O futebol nas mãos de intrusos

OPINIÃO04.02.202305:30

Por trás desta loucura económica existem fundos de investimento e países cuja imagem é lavada pelo desporto, milionários caprichosos

SUPERLIGA CHAMA-SE PREMIER

OS italianos, que definem como ninguém, chamam mercato de riparazione ao mercado de meio de época. Para a sua reparação, a Premier gastou 700 milhões de euros, um valor assombroso que não pode ser alcançado por todas as Ligas europeias juntas. A sensação é de que, sob o nome de Premier, o país do Brexit está comprando o sonho da Superliga diante da perplexidade da europa futebolística. Que pretende a Superliga? Reunir a maior quantidade e qualidade de talento no menor espaço possível para causar impacto, sedução global e, claro, dinheiro. Como se vê, a Premier não precisa de ninguém para estimular o interesse da audiência internacional. O problema é que os clubes não produzem o que gastam e, como aponta Tebas, o doping pode produzir uma catástrofe quando a UEFA impuser limites ou o grande capital deixar de se apaixonar pelo futebol. Sem pensar na queda, eles continuam subindo.
 

Enzo Fernández, de encarnado a azul por 121 milhões de euros


NÃO SÃO GENTE DE FIAR 

POR trás desta loucura económica existem fundos de investimento, países cuja imagem é lavada pelo desporto, milionários caprichosos... Gente, a longo prazo, pouco confiável. Confiável é o futebol, que continua a funcionar como aglutinador da comunidade, como escudo contra o vazio, como emoção televisiva. Também como indústria de lazer, mas os sábios que dirigem o futebol não sabem durante quanto tempo será rentável face à concorrência tecnológica, que, como sabemos, tem muita pressa. Entre investidores rebeldes e o medo do futuro, há cada vez mais vozes que querem transformar o futebol em algo mais moderno, mais rápido, mais sexy. Fazem-no em nome das novas gerações, quando vejo cada vez mais jovens a roer as unhas nos estádios; fazem-no para melhorá-lo como entretenimento, quando o futebol é emoção; fazem-no para ganhar mais dinheiro, quando o futebol é uma máquina de o produzir. Fazem-no porque isto está a encher-se de intrusos.


NÃO LHE TOQUEM, POR FAVOR

AS mudanças nos regulamentos, o excesso de jogos disputados, o VAR colocando as garras nas decisões arbitrais, não falam de uma evolução, mas de uma redefinição do futebol. Estão a mudar questões práticas e símbolos profundamente enraizados. Mas dos cinco milhões de pessoas que saíram à rua em Buenos Aires para comemorar o triunfo da Argentina no Campeonato do Mundo, não houve um único adepto mobilizado pelas novas tendências. Ali estava o velho futebol mostrando a sua força sentimental, comunitária, cultural... Então porquê tanto interesse em desinventar a roda? Mais do que revolucionar um jogo que mostra todas as semanas a sua eficácia popular, é preciso cuidar da essência do tesouro. Que nada mais é do que os regulamentos de sempre aplicados com inteligência e honestidade e cuidar (como disse Ancelotti em conferência de imprensa) dos jogadores como matéria-prima valiosa. Mais simples, impossível.


A NECESSIDADE, GRANDE CONSELHEIRA

RAFAELA PIMENTA, agente de jogadores, declarou ao As que Haaland vale 1.000 milhões e nem me soou exagerado. Um jogador que, como Haaland, faz golos de todas as cores, tem um valor futebolístico e comercial incomparável. Um exemplar único dentro de um espaço que está a enlouquecer. Parece-me pior que se paguem 70, 80 ou 100 milhões por quaisquer bons jogadores. O caso do Barça, visto em perspetiva, é escandaloso. As urgências históricas de que falava Menotti caíram-lhes em cima e eles passaram a comprar por uma fortuna jogadores que estavam na moda. Mas as modas passam. Chegaram as consequências económicas e a necessidade de ir à cantera. Assim apareceram Araújo, Balde, Gavi, Pedri, Ansu Fati… Uma geração de excelentes jogadores que marcará a próxima década. A solução, uma vez mais, era mais simples do que parecia.