O projeto

OPINIÃO01.04.202206:55

Num clube grande, projeto é ter bom treinador e boa equipa, capaz de ganhar!

OUÇO por aí muito boa gente dissertar sobre a necessidade de Rui Costa esclarecer qual é o projeto desportivo que tem para o futebol do Benfica como se Rui Costa e o Benfica tivessem de fazer o que não faz nenhum presidente de nenhum grande clube em nenhuma parte do mundo. Na verdade, ao contrário do que ouço por aí dizer-se, o futebol não tem projetos. Melhor: todos os presidentes dos grandes clubes sabem que o projeto válido nesses grandes clubes é… ganhar, ganhar e ganhar! Se ganham, é um projeto de sucesso; se perdem, é um fracasso. E serão sempre vistos como incompetentes. Ou hipocritamente vistos como incompetentes.

No futebol, caro leitor, os projetos têm apenas dois nomes: dinheiro e treinador. Se há dinheiro, o projeto é um; se não há, é outro; se há dinheiro, aposta-se num treinador mais caro e num determinado tipo de jogadores; se não há, recorre-se a um treinador mais barato e, regra geral, à prata da casa. O resto é, apenas, conversa, e faz parte do fogo de artifício que se generalizou no debate público, sobretudo no que diz respeito ao Benfica, porque é o Benfica, queira-se ou não, que vende como nenhuma outra marca desportiva em Portugal.

Já alguém ouviu reclamar a revelação dos projetos desportivos do FC Porto ou mesmo do Sporting? Claro que não. E, na verdade, nem faria sentido, porque os projetos desportivos serão sempre o que forem os treinadores escolhidos, as circunstâncias e o dinheiro que houver para contratações.

No FC Porto, por exemplo, o projeto desportivo foi tendo, apesar de tudo, o sucesso que foi tendo com Sérgio Conceição porque Sérgio Conceição, sendo um bom treinador, é ainda por cima um treinador com o sangue da casa e foi sabendo tirar o melhor partido das soluções possíveis num tempo de vacas magras e de intervenção do chamado fair play financeiro da UEFA, e ainda assim escolheu bem Luis Díaz, Uribe, Otávio, Taremi, e lá recorreu, bem, a Vitinha, João Mário, Fábio Vieira após ir ficando sem Brahimi, Herrera ou Corona… porque se tivesse Brahimi, Herrera, Corona, por exemplo, e se continuasse a ter Luis Díaz, não seriam certamente os Vitinhas ou os Fábios Vieira a estar no onze portista, com todo o respeito pelo muito talento dos jovens portistas. Tão certo, porém, como dois mais dois serem quatro! 

No Sporting, o projeto foi sendo o projeto de Keizer e o projeto de Silas mais o projeto do «não há dinheiro», até se tornar no projeto de Rúben Amorim, que felizmente para o Sporting se revelou o treinador que se revelou e acertou na mouche nas opções que fez, por empréstimo, ou com o dinheiro que, entretanto, foi tendo para gastar, também porque é, felizmente para o Sporting, um treinador com uma especial, e decisiva, química e conexão com o diretor desportivo (Hugo Viana), que trata como se fosse da família.

Teve Amorim, se não muito, pelo menos o dinheiro suficiente para começar por ir buscar 12 caras novas (Adán, Feddal, Matheus Reis, Nuno Santos, Pedro Gonçalves, Antunes, Pedro Porro, João Pereira, Palhinha, João Mário, Tabata, Paulinho), e, já com algum dinheiro mais, para receber depois Esgaio, Ugarte, Rúben Vinagre, Pablo Sarabia, e, agora, Slimani e Marcus Edwards.

Claro que, enquanto houve menos dinheiro, o projeto contou (e com sucesso interno, é inquestionável) com jovens da formação como Tiago Tomás, Jovane Cabral, Gonçalo Inácio, Joelson Fernandes ou Eduardo Quaresma. Agora que o cenário financeiro desanuviou, no onze resta Gonçalo Inácio. Porque tem qualidade, sim, mas também porque, na verdade, não há melhor.

Os projetos, volto a sublinhar, são o que são os treinadores, porque é o treinador o verdadeiro CEO da decisiva empresa futebol que há em cada clube, e mais ainda em cada clube grande. E os clubes têm uma estrutura (a famigerada estrutura) que está lá, sim, para servir o treinador-CEO que se escolhe, e não o contrário. 

Claro que cada clube vive a sua realidade. Se tem dinheiro pode apresentar ao treinador a possibilidade de contratar este ou aquele jogador que o treinador quer; se não tem, deve dizer ao treinador que tem de contar com o que há. Depois, é o treinador que decide em que condições aceita trabalhar.

