Benfica, a extensa massa adepta do Benfica, e não anda, com a regularidade do Benfica, nos maiores palcos do futebol europeu. Por isso, não será exagerado considerar que Fredrik Aursnes ainda é, na verdade, um menino nesta vida do grande futebol, das grandes competições, da grande pressão e dos grandes holofotes da Liga dos Campeões.

Este menino de quase 28 anos, nascido na pequena localidade de Hareid, com pouco mais de quatro mil habitantes, numa das zonas, mais a sul, e também mais a oeste da Noruega, a quase 600 quilómetros de Oslo, a capital, começou por fazer vida como jogador no Hodd (que acaba de ascender à segunda divisão do país), clube da pequena cidade de Ulsteinvik, a dez quilómetros de casa, e pelo modesto Hodd, imagine-se, Aursnes venceu a Taça da Noruega já lá vão mais de dez anos (em novembro de 2012), tornando-se então, com 16 anos e 350 dias, o mais jovem vencedor de sempre da segunda competição do futebol norueguês, quando o Hodd bateu, na final, o Tromso (1-1 após prolongamento, e 4-2 para o Hodd no desempate por pontapés da marca de grande penalidade).

Nessa final, Aursnes foi substituído precisamente no final do prolongamento e não bateu, por isso, nenhum dos pontapés finais, ao contrário do que sucedeu, por exemplo, em Braga, quando, no mesmo desempate, lhe coube marcar e falhar (decisivamente) e acabar por ver o Benfica afastado da Taça portuguesa.

Acontecimentos de Taças à parte, a verdade é que talvez nem o próprio Fredrik Aursnes tivesse a confiança de se transformar tão rapidamente num dos jogadores mais notados, admirados e elogiados deste Benfica de Roger Schmidt, não pelo virtuosismo, que não tem, não pelos golos, que não marca, não pelas assistências, que na verdade não tem somado, mas pela inteligência dos movimentos, pelo conhecimento que mostra ter do jogo, pela dimensão coletiva que lhe dá, pelo espírito muito próprio, acredito, dos futebolistas nórdicos, habituados a olhar para o futebol como um jogo de association (de ligação entre 11 jogadores e não de cada um por si), inspirados nos mais nobres (e nem todos foram assim tão nobres) dos valores britânicos que levaram à criação deste jogo.

Creio, assim, não podermos ficar surpreendidos, de modo algum, com a humildade com que Fredrik Aursnes admite estar melhor apenas por jogar, no Benfica, com melhores jogadores do que jogou nas equipas por onde andou, e faz-me, também por isso, lembrar a humildade absolutamente genuína, garanto-vos, com que os suecos Stromberg, Mats Magnusson, Stefan Schwarz ou Jonas Thern (que conheci, pessoalmente, a todos) cultivavam, dentro e fora do campo, a relação com a equipa do Benfica, com os companheiros, com treinadores, até com os jornalistas.

Não sei, evidentemente, onde o caminho de Fredrik Aursnes o vai levar; o que sei, e digo-o, naturalmente, mesmo sem o conhecimento mais ‘científico’ do jogo, é que o médio norueguês que Roger Schmidt (e certamente o seu principal conselheiro Erik Wolf) pediu ao Benfica para ir recrutar no Feyenoord, é, já hoje, um dos mais importantes jogadores, de equipa e da equipa, da Luz, e acredito que os adeptos das águias reveem nele muito do que deram, noutros tempos, ao futebol do clube, jogadores nórdicos, particularmente os suecos citados, que sobretudo o lendário treinador Sven-Goran Eriksson levou o Benfica a acreditar serem de verdadeiro, e muito competitivo, valor.

FALA-SE cada vez mais em Inglaterra no nome do treinador do Sporting, Rúben Amorim, e creio ter o Sporting a noção de estar, infelizmente, digo-o com franqueza, condenado a perder, mais cedo ou mais tarde, um treinador, muito jovem, é verdade, mas clara e verdadeiramente destinado ao sucesso no futebol ao mais alto nível, em Portugal ou lá fora, pela forma como defende o jogo que quer que os seus jogadores joguem, pela forte comunicação que tem, pelo dom, que me parece evidente, de entrar na cabeça dos atletas, talvez por ter sido, também a alto nível, o atleta que foi.

Não se trata, espero que o leitor o compreenda, de se desejar ver Rúben Amorim pelas ‘costas’ na Liga portuguesa; trata-se, sim, de reconhecer (apesar de todas as críticas que lhe tenho feito, sobretudo pela incoerência de algumas posições públicas ou por algumas mais incompreeensíveis decisões que não vêm, agora, ao caso...) a tremenda qualidade que tem, na realidade, como treinador para ,muitos, e altos, voos, e o futebol inglês, habituado, nestes tempos, a ter (quase) tudo o que quer, olhará, compreensivelmente, para Rúben Amorim como um inevitável entre alguns dos maiores.

Espero, porém, que Amorim não acabe no Tottenham (de que tanto se fala) porque me parece que o italiano Antonio Conte é proporcionalmente contestado à razão que me parece ter ao afirmar que no Tottenham «ninguém joga por nada de importante».«Essa é a história do Tottenham»

Deixo a dica (para o caso, muito improvável, de interessar) ao poderoso Chelsea: não sei se procura treinador, mas, com os brilhantes jogadores que tem, se procura treinador escreva o nome de Amorim na lista. Só terá a ganhar!

DIFÍCIL, muito difícil jogar frente a onze jogadores em 20 ou 25 metros. Ou melhor: muito difícil jogar-se um jogo em que 18 ou 19 jogadores estão, quase permanentemente, em 20 ou 25 metros do campo. Foi o que sucedeu à seleção de Portugal, ontem à noite, em Alvalade, obrigada a jogar numa caixa de fósforos e, ainda assim, acabar por ser capaz de golear na estreia de Roberto Martínez como selecionador das quinas, no primeiro jogo pós-campeonato do Mundo e, portanto, pós-Fernando Santos, e na noite que coroou Cristiano Ronaldo como o mais internacional de sempre do futebol Mundial, agora com notáveis, e ridículas, como dizem os americanos de qualquer fenómeno, 197 presenças na seleção do País - para se ganhar melhor noção do inimaginável que é, sempre lhe conto que na Europa, por exemplo, o segundo jogador com mais internacionalizações é o espanhol Sérgio Ramos, com 180!