Na toca do lobo ninguém é ateu
Nos últimos minutos do jogo de Madrid, Guardiola abdicou do jogo posicional e passou ao ‘salve-se quem puder’. Fez sentido.
HÁ um provérbio, julgo que húngaro, que diz que na toca no lobo ninguém é ateu. Significa que, quando estamos em perigo, rezamos. Podemos não crer em Deus, nem sequer em qualquer entidade superior, mas se estamos em risco de vida ou se está alguém de quem somos muito próximos, a tentação é rezar. Ou falar com a tal entidade superior. Caso sejamos conhecedores do tema, até podemos juntar um ave-maria com umas palavrinhas do Alcorão, outras em sânscrito e por aí fora. O que interessa, falando terra-a-terra, é safarmo-nos.
TERÁ sido isso que pensou Pep Guardiola quando, na parte final do Atlético Madrid-Manchester City e vendo em perigo a passagem às meias-finais da Liga dos Campeões, colocou de lado a ortodoxia de posse de bola, tiki taka ou jogo posicional. Nos derradeiros minutos do encontro no Wanda Metropolitano, mesmo jogando com mais um homem por expulsão de Felipe, aquele que é por muitos considerado como o melhor treinador do Mundo (seja lá o que isso é) passou do habitual 4x3x3 à moda da Laranja Mecânica, em que quase todos jogam em quase todas as posições, para uma espécie de salve-se quem puder. De repente, deixou de haver Beckenbauers, Maldinis, Dani Alves, Xavis ou Iniestas na equipa de Manchester. Filosofia tão legítima como a aquela que, quase todos os fins de semana, asfixia adversário atrás de adversário. É tão legítimo jogar-se como Portugal jogou no Euro-2000 ou como no Euro-2016. Como o Brasil no Mundial-1982 ou no Mundial-2002.
O que pensou Guardiola andará perto daquilo que um ateu faz quando está em perigo: reza. O catalão não rezou, mas mandou defender a qualquer preço a baliza de Ederson. Mesmo que isso fosse contra qualquer teoria em torno do futebol que praticam as suas equipas. É mais bonito ver o futebol praticado pelo Brasil em 1982 do que o de 2002? Óbvio. O futebol de Portugal em 2000 era esteticamente mais atraente do que o de 2016? Claro. A questão é que o futebol de alta competição é, acima de tudo, jogo e só depois espetáculo.
LÁ está. Faria sentido o Manchester City correr em Madrid o risco de ir para prolongamento por não abdicar do jogo posicional? Não. Tinha Guardiola a certeza de que não seria eliminado se optasse pela retranca e bus atrás de bus? Não. Tratou-se, no fundo, da lei das probabilidades: é mais provável estar na meia-final se, nos últimos minutos do jogo, colocar uma van ou bus em redor de Ederson. E ganhou. Guardiola tornou-se crente na toca do lobo Simeone.