O elefante na sala
Pode Fernando Santos defender que «não há clubes» na Seleção mas o ambiente está a ficar pesado e alguém tem de abrir a janela
DISSE ontem Fernando Santos que nunca sentiu ambiente de «clubes» desde que assumiu o cargo de selecionador nacional, em 2014. Na verdade, esses ares dissiparam-se muito antes, diria mesmo que é coisa que não se vê desde o final dos anos 90 do século passado. Dois motivos levaram à quebra de animosidades: a Seleção começou a ganhar e a base da equipa passou a ser feita com jogadores a atuar em campeonatos estrangeiros. Desde o Euro-1996 até à data, em que a Seleção Nacional só falhou uma grande competição (Mundial-1998, em França), o conceito de Seleção e equipa fundiram-se, ao que se associou o público, abraçando Portugal como um todo que era e é seu.
É bom recordarmos o que se passou antes disso, na década de 80 e na primeira metade da década de 90. Foram os piores momentos de que me recordo, não apenas pela qualidade de jogo mas sobretudo pelo tribalismo exacerbado, quando jogadores do FC Porto eram assobiados em jogos disputados em Lisboa e jogadores do Benfica (sobretudo) assobiados em encontros realizados no Porto. Podem já ter passado mais de 20 anos mas duas décadas são um mero pontinho na linha do tempo e quando pensamos que a evolução nos trouxe para outro patamar de existência depressa a realidade nos lembra que a regressão civilizacional está aí à porta. Os exemplos chegam-nos de todo o lado.
Percebeu-se o desconforto de Fernando Santos sobre o tema Otávio/Diogo Costa, dois dos quatro jogadores do FC Porto que estão sob alçada do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Manafá e Fábio Cardoso são os outros dois) por cânticos insultuosos dirigidos ao Benfica num direto no Instagram, mas ninguém pode negar que há um elefante na sala. O problema pode ser mitigado dentro de portas pela ausência de jogadores do Benfica na convocatória (mas estou curioso para saber quais terão sido as conversas entre a dupla portista e Bernardo Silva) mas a questão de fundo é a relação dos futebolistas com o público e logo com dois jogos a realizar em Lisboa (Alvalade). Não estamos assim tão longe de vermos jogadores de Portugal serem assobiados por portugueses. Seria triste.
Otávio no centro das atenções
Não quero, com isto, defender a exclusão dos dois jogadores da Seleção. Não é motivo para tal (bem diferente, por exemplo, do longo tempo de ausência de Benzema da seleção francesa devido ao escândalo com Valbuena), mas seria importante que a Seleção e a Federação pensassem nos dias críticos que estamos a viver. Não faria mal, nada mesmo, que Diogo Costa e Otávio viessem a público, em contexto de Seleção, pronunciarem-se sobre o tema e admitirem, simplesmente, que se excederam. Os fanáticos que vestem de azul não lhes levariam a mal e os fanáticos que vestem de vermelho ou de verde iriam encarar estas palavras como sinais de humildade. Porque todos erram. A acrescentar a isto fazerem o que sabem em campo - Diogo Costa traz mais segurança numa defesa subida e Otávio foi brilhante nos dois jogos do play-off de acesso ao Mundial-2022.
Quero também acreditar que tudo isto se deve à falta de cultura de Seleção de Diogo Costa e Otávio. São ainda poucos os estágios, concentrações e jogos e o tempo vai ajudar a moldar comportamentos. Mas poderiam pedir já conselhos a Pepe, que sempre soube distinguir as coisas e tem um percurso imaculado por Portugal (e basta-lhe fazer um jogo à Pepe para os adeptos esquecerem as rivalidades e se lembrarem do quão bom ele ainda é) ou até mesmo a Vítor Baía, símbolo do portismo e da Seleção. Para tornar o ar mais limpo é preciso que alguém abra as janelas.