O prémio de Rúben Amorim
'Livre e Direto' é o espaço de opinião semanal do jornalista Rui Almeida
Quando, há pouco mais de seis anos, Rúben Amorim foi lançado pelo Casa Pia para a posição de treinador principal, ainda sem a habilitação legal para assumir formalmente o cargo, poucos imaginariam uma história tão marcante e desafiante como a que, nesse dia, começava a ser escrita por um antigo bom jogador, benfiquista com 11 títulos conquistados no clube da Luz e um em Braga, internacional português por 14 vezes e presente na fase final do Mundial de 2010, na África do Sul.
E quando António Salvador nele apostou para orientar a equipa B do SC Braga e não teve dúvidas em promovê-lo à equipa principal dos minhotos, muitos pensavam tratar-se de uma aposta de muito risco por parte de um presidente que, com imenso investimento infraestrutural, pretendia criar no Minho uma equipa verdadeiramente competitiva no plano nacional, ao ponto de a tornar uma crónica candidata aos lugares cimeiros da Liga portuguesa.
Há exatamente 1704 dias, os méritos de Amorim atingiam um dos pontos mais altos de reconhecimento, com a contratação pelo Sporting. Frederico Varandas vira no lisboeta, à altura com 35 anos, as soluções para um projeto de estabilidade, de organização interna, de estruturação do futebol profissional do Sporting e, naturalmente, muito mais próximo dos sucessos desportivos almejados.
Pagaram os leões, a 4 de março de 2020, os dez milhões de euros requeridos pela cláusula indemnizatória prevista no contrato do treinador com os minhotos, interromperam a aposta de António Salvador e propiciaram-lhe condições próximas das ideais: pouca exigência classificativa na época que então decorria, na perspetiva de conhecer os cantos à casa. Alguma disponibilidade para investimento em reforços e muita liberdade editorial para criar, estimular e instalar um estilo de jogo à sua ideia, foram os outros dois aspetos determinantes para o sucesso que se conhece.
Dois títulos nacionais, um Sporting a aproveitar em pleno as condições da Academia Cristiano Ronaldo, a posicionar-se como charneira na discussão das provas em Portugal e com implantação e respeito crescentes no cotejo além-fronteiras. Se há, naturalmente, mérito a repartir por todos os intervenientes neste processo de reformulação que Alvalade conheceu nos últimos anos, é óbvio e mais do que justo assacar uma (muito) importante quota-parte ao líder da equipa técnica que, ademais, introduziu segmentos discursivos muito interessantes para o marasmo repetitivo e mecânico que servia de fio de prumo (e, na grande maioria dos casos, ainda serve…) aos treinadores de topo no futebol português.
Falando de futebol para os adeptos do futebol, de técnica e tática para os entendidos da modalidade, e criando um crescente engajamento com os valores que pretendia implementar no clube, Rúben mostrou que, a par das inegáveis capacidades que advinham da sua experiência como jogador e dos primeiros anos do outro lado do balneário, percebia de modo extraordinário as dinâmicas comunicacionais que se definem num clube de alta exigência e em que os adeptos, em primeiro e último caso, são juízes, críticos, defensores, apaixonados e irados (quase tudo ao mesmo tempo), assim a bola bata na barra e entre, ou bata na barra e… não entre.
Não espanta o interesse, o ataque cirúrgico e a capacidade negocial inultrapassável revelada por um dos colossos do futebol mundial. Desde logo porque, em Old Trafford, há muito que o treinador português estava identificado e despistado como um talento jovem e nato, preparado para assumir desafios gigantes e protagonizar a mudança que, a bem dizer, desde o abandono de Sir Alex Ferguson os red devils pretendem para a sua dimensão nacional, europeia, mundial e estelar.
Mas também porque, do lado de Amorim, é impossível resistir a tanto charme. Afinal, os mesmos motivos (a uma escala doméstica) que, há 1704 dias, o levaram a trocar um já muito seguro e estruturado SC Braga pelo imenso desafio de fazer voltar a ribalta e de dotar de uma estrutura inquebrantável um dos recorrentes grandes do futebol português, são os que agora o levam a rumar a um dos pontos incontornáveis da história do futebol moderno, e a um dos emblemas mais desafiadores que, neste momento, se poderiam colocar no caminho e no horizonte de qualquer profissional de futebol.
Não me parece fazer nenhum sentido alguma franja de críticas lidas e escutadas nas últimas horas à opção de Rúben Amorim. Qualquer um de nós — sublinho, qualquer um — tomaria esta opção, no exato respeito por vários fatores:
— as leis do mercado (as mesmas de há quatro anos e dos próximos muitos períodos de quatro anos), a sua dimensão irrecusável financeira e desportivamente;
— a legítima ambição profissional de redescobrir caminhos e desafios, para mais num símbolo extraordinário do futebol mundial, a necessitar de trilhar caminhos rápidos e eficazes de credibilidade, confiança e verdadeira reaproximação desportiva aos seus valores genéticos;
— a saída pela porta grande de Alvalade, sem subterfúgios, com ressarcimento dentro do previsto contratualmente, com condições criadas para quem lhe suceder e com a capacidade de olhar nos olhos todos os que o ajudaram a fazer do Sporting um clube muito mais forte e estruturado, hoje, do que aquele que encontrou há quatro anos e meio, quando pela primeira vez franqueou os portões de Alcochete.
Por tudo isto, é bem merecido o prémio de Rúben. Que seja, obviamente, muito feliz.
Cartão branco
Uma carreira de sucesso nacional e internacional só poderia terminar com um largo sorriso, com muita emoção e com a certeza da missão cumprida de forma excecional. Eduardo Coelho colocou, aos 45 anos, um ponto final no percurso notável como juiz de futsal. A competência do árbitro nascido na francesa cidade de Lourdes e filiado na Associação de Futebol de Aveiro levou-o aos patamares mais altos no mundo que abraçou. Quatro fases finais de Mundial foram, apenas, o pico mais elevado de várias montanhas conquistadas a pulso, e que contribuíram de modo decisivo para a dignificação da modalidade que o notabilizou, mas também do país e da Federação Portuguesa de Futebol. Chapeau, caro Eduardo, de imenso respeito e admiração.
Cartão amarelo
É, há dois anos e meio, líder máximo de um dos clubes com uma massa adepta de maior valor e dimensão. O Vitória Sport Clube tem crescido desportiva e estruturalmente, e não merece que o seu presidente venha regularmente a terreiro queixar-se de tudo e de todos. O futebol, ao seu mais alto nível, já não se compadece com queixinhas e reclamações porque um jogo foi perdido, ou porque uma decisão arbitral foi duvidosa. Sobretudo quando o clube tem a grandeza do VSC, importa perceber que há momentos em que a pedagogia (interna e externa), e a diplomacia, valem mais do que blackouts dos verdadeiros protagonistas ou presenças extemporâneas em conferências de imprensa.