O princípio do fim
Rui Costa e Roger Schmidt Foto: RUI RAIMUNDO/ASF

O princípio do fim

OPINIÃO14.05.202405:24

O museu Cosme Damião não serve para promover e tirar fotografias às assinaturas de contratos

O Benfica aparenta estar sem rei, nem roque. Fui alertando neste espaço e na televisão para esta perigosa conclusão desde o dia 8 de Dezembro de 2023 em pleno Estádio da Luz.

O Benfica empata com o Farense e um adepto arremessa irrefletidamente, pelo meio da contestação global, um objeto na direção do (ainda) treinador da SAD. E como o treinador tem palco para manifestar o seu poder porque a Direção assim lhe permite, decidiu fracionar os associados da sua própria casa que estão frustrados com o decurso da presente época. Mais: instigou os adeptos críticos a ficarem em casa e incentivou os abstémios a estarem presentes no apoio. Ninguém gosta de ser criticado mas como Schmidt ocupa um cargo de enorme impacto, tem que se lhe ensinar, qual Romário a Pelé, que «calado é um poeta».

Atente-se que Schmidt só percebeu recentemente que a dimensão da exigência dos benfiquistas pode passar por uma pequena vírgula mal colocada mesmo quando se ganha. Teve que ser Luisão a sussurrar-lhe a loucura que é esta cultura de identidade após a eliminação frente a um Marselha que é uma miragem do passado e envergonha a sua história. Ora, esta deficiência comunicacional torna-se ainda mais profunda pois a massa associativa do Benfica não é feita daquilo que o boche classificou, de forma grosseira e intempestiva, como bons e maus adeptos. E não deve ser um Luisão desta vida o role model para lhe explicar o que é o Benfica por mais que tenha sido capitão, algo que consiste numa atribuição de verdadeira honra reservada a poucos mas que, infelizmente, nas últimas décadas foi gerida pela SAD de forma leviana.

Posto isto, está à vista que a Direção falhou redondamente no onboarding de Schmidt ao não lhe terem explicado o conceito de mística (trademark publicamente reconhecida em 120 anos de vida), bem como a árdua tarefa e realidade com que este teria que lidar, sobretudo, se ganhasse. Quando esta Direção decidiu sobrecarregar, em sentido oposto à sustentabilidade financeira, custos estruturais internos com staff técnico e jogadores a troco de centenas de milhões de euros, pelo menos que se tivesse assegurado que dos currículos dos contratados constasse fome de vencer e respeito por quem lhes irá bater palmas ou dirigir impropérios (comportamento justificado e normalíssimo para qualquer pai de família no futebol).

Quando defendo publicamente a contratação de treinadores estrangeiros (continuo a fazê-lo devido aos vícios que o futebol nacional ainda enferma), não estou à espera que a apatia e soberba interna dos representantes prevaleçam sobre a necessidade de se ter sempre que contextualizar, com orgulho, os tempos que aí virão para o outsider. É nesta fase clínica inicial que se começa a transmitir a cultura de vitória complementada pela visita ao museu Cosme Damião (figura que hoje se encontra a dar voltas no seu caixão no Cemitério dos Prazeres).

O museu não serve para promover e tirar fotografias às assinaturas de contratos mas para que todos percebam o peso da instituição e a diktat de resultados imediatos. A verdade é que o discurso repetido do treinador alemão («não podes ganhar sempre») atestado pela ausência de títulos já afetou a visão de alguns benfiquistas que optam por respeitar excessivamente quem representa o clube ao invés de criticar construtivamente. Alguns destes com exposição pública e a estabelecerem padrões mínimos de conquistas para avaliação do sucesso dos mandatos em curso.

No caso, ganhar 2 ligas em 4 será suficiente. Respeitosamente, não têm visão nem estofo necessário para gerir um clube e uma SAD ao mesmo tempo, ainda para mais com o ónus vitalício que carrega o passado do Sport Lisboa e Benfica. Não se justificam falhanços com as frases feitas de Schmidt ou sob a gíria de que «não se compete sozinho». Vence-se para que nós próprios nos superemos, o que até faz com que os outros surjam mais fortes e qualificados.

Só que, hoje, uma convulsão social interna apoderou-se da massa adepta do Benfica por culpa da comunicação nociva do treinador que voltou a culpar os adeptos pela instabilidade e que voltou a propor o seu escape indemnizatório como solução para todos os males. Pode ser o princípio do fim de muita coisa. Até de quem lidera e que, até agora, não deu a cara.

Nota:

Caríssimos leitores,

Fui confrontado com o facto de o meu artigo semanal [em A BOLA de ontem, 14 de maio] poder ter ferido suscetibilidades com base num termo por mim utilizado em relação ao atual treinador da Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD. 

 Ora, em primeiro lugar, após 193 artigos de opinião (repito, de opinião) desde o longínquo verão de 2020, nunca e em momento algum recebi qualquer indicação por parte de A BOLA a tecer considerações, fossem elas de caráter positivo ou negativo, sobre o conteúdo dos mesmos.

 O que revela algo raríssimo na comunicação social nacional hodierna, independentemente da sua forma de veículo. Ou seja, por experiência própria, tenho de reconhecer que A BOLA é claramente diferenciada pela liberdade e independência editorial que permite aos seus colunistas. Desde que, obviamente, estes tenham o cuidado de evitar o risco das suas próprias opiniões se poderem confundir com a visão editorial da própria instituição.

 Posto isto, devo clarificar que assumo, integralmente e sem exceções, a responsabilidade total pelos factos, títulos, expressões, semântica, conteúdos, conceitos, ironias, entre outros aspetos da minha própria escrita, conforme me compete.

 Assumo que, por vezes, escrevo com emoção a mais. Mas, não obstante entender que a mesma é necessária para a pena que a escreve, há que ficar claro que sou eu próprio o único e exclusivo responsável pela transcrição dessa emoção unilateral. 

 Jamais A BOLA, seja a que nível for, poderá ser visada e responsabilizada pelos meus atos e considerações, assim se devendo isentá-la por completo, incluindo retroativamente.

NOTA DA DIREÇÃO - A BOLA é um jornal que admite e fomenta a Liberdade de Expressão e, como tal, a pluralidade de opiniões. Porém, não pode nem quer aceitar que seja usada linguagem imprópria ou termos com conotação depreciativa e muito menos xenófoba sobre quaisquer atores, sobretudo relativos à sua etnia, género, religião, orientação sexual ou naturalidade. Pelo sucedido e explicado acima pelo autor, pedimos as nossas desculpas a Roger Schmidt, em primeiro lugar, e a todos os nossos leitores.

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