Se o treinador escolhido é Nélson Veríssimo (ou Bruno Lage, ou outro qualquer saído da escola interna), então o treinador só pode agradecer a opção e trabalha com o que o clube lhe der; se o treinador é Roger Schmidt, ou Unai Emery, ou Mauricio Pochettino, ou um português já com outro estatuto, então esse treinador fará, compreensivelmente, outras exigências (mesmo que aceite, como tem sempre de aceitar, desenvolver alguns jogadores da formação), porque quer estar na primeira linha da luta por títulos, que é o que um clube como o Benfica lhe exige.

Manda a hipocrisia que se defenda a ideia de o Benfica ter de apostar na formação e, ao mesmo tempo, ter de conquistar títulos. Mas o que é isso, afinal, de apostar na formação? É contar, no caso da Luz, com Diogo Gonçalves, puxar para cima Gonçalo Ramos ou Paulo Bernardo, e já ter à porta Henrique Araújo, por exemplo? Se é isso, então o Benfica lá vai apostando na formação, e graças também à formação foi faturando o que faturou nos últimos anos com a venda de meninos formados no Seixal, à cabeça dos quais surgirá, por muitos e bons anos ainda, o nome do incontornável e surpreendente João Félix.

Se, por outro lado, apostar na formação é formar equipas essencialmente com base nos jovens da casa, então nenhum dos três grandes portugueses o pode fazer, a não ser que limite a própria ambição não a títulos, mas a fazer «o melhor possível». E que me lembre, o único que verdadeiramente seguiu essa linha de fazer, só, o «melhor possível», foi Paulo Bento, no Sporting, sem, no entanto, ter conseguido um único título de campeão. Que é o que toda a gente quer!

Volto ao Benfica porque é o Benfica, até ver, o único dos grandes que estuda a contratação de um novo treinador. E devo assumir que, em teoria, a escolha do alemão Roger Schmidt (esta semana apontado às águias, numa surpreendente fuga de informação, certamente preocupante para a entourage de Rui Costa) parece boa e faz sentido, ainda que qualquer escolha tenha (e quanto mais quisermos, mais terá) vantagens e desvantagens. Schmidt é, claramente, um bom treinador e parece seguir, em muitos aspetos, as ideias de outros treinadores alemães hoje mais consagrados, como Jurgen Klopp ou Thomas Tuchel.

As equipas de Roger Schmidt jogam (e jogaram) sempre bom futebol - o surpreendente Salzburgo, o fortíssimo Leverkusen e o muito prometedor PSV. Estará este treinador alemão de 55 anos talhado para fazer das suas equipas, equipas que mandam no campo, muito ofensivas, criativas, fortes física e atleticamente, e com variabilidade constante no jogo (como melhor meio para mais surpreender o adversário), como se viu no PSV que defrontou o Benfica no acesso à fase de grupos desta edição da Champions, no qual a equipa de Schmidt foi sempre melhor (e com futebol mais atrativo) que a equipa de Jesus, apesar da então bem sucedida estratégia de Jesus e da sua equipa.

Ser estrangeiro também terá as suas vantagens e desvantagens. Conhece, desde logo, menos bem o nosso campeonato, como é evidente, mas todos os treinadores estrangeiros que tiveram sucesso em Portugal também não conheciam e não foi por isso que deixaram de ter sucesso. Sendo estrangeiro, estará também mais imune (logo, menos vulnerável) à realidadezinha do nosso futebol, no que isso tem de pior e de mais negativo para o trabalho de um treinador, se é que o leitor me compreende, e creio que, sem grande esforço, o conseguirá.

Um treinador como Roger Schmidt dificilmente se deixará afetar pelos autênticos romances de cordel sempre tão alimentados no universo mediático de clubes como o Benfica, ou em futebóis como este nosso (tantas vezes tão pobre de espírito) futebol português.

Claro que, last but not least, Roger Schmidt será, como qualquer treinador, um bocadinho como os melões, que só depois de abertos se vê se são bons e doces. Schmidt será bom se ganhar. Ou se, podendo, circunstancialmente, não ganhar, for sempre (ou quase sempre) capaz de escolher bem os jogadores, os empolgar e os puser a jogar bom futebol, um futebol entusiasmante, inspirador e efervescente. É esse o projeto. Ou seja, se for capaz de criar química entre os jogadores e os conetar, porque sem química e sem conexão, nenhuma equipa sobrevive à exigência de uma equipa de um clube grande.

Caso contrário, Schmidt, ele ou qualquer outro, se for outro, por fim, o eleito, sabe o que o espera. Como escreveu Jorge Valdano, um destes dias, na sua habitual crónica que A BOLA publica aos sábados, nestes tempos em que vivemos, quando um treinador perde, não se faz uma análise; faz-se uma autópsia!

PS: Mais ou menos abençoada, a Seleção, que Cristiano Ronaldo pôs definitivamente na elite do futebol mundial, deu, no play off de acesso ao Mundial do Catar, recital de indomável vontade. Deixo apenas o meu particular elogio a Pepe e Danilo, imperiais no último jogo. IMPERIAIS, mesmo!