O golo, o VAR e o resto
O retrato da UEFA, neste filme, ficou a preto e branco, com toques de cinzento. Pouco habitual
J Á muito se escreveu sobre o golo mal anulado a Ronaldo no jogo do passado sábado. Penso que ninguém terá dúvidas: a dimensão, impacto e mediatismo do erro tornaram-no num dos maiores dos últimos tempos. Mas, como bem sabemos, lances destes não são caso virgem no futebol.
No prolongamento do decisivo encontro com a Rep. Irlanda, o golo de Galas - após dois toques com a mão de Thierry Henry - apurou a França para o Mundial-2010, naquela que foi uma das maiores injustiças do desporto contemporâneo.
Curiosamente, naquela competição, a Inglaterra viria a ser fortemente lesada ao ver negado um golo limpo a Lampard, no jogo contra a Alemanha. Tal como aconteceu no Marakana de Belgrado, a bola ali também esteve bem dentro da baliza adversária.
Se quisermos recuar um pouco mais no tempo, não faltarão exemplos de lances graves mal avaliados pelas equipas de arbitragem. A única diferença entre esses e o do jogo com a Sérvia é que, na altura, não havia tecnologia no futebol. Martin Hansson e J. Larriano estavam sozinhos em campo, decidindo em função do que erradamente viram (ou não viram). Não desculpa tudo, mas para quem andou lá dentro, ajuda a perceber muito.
A reflexão aqui parece-me clara: a este nível e com tudo o que está em jogo, o uso da videoarbitragem não devia ser opção: devia ser uma obrigação.
Não faz sentido que nesta fase de qualificação, duas confederações tenham formas distintas de avaliar partidas de apuramento para a mesma competição. Na zona americana, há VAR em todos os encontros; na zona europeia, não há em nenhum.
Tudo o que se possa dizer como atenuante para esta lacuna é apenas uma desculpa para o que se facilitou: a falta de credenciação de alguns árbitros ou estádios, os custos orçamentais, os inconvenientes logísticos/operacionais em criar a estrutura ou até mesmo os constrangimentos causados pelo Covid-19 são comuns a todos os continentes. A questão é que eles ultrapassaram-nos e nós não. O retrato da UEFA, neste filme, ficou a preto e branco, com toques de cinzento. Algo pouco habitual numa instituição que, regra geral, nunca falha nestes pormenores.
Pior que isso só a constatação que, por cá, ainda há quem não saiba distinguir a (justificada) frustração emocional do (absoluto) exagero irracional. Bom exemplo deu o nosso selecionador nacional - um verdadeiro gentleman - criticando a atuação dos árbitros com elevação, mas sem pôr em causa a sua integridade. De resto e dando de barato a carta branca oferecida ao aficionado enraivecido, foi um desfilar de pequenez, que voou do «ato premeditado» ao «ladrão», do «fomos escamoteados» ao «roubo de igreja». De cada vez que vestimos a pele de calimeros, tornamo-nos mais pequeninos. A nossa grandeza mede-se sobretudo pela forma como reagimos a contratempos sob pressão, ainda que injustos. Ainda que prejudiciais. Há pessoas que nunca podem dizer o que pensam publicamente, mas insistem em fazê-lo, sabe-se lá porquê.
Não é para quem quer. É só para quem pode... e aqui, deviam poder mais.